Nós viemos aqui para beber ou para conversar? Uma entrevista com o criador do Fórum Eno-Gastronomia, Mike Taylor

O vinho, definitivamente, é uma bebida tagarela. Seus admiradores não se contentam apenas em prová-la. Têm uma necessidade quase atávica de escrever sobre o que se bebe. Se até alguns anos atrás estas  impressões eram registradas em cadernos que ficavam guardados na gaveta, hoje elas são públicas e se multiplicaram em blogs, fóruns e redes sociais.

O fórum, o avô das redes sociais, talvez seja a forma mais orgânica em que os fanáticos pelo fermentado rubro e branco debatem suas preferências, discordam da critica especializada e dividem conhecimento entre iguais.

Nestes espaços virtuais do vinho, ninguém é tratado com desdém por discutir  filigranas aromáticas ou questões como o selo fiscal, recentemente instituído pelo governo federal. As notas de Parker a um vinho, por exemplo, são discutidas com paixão de boleiro e argumentos  científicos. Novas safras são aguardadas com ansiedade adolescente, degustações são combinadas entre confrarias e a visita de certos enólogos é tratada com status de chefe de estado.

Nas redes sociais, a conversa é mais descontraída. O grupo do Orkut Adoro Vinho Tinto tem 182.255 membros, por exemplo. Nos Estados Unidos a comunidade social Must Love Wine tem 9.330 membros cadastrados e 135.000 seguidores.

Apesar de a discussão estar migrando para os facebooks e orkuts da vida,  Alguns  fóruns ainda sobrevivem.

Lá fora, megasite americano da revista Wine Spectator tem um fórum atuante. Assim como o site especializado Wine Lovers

Aqui no Brasil, o fórum mais atuante e talvez de maior repercussão é o Fórum de Eno-Gastronomia , mais conhecido entres seus integrantes como o Fórum do Mike. Criado em 2005 pelo consultor em vinhos e gastronomia Mike Taylor, hoje conta com  4.400 membros, muitos com participações diárias, responsáveis por cerca de 100 posts semanais.

Mike, 43 anos, vive e trabalha atualmente na Argentina, onde é consultor de vinícolas, recebe grupos e clientes interessados em conhecer as regiões produtoras da Argentina e do Chile além de coordenar o Grupo de Estudos e Degustação de Vinhos (GEDV). Na Argentina ampliou sua presença na rede e montou o Forum Vinogourmet, versão hispânica do Fórum de Eno-Gastronomía, que já conta com 3.100 membros.

Mike, em entrevista ao Blog do Vinho, defende: a livre discussão de idéias e a participação de lobbies e profissionais no seu fórum (“Tenho muito orgulho de contar com eles como membros”), o vinho nacional (“Se há um vinho que me surpreende positivamente, esse é o brasileiro”), o consumidor nacional (“O brasileiro dá de dez a zero nos seus vizinhos argentinos”), mas é rigoroso com os blogs e críticos de vinho (“Tem muita gente que escreve para ser convidado de graça a eventos e degustações”). Recentemente, Mike se envolveu na polêmica sobre o uso do fungicida netamicina em alguns rótulos de Mendoza, o que  rendeu uma discussão acalorada na rede e no próprio fórum. “Não há evidências concretas que provem que houve má-fé por parte de alguns produtores argentinos”, defende. E sugere um protecionismo dos órgãos europeus ligados à vinicultura. “A Europa não consegue colocar muito vinho encalhado no mercado”. Leia a entrevista:

SOBRE O FÓRUM

Como foi a ideia de criar o Fórum Eno-Gastronomia?
Um amigo enófilo consultou-me, um sábado à noite, onde podia aprender sobre vinhos na internet. Eu indiquei uma lista de discussão muito popular naquela época, mas ele disse que só participaria de um fórum que fosse meu. Voltei para casa com essa ideia, e nessa madrugada de domingo criei o Fórum de Enogastronomía.

Quem é o publico que freqüenta o fórum?
Nosso fórum é freqüentado por enólogos, sommeliers, importadores, distribuidores, chefs de cuisine, enófilos e bon vivants que se sentem à vontade para discutir com outros gourmets apaixonados pela boa mesa.

A liberdade de expressão é a principal característica. Seguida da busca de conteúdo sério em matéria de enologia, com linguagem acadêmica, mas também expressada de modo acessível. Sempre procurei mostrar aos enófilos que vinho não é bicho de sete cabeças.

