Se você se considerava quase um sommelier com dois tipos de taça em casa, uma para os brancos (um pouco mais baixa e com uma boca maior) e outro para os tintos (mais alta e com boca mais estreita), tenho uma má notícia para o seu bolso – e para seu paladar. Assim como até Gisele Bündchen pode realçar seus atributos em uma roupa desenhada especialmente para ela, um cabernet sauvignon de Bordeaux, ou um pinot noir da Borgonha, só para ficar em dois exemplos clássicos, também são capazes de revelar todo o seu potencial em uma taça desenvolvida especialmente para o perfil destas uvas.
O austríaco Georg Riedel, proprietário da Riedel, e décima geração da família que produz taças em cristal desde 1756 — e dono de outra marca importante, a Spiegelau —, é capaz de provar esta história em um jogo lúdico. Mr Riedel esteve em São Paulo este ano para montar seu espetáculo de aromas e sabores. Ele começa seu show servindo — em um decanter Riedel, é claro —, um sauvignon blanc em uma taça própria para esta uva e pede para os participantes sentirem os aromas e o sabor da bebida. Aí, com ares de prestidigitador, solicita ao público presente que verta o sauvignon blanc numa taça de chardonnay (um pouco mais bojuda embaixo e mais aberta no topo). Troca de olhares entre os presentes. Ohhhh! O sauvignon blanc, antes de aromas expansivos e acidez correta, se transforma numa bebida desprovida de aromas e de boca chata. Basta voltar o líquido à taça original, e, voilà, está tudo de volta. O processo é repetido com um chardonnay chileno, um pinot noir da Borgonha (este então fica irreconhecível numa taça de bordeaux, perde os aromas, o gosto das frutas e se torna ralinho) e por fim com a célebre cabernet sauvignon. “Não melhoramos o vinho”, insiste Mr Riedel. “Nós evidenciamos seus aromas.”
Mas como ele consegue isso? Aqui a mágica desaparece. Os engenheiros e designers da Riedel encaram as características olfativas e gustativas do vinho como elas são: processos químicos. E trabalham fortemente na valorização dos aromas – a primeira impressão é a que fica, não é? – e na engenharia do formato da taça, planejada para atingir determinadas áreas da língua que identificam o doce, o salgado, a acidez e o amargo. O desenho da taça de um Bordeaux, por exemplo, faz o líquido escorrer para o centro da língua, o ponto que percebe a sensação encorpada do vinho. Há modelos para cada uva e região mais emblemáticas – não por acaso, Georg é próximo de produtor italiano Angelo Gaja, e era muito amigo do recém-falecido Robert Mondavi, de quem relembrou emocionado. Antes de serem lançados no mercado, variações dos modelos são testados junto aos produtores, sommeliers e especialistas, até se chegar no ponto de excelência.
O que isso quer dizer, afinal? Que um amante de vinhos tem de ter toda uma linha de taças possíveis para usufruir a adega cuidadosamente formada em casa? Nem tanto, há taças que acabam cumprindo a função de agradar tintos gregos e brancos troianos, na média. Se o que você mais bebe é um cabernet, adquira uma taça do tipo “bordeaux” e a vida está resolvida. O mesmo com um branco. E assim voltamos ao ponto inicial deste texto. Mas quem realmente pretende extrair todas as nuances e complexidades que um rótulo de primeira linha pode oferecer, e que custa os olhos da cara, uma coleção de taças acaba se transformando em objeto de desejo. Frescura? Preciosismo? Pode ser, mas o mundo do vinho tem dessas coisas. O precinho? Em torno de R$ 85,00 cada exemplar, dependendo do modelo. Bom, dias dos pais taí…
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