Éramos três na mesa. Eu, minha mulher e o Sousão. Ao fundo, a noite caindo sobre as parreiras carregadas de frutos, espalhadas em terraços talhados à mão por gerações de vinicultores do Douro, região histórica de vinhedos de Portugal, declarada Patrimônio da Humanidade pela ONU.
Sousão foi apresentado em uma degustação de vários rótulos por um jovem administrador da Quinta do Vallado, uma vinícola encravada no coração da região de Peso da Régua, mais especificamente junto ao Rio Corgo, afluente do Douro, e conquistou com seu papo diferente e personalidade forte. Tanto é que permaneceu conosco no jantar.
Sousão entretanto não é uma pessoa, como pode sugerir seu nome, mas sim uma uva típica do Douro e do Minho e também o título do rótulo monovarietal (de uma só variedade) que a Quinta do Vallado produz desta especialidade. Aliás, os nomes das uvas portuguesas sempre merecem um comentário adicional. A sousão, por exemplo, também atende pelo nome de: sousão forte, sousão de Correr, negrão de pé de perdiz, tinto antigo, espadeiro preto entre outros.
Mas não é preciso estar embriagado para conversar com uma garrafa de vinho, não é mesmo? Quem aprecia o produto está em constante conversa com os caldos. O papo com o sousão foi uma troca de impressões sobre sabores, aromas e sensações do vinho.
A uva e seus sabores
O sousão é uma variedade muito utilizada na região do Douro na produção do vinho do Porto, mas pouco comercializada em carreira-solo. Foi minha primeira experiência com a uva que começou surpreendendo pela cor – quase negra e impenetrável. Fez bonito no aroma (aquele perfume meio indecifrável que no jargão do vinho é traduzida como frutas negras, um toque de tabaco, a baunilha da madeira, tudo muito sedutor). A boca é ampla, potente, com final longo e confirmando a experiência do nariz nas frutas negras, estes jargões que os homens que cospem vinho usam para descrever um sabor. Pra mim, agora, existe o gosto e o aroma do sousão, que vou saber identificar sempre que deparar com um exemplar na taça, assim como existe o gosto e aroma da pinot noir e outras tantas variedades de uva. O nosso bate-papo atravessou a noite, e como toda boa conversa os temas foram variando, com novas camadas de aromas e sabores surgindo, sempre com uma pegada mais diferenciada. Taí uma definição que pouco define mas muito explica o Quinta do Vallado Sousão: diferente.
O bichão foi envelhecido o equivalente a duas gestações (18 meses) em barris de carvalho francês e mantém a tradição de pisa manual em lagares (como são chamados em Portugal os tanques de cimento) por seis dias. A pisa manual, para quem não sabe, é aquela imagem tradicional de homens de braços entrelaçados que esmagam as uvas com seus pés em turnos de seis a oito horas, e que conferem uma extração mais delicada do suco para a fermentação. Para manter o ânimo da moçada são entornadas várias garrafas de vinho no processo (na foto as garrafas vazias ao lado da sousão no tanque), afinal tradição é bom mas a recompensa é melhor ainda.
Pode soar atrasado e pouco higiênico, mas o processo, que vem sendo substituído por máquinas que simulam a pisada humana, é reservado apenas para vinhos de exceção. E para quem torce o nariz para a cena e suas consequências higiênicas vale lembrar que a fermentação – transformação do açúcar da uva em álcool – passa a régua em qualquer resquício humano.
Se a prova de um vinho está associada a um momento, o cenário do Douro, em meio às parreiras onde é cultivado, potencializou meu encontro com o sousão. Esta experiência em ambiente de folhinha e com a melhor companhia possível ajudou, é claro, na decisão de trazer para a coluna o Quinta do Vallado Sousão 2008 (R$ 150,00, importado pela Cantu) como o ViG (Vinho indicado pelo Gerosa) da vez. O preço do papo não é tão amigável, mas assim é a vida. Algumas experiências saem mais caras mesmo…
Caro Roberto,
Eu gosto muito dos vinhos da Quinta do Vallado, e tenho muita curiosidade para experimentar o Sousão. Agora mais ainda. E fico imaginando como deve ser apreciá-lo in loco. Como você mencionou, isso potencializa suas qualidades.
