Você gosta de vinho branco? Não? Então pode parar por aqui. O tema desta coluna é Chablis, uma pequena região da Borgonha, na França, distante 2 horas de Paris, de apenas 6.800 hectares, cortada pelo Rio Serein, e que cultiva (e é cultuada) há muitos anos apenas uma uva: a chardonnay, (Ou então siga um dos conselhos deste blog e prove mais vinhos brancos).
Leia também: Vinho branco, você ainda vai beber um
Se você gosta de vinho branco, em especial da chardonnay, então siga em frente. Mas é bom avisar, a internacional chardonnay, cultivada em todo o mundo, tem na região uma assinatura que a define e a diferencia, que pode ser descrita com a imprecisa e ao mesmo tempo acertada expressão de mineralidade (vamos falar disso mais tarde). “Nós não fazemos chardonnay, nós fazemos Chablis”, filtra Christophe Cardona, diretor de exportação da La Chablisienne, a cooperativa que representa cerca de 25% dos produtores da apelação de Chablis.
Mas o que torna esta apelação única e seus vinhos apreciados pelos admiradores de goles brancos? Como sempre, é uma soma de fatores: solo, clima, posição e a experimentação do homem que desde o século 12 começou a plantar e testar as uvas mais adequadas para aquele pedaço de terra. No caso prevaleceu a chardonnay, a uva branca da Borgonha. Devemos mais essa aos monges cistercienses, os “inventores” do estilo da Borgonha.
Mas o solo, formado no período jurássico superior, há 150 milhões de anos atrás, é o segredo de Chablis, o toque que a diferencia. No tempo dos dinossauros a região era coberta por oceano e ali, onde séculos depois seriam plantadas as parreiras, viviam pequenas ostras e moluscos que forneceram a matéria-prima para a composição do solo calcário e argiloso que se formou, conhecido como kimmeridgiano. Devemos essa às ostras e moluscos.
Traduzindo os diferentes terrenos – e rótulos
São quatro estilos de vinho, oriundos das quatro apelações de terrenos, com diferentes graduações de qualidade e estilo: Petit Chablis, Chablis, Premiers Crus e Grands Crus.
Petit Chablis. É a base da pirâmide, são plantados em terrenos mais planos e o solo de formação geológica um pouco mais recente, o portlandiano (140 a 130 milhões de anos). É um vinho mais fresco, frutado, leve, para ser bebido jovem, um belo aperitivo e uma porta de entrada do estilo de Chablis.
Chablis. Trata-se área mais extensa da apelação, o terreno já é de encosta e pode ser encontrado nos dois lados do Rio Serein. Eles já são mais bacanas, com maior estrutura, uma mineralidade e uma tensão maior na boca. Podem ser abertos mais novos, quando se destacam suas qualidades de frescor ou depois de 3 anos até 8 anos de idade, principalmente quando os vinhedos são mais antigos, e aí se obtém maior complexidade riqueza de aromas. Já dá para ser bem feliz com uma garrafa destas e entender o que Cordona quis dizer com a diferença entre chardonnay e Chablis.
Premiers Crus. A compreensão das qualidades do solo kimmeridgiano e sua influência no vinho sobe um degrau no Chablis Primiers Crus. Os terrenos, também distribuídos nas duas margens do Rio Serein, têm exposição do sol a sudeste e sudoeste, que traz mais expressão de fruta ou uma mineralidade mais pronunciada. Quem tiver paciência de aguardar seis anos vai beber um vinho mais complexo, denso e estruturado. Com ou sem tempo de garrafa, o decanter é um instrumento que vale usar, pois amplia as qualidades gustativas e olfativas do vinho.
Grands Crus. É o topo da pirâmide, a maior expressão do chardonnay desta apelação única. Um pequeno trecho de apenas 103 hectares e sete áreas delimitadas (somente o Château Lafite-Rothschilde, Bordeaux, tem 178 hectares). Aqui a mineralidade quase se materializa com todos os elementos que podem criar um grande chardonnay de um terroir exclusivo. Um vinho que melhora com o tempo na garrafa – algo como oito anos de envelhecimento para atingir sua plenitude. E que cobra caro por isso.
