O mundo do vinho é cheio de regras, etiquetas e conceitos preestabelecidos (já escrevi isso). E parte da culpa por esta espécie de cerimonial pode ser creditada aos chamados formadores de opinião que orbitam em volta deste mundo. São os críticos, blogueiros, especialistas, sommeliers, enólogos, produtores e enoxiitas de toda espécie que elaboram uma tese a cada novo gole. E às vezes intimida quem apenas quer ter prazer numa taça de vinho. Confesso, também sou parte integrante deste circo.
Mas será que este rigor todo resistira a um teste com uma câmera escondida em jantares, degustações ou feiras de tintos e brancos que esta turma toda?
Quando um especialista diz “Aprecie com moderação, bastam duas taças durante a refeição”, será que ele segue o mesmo receituário?
Alguém já presenciou um grupo de degustadores em ação? Ou topou com uma reunião de uma confraria, onde a relação de garrafa por pessoa costuma ser na base de um para um, no mínimo? Pois é, sem hipocrisias. A desculpa oficial para esbórnia etílica dos enófilos atende pela prerrogativa de que o vinho não é igual a outras bebidas, como se também não fosse alcoólica.
Quando um especialista diz “A sequência correta do serviço dos vinhos exige que os trabalhos comecem pelos espumantes, prossigam com os brancos, seguidos pelos tintos mais leves, para só então enfrentar os rubros mais encorpados”, significa que não é para quebrar a regra nunca?
Bom, se for seguir esta sequência o incauto leitor já não poderia observar a primeira recomendação, de beber com moderação em uma refeição. Mas o que faz esta turma toda de entendidos nas feiras de vinho? Salta de um robusto tinto da Rioja para um sauvignon blanc da Nova Zelândia com a mesma ligeireza com que finaliza a jornada com um rosé de Provance. Faz sentido?
Quando o especialista diz “A regra número 1 de harmonização é branco com os peixes, tintos com as carnes”, será que ele segue mesmo esta regra?
Pois para boa parte dos conesseurs, o inverso é quase um crime de lesa-pátria, e seu autor deve ser condenado a beber vinagre até o fim dos tempos. Mas eu vi, com estes olhos que o terroir há de comer, muito bacana de Baco inverter esta lógica com a maior felicidade e sem culpa. São encorpados cabernets chilenos acompanhando massas regadas a molho de tomate, que pedem tintos com maior acidez, ou mesmo brancos mais refrescantes com nacos de carne grelhada e até saladas entre goles de tintos tânicos, intercalados por uma água mineral para neutralizar o efeito. E tudo bem. Isso é muito comum, creia, principalmente em uma degustação em que só são servidos exemplares de tintos e a salada é o primeiro prato.
Resumo da ópera: nem tudo que se recomenda deve ser seguido à risca. Claro, tem sua lógica, tem seu saber, tem a experiência de quem tem uma litragem considerável. Mas nada disso deve impedir seu prazer e o momento.
Vinho é assunto sério. Precisa ser?
Um leitor me advertiu em um comentário sobre outro post, devidamente publicado, que vinho é “assunto sério”. E que eu deveria evitar “comentários dispensáveis, de efeitos redutores.”
Não sei se este é o tipo de texto que se encaixa na bronca, mas desculpe, caro leitor, vou discordar. Vinho pode ser também ser tratado com leveza, humor e alegria. E, principalmente, com pontos de vista variados. É o que se tenta por aqui… Quebrar as regras à mesa, nas taças e no texto. Creio que esta postura pode mais ajudar do que atrapalhar o mundo do vinho.
E você qual regra de Baco gosta de quebrar?
Isso é verdade, faltou colocar a famosa regra da taça, vinho bebe-se em taça formato x pra vinho x e por ai vai, e no fim das contas o pessoal degusta vinho em copinho de café. Muito se vê em fóruns que o vinho só será bem apreciado quando bebido em uma taça, aquele blablabla de sempre, tem sua verdade, mas você vai deixar de tomar vinho só porque não te serviram numa taça de cristal e sim num copo americano, copo de requeijão ou de geléia?
Fui beber vinho no meu vizinho, foi taça de cristal? Foi nada, foi no copozão de geléia. É claro que era um ambiente totalmente informal, e nem por causa disso deixei de me divertir e de saborear o vinho.
Grande abraço!
Caro Roberto,
Discussão bem instaurada.
Vamos por partes.
Concordo quanto à primeira questão. De fato, a questão do consumo moderado não acontece entre especialistas. Salvo nos casos em que você tem que provar muitos vinhos e, justamente por isso, tem que cuspir o vinho, engolindo uma quantidade diminuta de cada um deles. Mas, como regra geral, o que você disse procede.
Quanto à ordem, pelo menos nos ambientes que frequento, costuma-se respeitar. Especificamente quanto às feiras, realmente, muita gente não dá bola pra isso. Mas também conheço várias pessoas que reservam determinado período do evento a cada tipo de vinho.
Quanto à harmonização, acho que essa questão de “branco para peixes e tintos para carnes” está mais atrelada ao senso comum do que aos especialistas. Aliás, embora a regra seja aplicável em boa parte das vezes, os bons autores que tratam do assunto já abandonaram esse “dogma” há muito. Assim, dificilmente um “especialista” traria isso como regra número 1 sem considerar todas as variáveis envolvidas. Eu, felizmente, nunca vi alguém que se possa chamar de “especialista” tratar a coisa desse modo.