Abraços,
Flavio
Ola Gerosa! Belo post, como sempre!
Uma pena mesmo o preço =(
É de se entender que no Brasil o problema dos impostos absurdamente elevados é real, mas há que se ressaltar que as importadoras de vez em quando forçam um pouco a amizade.
Fazendo uma conta rapida, o Vinhas Velhas de Luis Pato é vendido, na Europa, ao preço medio de EUR20,00; Se, os impostos fossem iguais a 60% do valor do produto, a garrafa chegaria aqui ao preço de EUR32,00; uma conta generosa com o euro a R$2,50, chegamos ao preço (arrendado BEM para cima) de R$80,00 a unidade; hoje, no site da mistral, esse mesmo vinho sai a R$112,46.
Como contraste, meu cunhado me trouxe de Londres 4 garrafas, a custo de EUR16,50 cada, deste mesmo vinho. É claro que ele não pagou os impostos, mas a diferença não deixa de ser gritante, são praticamente 3 garrafas la, ao preço de 1 aqui.
O post é ótimo. O vinho eu vou provar (dúvida, como é o álcool no vinho? É bem domado? Tenho tido dificuldades com vinhos muito quentes)
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Quanto ao preço
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Uma dica:
Se quiser ter blog sobre vinhos no Brasil vais ter que falar de vinhos caros. Sem culpa. Como o Samoel falou, um vinho pouco especial na Europa (ou EUA) custará mais de 100 reais aqui. O corte do Robert Parker de US$ 30 dólares é equivalente a R$200 reais aqui. Para entrar no mundo dos vinhos mais complexos e quase sempre mais interessantes, vais ter que falar de vinho caro. Que imagino ser os que você mais gosta de tomar e que são aqueles que dão vontade de falar (sempre haverá exceções, mas as exceções não sustentarão o blog)
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Acho que tem que escolher entre falar para comentaristas do blog vindos da home do iG que reclamam de qualquer vinho acima de R$10 e que preferem vinhos de garrafão ou falar para um nicho menor de leitores que alocam mais do que 1 tanque de gasolina em vinhos por mês ou por semana. Em outras palavras ou você será interessante para apaixonados por vinho ou será interessante para quem quer substituir o refrigerante ou a Malzebier por vinho.
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E não precisa se achar elitista por falar de vinho de 100 reais. É caro. Mas não precisa ser rico para entrar neste mundo. Vai ter que trocar algumas despesas por esta (um tanque de gasolina, um almoço fora com a família, uma viagem no final de semana – todas despesas de classe média). Coisas que apaixonados fazem. Não precisa ser rico
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Infelizmente não moramos em país produtor, onde conseguimos tomar vinhos complexos por menos de 30 reais
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E quem discordar, sugiro criar um blog sobre refrigerante ou vinho de garrafão ou sobre o que gostar
Caro Roberto,
O senhor já ouviu falar do MeQuedoUno Gourmet? Tem uma oferta de vinho lá que eu gostaria de saber se vale a pena…
http://gourmet.mequedouno.com.br/
Vinho Tinto Espanhol COTO DE HAYAS Jovem 2009 – R$24,99
Vale?!
Eu acho que as pessoas que sempre compram vinhos de 100 ou acima não ficam lendo blogs ou ou opiniões de sommeliers em jornais para decidirem o que vão tomar.Suas vinicolas ou casas de preferências entregam produtos de primeira linha em suas casas,sem muita conversa ou ‘quanto custa este vinho?”… .Eu acho que o trabalho de uma pessoa em um blog é mais valorizado a medida que , em se tratando de vinhos , apresente bons produtos com preços abaixo do valor de mercado.Existem bons vinhos com preços entre 60 e 100 que por algum fator de mercado são vendidos a 30 ou 40 e é aí que estaremos comprando o bom vinho indicado pelo bom profissional sem deixarmos de almoçar fora ou de ir a praia. Saúde.