“As coisas vão, as coisas vêm, nada em vão”
Mário Quintana
Como sabem aqueles que já visitaram um vinhedo, as parreiras não morrem durante o inverno, elas hibernam. Os troncos sem folhas, podados e retorcidos, lembram uma megaexposição das obras do escultor polonês radicado no Brasil, Frans Krajcberg. Como mágica, voltam à vida na forma de brotos que vão dar seus frutos nas próximas estações. É o ciclo das vinhas.
O Blog do Vinho ficou sem atualização por um breve período, estacionado no passado. O tempo, muitas vezes, melhora os bons vinhos, mas, como se sabe, é inimigo da garrafa aberta. Aos poucos o fermentado vai perdendo o brilho, os aromas e o sabor até se tornar irreconhecível ao olhar, desagradável no olfato e decadente na boca. O tempo também é inimigo de um blog que não se atualiza, pois a internet se alimenta da atualização e da participação de seus leitores.
A comparação é um tanto forçada, mas assim como as parreiras, este espaço na web dedicado ao vinho está de volta após breve interrupção, agora de casa nova.
Àqueles que me acompanharam no blog em sua antiga encarnação, sejam bem-vindos ao iG. Quem chega aqui pela primeira vez, o meu cordial “prazer em conhecê-lo”.
No menu lateral o leitor pode saber mais sobre os inúmeros tipos de uvas tintas e brancas, a matéria-prima dos caldos. Para quem não vive sem uma leitura em papel impresso, uma relação de quarenta livros para se aprofundar sobre o tema. Os antigos posts, gentilmente autorizados a ser republicados neste espaço, podem ser encontrados na busca pelo arquivo ou pelas categorias.
Plagiar o próprio texto é um pecado menor, quando declarado. Repito aqui, então, trechos editados do primeiro post da vida deste blog, publicado em 30 de julho de 2008, que explica melhor o objetivo deste espaço. E assim recomeçamos a vida. É o ciclo dos blogs…
Existirmos. A que será que se destina…
“Este blog acaba de ser desarrolhado. Ele pretende ser um espaço que junte a vontade de beber – com direito a opinar – com a de se informar. A lei pode ser seca, mas nós temos sede. Aqui, o papo é sobre vinho, mas sem perder o bom humor e, jamais, o prazer de desfrutar uma taça.
Discutindo 3%
Segundo um artigo da Universidade de Davis da Califórnia uma garrafa de vinho é constituída de 85% de água e 12% de álcool. Os 3% restantes — elementos como ácidos, açúcar, glicerol, polifenóis, minerais e outras substâncias —, misturados à água e ao álcool, dão a personalidade e o caráter desta que é a bebida mais comentada de todo o mundo. Ou seja, a discussão gira em torno do que estes 3% são capazes de entregar. Inúmeras páginas na internet, milhares de livros e revistas especializadas são escritas para debater seus aromas, sabores e dissertar sobre sua origem. Por que isso? Por uma simples razão: vinho é uma bebida cheia de manhas, que tem na diversidade sua maior qualidade e seu maior desafio para quem tenta entendê-la. Escolher um entre tantos rótulos, reconhecer o que vai dentro da taça e ainda por cima saber com qual comida fica melhor é trabalho de muitos anos de convívio com as garrafas e os livros. Vamos combinar, é um mundo maravilhoso, mas é complicado mesmo, se não, por que tanta gente tenta descomplicá-lo?
20.000 rótulos, 3.000 uvas
No Brasil calcula-se que existam mais de 20.000 rótulos à venda, de diferentes países e regiões que produzem vinhos das mais diversas categorias e estilos. Há um universo de uvas que vai além das tradicionais cabernet sauvignon e chardonnay — são registradas cerca 24.000 nomes para as mais de 3.000 variedades de uvas viníferas existentes. Destas, cerca de 150 são plantadas comercialmente em quantidades mais significativas (conheça as principais uvas tintas e brancas). Mesmo o mais aplicado dos connoisseurs está sempre se surpreendendo, e aprendendo, com as novidades que encontra engarrafadas.
Litros e letras
A crítica inglesa Jancis Robinson tenta jogar uma luz ao explicar tamanho interesse: “O vinho está na moda, é símbolo de status, cultura e sofisticação”. Esta é uma parte da equação. Uma outra parte, talvez, diz mais respeito à necessidade do ser humano de fazer parte de um grupo — neste caso, pertencer àquele núcleo de pessoas que, presume-se, “entendem de vinho”. O vinho propicia este encontro ao confrontar o gosto pessoal ao gosto do outro, o conhecimento de uns à desinformação de muitos. Para a grande maioria, basta gostar da bebida e tentar lembrar o nome do rótulo para repetir a boa experiência. Para aqueles que são fisgados pelo vinho, cada taça provada é um verbete a mais no dicionário particular. A régua da experiência, aqui, é medida em litros e letras — o apaixonado pela bebida está sempre anotando a safra, o produtor, suas impressões e buscando mais informações sobre aquilo que acabou de provar. Para estas pessoas, não basta o prazer de beber, é preciso entender o que se está provando.
É para estes dois tipos apreciadores de vinho, o bebedor eventual e o aplicado que este blog existe.
Os melhores vinhos não são grandes pelo poder que têm de nos subjugar, e sim por sua aparente infinitude. Retornamos a ele diversas vezes, e a cada vez somos iluminados por uma nova sensação.
Matt Kramer, Os Sentidos do Vinho