Já no que diz respeito à “seriedade” do vinho, concordo plenamente com você. Muita gente tentar dar ar “protocolar” e aristocrático ao vinho, sem a menor necessidade. Isso talvez decorra do fato de que muitos procuram utilizar o vinho como forma de se sentirem “superiores”. Lamentável. Como você bem disse, o vinho pode (e e deve) ser tratado com leveza. O bom humor, igualmente, é desejável! Procuro trazer, na medida do possível, coisas assim para meu blog.
Um abraço,
Guilherme Lopes Mair
http://www.umpaposobrevinhos.com.br
Excelente,
Desburocratizando o vinho!!!
Um brinde,
Denys Roman
http://www.caveantiga.com.br
http://www.twitter.com.br
Por falar em burocracia, gostaria de ouvir sua opinião sobre a questão tributária do vinho no Brasil.
Um brinde,
Denys Roman
http://www.caveantiga.com.br
http://www.twitter.com/caveantiga
Sensacional!
É muito legal criar um monte de protocolos para o vinho, mas no final nem mesmo que os criou consegue segui-los…..
Como eu sempre digo…prefiro beber Almaviva em copo de plástico do que vinho artesanal em taçca Riedel
Grande abraço
Jean
http://www.otanino.blogspot.com
Caro Gerosa, acompanho seu blog com grande interesse. Gostaria que esclarecesse uma dúvida. Eis a situação: vinhos finos e caros expostos em prateleira a temperatura acima de 28- 30 graus durante o dia e refrigerados no período do serviço, à noite, mantém o mesmo sabor, ou pelo menos, perde pouco suas características? É comum acontecer no Nordeste esta situação, compreensível pelo custo de armazenamento dos vinhos, mas não será que isto impede sua real apreciação?
Um grande abraço.
Falou muito bem Gerosa. Há sim um ritual que geralmente quem gosta de vinhos e se aprofunda um pouco mais AMA seguir, sou um deles, entretanto não deixo de tomar um vinho na casa de um amigo se me oferecer em copo de requeijão, como bem colocou o amigo Rafael Machado neste espaço. Muitos dizem “o melhor vinho é aquele que você gosta”, todavia se alguém disser que ama um reservado chileno de R$ 15,00, será apedrejado, vão olhar torto e esboçar feições de repreensão. Como você disse, há muita hipocrisia e pessoas que se consideram donas do saber, quando na realidade sequer compreendem a própria existência.
Penso que o vinho, em princípio, deve ser descompromissado, alegre, festivo, sem exigências tolas. Após isso, PODE seguir um ritual, incorporar mais charme e elegância, entretanto não significa que esta seja superior àquela, são distintas.
Um brinde ao bom senso, à compreensão e cordialidade.
Bom dia!
Concordo com vc Gerosa. A maioria das pessoas no Brasil tem uma ideia elitista acerca do vinho. E os almofadinhas de plantao so incrementam mais e mais. É obvio que existem regras, e elas e nao sao empiricas, mas fundadas em principios. Mas me enoja ver nouveau riches exibindo seus conhecimentos ( de meia tigela) acerca do vinho. Dou muito mais valor a pessoas como o pai do meu amigo Jose de Sa( portugueses do Douro) que vive nos arredores de Paris em um pequeno sitio e cultiva suas uvas na simplicidade. E aos fins de semana se junta com o vizinho que tem cabras e faz queijo, com outro que tem porco e faz defumados. Juntos se alegram e consomem os produtos de suas maos calejadas, que alem de ter um valor qualitativo digno de lojas de delikatessen, tem um valor intrinseco muito maior. Me lembro com carinho do meu avo que contribuio enormemente com a vinicultura europeia , que entendia como poucos acerca do vinho, mas era um homem de habitos simples e sem fanfaronices.
Bebamos com alegria e simplicidade, pois a elegancia e sabedoria estao na simplicidade.
Um abraco!
Vlad
Meu caro Roberto,
Concordo com vc quanto ao excesso de “regrinhas” para os apreciadores do vinho, essa bebida maravilhosa!
É claro que prefiro degustá-lo em uma taça, sem necessariamente ser de cristal.
Aprecio um bom vinho branco suave e também os espumantes (a maioria dos “entendidos”, torce o nariz para eles…), pois podem ser servidos gelados.
No último domingo Dia dos Pais, tomeu um Casa Valduga frisante, MARAVILHOSO!!!!!!!!!!!
Caro Roberto,
Muito boa sua colocação, tenho refletido muito sobre isso ultimamente, a medida que a humanidade avança em direções diferentes das que sempre fomos condicionados, a necessidade de se quebrar velhos dogmas se mostram necessários. Acredito que aconteça de forma natural, porém uns se mostram mais abertos e outros não. O vinho, assim como homem, vem passando por grandes mudanças. O gosto muda constantemente, o jeito de apreciá-lo também. Como você mesmo frisou existem harmonizações já consagradas, mas vendo esse mundo tão vasto, de tantas opções, nuances, sabores, aromas, será que já descobrimos tudo que tinhamos para descobrir? A minha única certeza é que não.. Será que aquela velha regra ainda é pertinente com os vinhos que temos hoje em dia ? Muita coisa mudou…, essa pluralidade é um dos motivos da minha paixão pelo vinho, o ilimitado, o espaço para a criatividade, para a arte de mesclar sabores, de descobrir o novo … Vinho é alegria ! Meus parabéns, é um assunto que precisa mesmo ser discutido… Forte abraço