Neste vídeo 3D de quatro minutos da cooperativa La Chabliseinne, com versões em francês e inglês, fica fácil entender os terrenos de Chablis, sua localização e características.
Mineralidade: quem botou pedra no meu vinho?
“As primeiras grossas gotas de chuva que antecedem uma tempestade de um dia quente e seco expressam perfeitamente o que é a mineralidade”, ilustra o diretor-geral da La Chablisienne, Damien Leclerc. Ajudou? Não muito, né? O conceito de mineralidade do vinho, para aqueles que estranharam seu uso aqui neste texto, é um discussão que vale um outro artigo, afinal pedra não tem aroma ou gosto. Mas pode ser resumido em uns quatro parágrafos. Como a pedra vai parar no vinho então? Trata-se de uma descrição, uma sensação ou um neologismo?
O enólogo e professor Denis Dubourdieu no artigo “Quelques réflexions sur la minéralté des vins”, vai direto ao ponto: “Se as rochas têm um gosto, é do material orgânico impregnado nela”. E o chamado aroma da faísca de pedras que se atritam (ou pedra de isqueiro) é resultado do componente químico benzenemethanethiol, encontrado sobretudo na chardonnay. Tem gente que afirma que as pedras transmitem esta mineralidade ao vinho. Muitos críticos chegam a definir certos chardonnays como suco de seixos. Para os cientistas isso é uma balela. As pedras não têm como transmitir minerais para a uva.
Mas algo misterioso liga esta sensação, esta particularidade de certos vinhos brancos a algum lugar, afinal há vinhos que expressam esta sensação e outros não. E não há chardonnay como os de Chablis. Para o produtores da região a mineralidade incorporada aos vinhos é o resultado do solo kimmeridgiano e não se fala mais nisso. Provavelmente a mineralidade sentida no vinho seja resultado de uma série de combinações do solo argiloso e calcário kimmeridgiano e dos microorganismos que se formam em seu entorno e do material orgânico do lugar que transmitem à planta os minerais que ela precisa. Esta é uma tese em uso na região também. O processo é mais complicado, e envolve o processo de fotossíntese, de interação com bactérias que extraem das pedras minerais como fósforo, iodo, magnésio.
A mineralidade, e aqui todos concordam, é mais uma sensação, uma definição que inclui numa mesma cesta um vinho natural, puro, ligado ao seu terroir, com uma acidez cortante, uma tensão viva, um frescor pungente, uma leveza fina, que provoca um salivação gostosa, que se opõe a um vinho opulento, alcoólico, concentrado, pesado, aromático e excessivo na boca e no nariz. Para Damien Leclerc, “ A mineralidade revela uma certa forma de pureza, uma visão cristalina do vinho”. De qualquer forma é uma expressão muito utilizada hoje pelo mercado, pelos consumidores e define o estilo Chablis de ser.
É fácil encontrar Chablis para comprar no Brasil?
Os vinho Chablis são muito adaptáveis ao nosso clima e culinária. São refrescantes, amplos, gostosos de beber e pouco alcóolicos. Expressam esta sensação mineral que é uma delícia – mesmo que você não a perceba e desconfie deste lenga-lenga todo – e traz uma experiência diferente no conjunto da obra. É um vinho solar, um vinho litorâneo por excelência. É o chamado par perfeito para ostras (todo mundo diz isso, mas tenho de confessar que não aprecio ostras, portanto não é uma conclusão empírica), combina maravilhosamente com saladas, peixes e num patamar acima segura um leitãozinho, frutos do mar, cremes etc. Ao mesmo tempo que não são rótulos exatamente populares (não estão naquela faixa abaixo dos 50 reais, começam lá pela casa do 80, 90 reais), também não são difíceis de encontrar. As principais marcas estão representadas no país pelas grandes importadoras: La Roche (World Wine), Louis Jadot, Faiveley, Joseph Drouphin (Mistral), William Fevre (Grand Cru), Domanine de La Cour du Roy (Casa Flora), J.M. Brocard (Zahil). Recentemente este Blog do Vinho provou os rótulos da Chablisienne (Interfood) e Sebastien Dampt (St Marché).