Existem lobbies do vinho de qualquer espécie participando do Eno-Gastronomia?
Sim. E tenho muito orgulho de contar com eles como membros. Acredito que os “caucus” e “lobbies” são proativos. Esses grupos não precisam estar escondidos. E considero que a venda, a livre oferta, não é pecado.

Não vejo nada de errado em que uma importadora publique um jantar ou degustação, ou que alguém venda seus vinhos no nosso fórum ou que um produtor divulgue as qualidades do seu vinho.

Tenho orgulho que enólogos como José (Pepe) Galante, do grupo Ex Catena Zapata, agora Salentein – Mapema, ou Aldo Biondolillo, da Tempus Alba, sejam membros ativos do meu fórum argentino.

Gosto se discute?
Gosto se discute, sim. O gosto, como as regras, mudam, mas há reações da físico-química no paladar que não se discutem. Então, se alguém insistir em comer um fruto do mar com um tinto encorpado sem considerar que os taninos do vinho  ao entrar em contato com o iodo e a saliva no paladar deixarão a sua boca com sabor metálico, está na hora de discutir o gosto.

Por que se escreve e se discute tanto sobre  vinho?
Como o vinho é por natureza paixão pela terra, pelo método, pelas tradições, pelo produto final, é natural que quem discute sobre vinhos seja passional e o debate acalorado.

A CRÍTICA E OS CRÍTICOS

Qual a importância da crítica internacional?

Aqui devemos separar o trigo do joio e vice-versa. Parker e a Wine Spectator de  um lado e Hugh Johnson, Jancis Robinson e a revista Decanter de outro.

O primeiro time, made in U.S.A. tem mostrado sérios problemas de credibilidade. O Parker envia pessoas como Jay Miller que dão 90 pontos até em água mineral com gás. Detalhe: recebem presentes e viagens de vinícolas.

Não nego o valor democratizador que Robert Parker teve na divulgação do vinho como bebida e não duvido dos benefícios. Mas é impossível achar que tem um supernariz… ainda que ele tenha segurado o mesmo em 1 milhão de dólares.

A revista Wine Spectator organizou um concurso fraudulento onde escolheu como melhor restaurante do mundo uma casa de Milão que não existia. Assim, não dá para você acreditar neles.

O Hugh Johnson, é um maestro de maestros. A Jancis Robinson é Master of Wine. São pessoas com muito estudo e formação. São esses os modelos que devemos imitar, o aperfeiçoamento, muito estudo. A revista Decanter, eu gosto, leio e acho confiável.

Gostaria também de mencionar um crítico muito interessante, o iconoclasta Gary Vaynerchuck, do site Wine Library.

Como avalia a crítica especializada no Brasil e os blogs de vinho?
Sempre digo que admiro Marcelo Copello pois ele está sempre estudando, se aperfeiçoando. Assim você pode ver a evolução dele, desde o primeiro livro onde era rigoroso demais com a pontuação dos vinhos, até o sistema que adotou quando foi editor da Revista Adega.

Já alguns supostos críticos brasileiros de vinhos têm me decepcionado muito, principalmente quando pessoalmente os vejo e ouço afirmar que um vinho chileno tipo “blockbuster” tem a elegância de um vinho da Borgonha…

O blog é um diário íntimo aberto a multidões. O blog não pode ser encarado como uma coisa definitiva. Boa parte não escreve, apenas copia, repassa, e muitas vezes nem menciona a fonte.

A Internet trouxe uma quebra de paradigmas. Hoje todo mundo pode ter um blog. Mas há de se ter conteúdo e dedicação para mantê-lo. Parece que em matéria de vinhos, não de enologia, as coisas ficaram mais flexíveis. Hoje você vê gente sem preparação acadêmica, que não são sommeliers, falando e escrevendo de vinhos. Isso é bom? Sim! Tem  um lado positivo, a democratização do conhecimento. A universalidade. Porém há muito boato e falácia.

Tem muita gente que escreve para ser convidado de graça a eventos e degustações, faz pose de entender alguma coisa, pergunta se a barrica é de primeiro ou segundo uso como se entendesse e percebesse a diferença.

Mas a culpa não é toda deles, é das importadoras, vinícolas e distribuidoras que convidam indiscriminadamente supostas pessoas que são ou serão formadoras de opinião.

Pessoalmente sou contra os eventos de graça. Muitos deles se convertem em celeiros de pessoas que procuram fazer uma boquinha.