Chablisienne
A Chablisienne é uma espécie de Vinícola Aurora da França. Ambas são cooperativas compostas por um grande grupo de vinicultores. São 300 em Chablis, 1.100 no Rio Grande do Sul. E controlam à sua maneira e com seus respectivos objetivos a qualidade e a distribuição dos produtos. Criada em 1923, é responsável 25% do Chablis que é produzido na região, com propriedades espalhadas nas quatro apelações disponíveis e dona do único Château de Grand Cru da região, o Grenouilles.
Seus dois Chablis importados no Brasil são deliciosos, mas de personalidades diferentes:
O La Chablisienne “La Pierrelée” 2011 traz aquela sensação mineral e de pureza de paladar discutida aqui, mas tem um corpo mais denso, um frutado mais persistente e uma pequena untuosidade. Um Chablis com estutura e intensidade. Um vinho que segura bem uma carreira-solo, não pede comida, e tem preço similar ao Petit Chablis. (R$ 98,00)
O La Chablisienne “La Sereine” tem um lado mais elegante, a acidez presente, o que provoca uma salivação persistente. As frutas são mais cítricas, se escondem para depois se revelar e o tal toque mineral é mais sutil, mas mais nobre. Melhor acompanhado com um prato de comida, um peixe grelhado com algum creme. Elegância é um conceito tão volátil quanto mineralidade, mas se encaixa com perfeição a este vinho. (R$ 115,90)
Já no mundo dos Primiers Crus, este “Mont de Milieu” foi decantado por uma hora antes de ser servido. Ainda estava jovem, mas mostrava sua força e o resultado de passar 15 meses em contato com as borras no tanque, que traz um tostado, persistência na boca, e uma sensação que amplia os sentidos do frescor e da tensão da fruta e da acidez. Uma delícia que merece um minuto de contemplação. (R$ 151,90).
Sébastien Dampt
Como a rede de supermercado de São Paulo St Marché também atua como importadora – são 100 rótulos atualmente importados diretamente, com a perspectiva de triplicar a oferta em três anos –, não deixa de ser curioso encontrar caixas de Chablis disputando espaço com caixas de suco de laranja e pés de alface. E saber que há público para este branco de estirpe. Tem algo mudando nos hábitos do consumidor.
O Sébastien Dampt Petit Chablis “Terroir de Milly” 2012 é um representante honesto de sua classe. Leve, fresco, jovial, fácil de beber, boa acidez no final da boca, provoca uma salivação que enche a boca e pede outro gole. Você coloca o vinho na taça e em vez de subir aquele aroma amanteigado da fermentação e do uso de barrica aparece um cítrico suave, um flor branca harmoniosa. O corpo é leve, a bebida refrescante. Um vinho branco para abrir a refeição, acompanhar uma saladinha, um papo descontraído. (R$ 92,00)
O Sebastien Dampt Premier Cru “Vaillons” tem uma proposta de uma amizade mais longa. São vinhas de mais de 60 anos, o que aporta uma sensação mais consistente de mineralidade ao vinho. Bebê-lo agora significa usufruir seu caráter de fruta e a sensação mais cortante da mineralidade. Com o tempo deve evoluir suas camadas aromáticas, uma fruta mais potente e uma sensação mineral mais fina e persistente. São duas experiências válidas. Provei a safra recente e já estava uma delícia. (R$ 149,00)
Publicado originalmente em novembro de 2013 (preços de 2013)