“Na Itália, por trinta anos sob os Bórgias, eles tiveram guerra, terror, assassinato e derramamento de sangue, mas produziram Michelangelo, Leonardo da Vinci e a Renascença. Na Suíça, eles tiveram amor fraternal, quinhentos anos de democracia e paz, e o que eles produziram? O relógio-cuco.”
Orson Welles, em O Terceiro Homem
A frase acima dita pelo cineasta Orson Welles no filme O Terceiro Homem, baseado no livro do escritor inglês Graham Greene, já se tornou clássica, e quase obrigatória, quando o assunto é a Suíça. É imprecisa na informação – o relógio-cuco é uma invenção alemã – mas perfeita na tese que defende. Mas para fazer justiça a este pequeno país, no entanto, acho que é possível incluir os vinhos à modesta lista de contribuições dos helvéticos à humanidade.
A Suíça é uma nação-Berlitz, dividida pelas línguas francesa, alemã e italiana e formada por 26 cantões, como são chamadas as regiões do país. A parte francófona, no entanto, em especial a região de Valais, é a que produz os vinhos de melhor qualidade e de maior identidade. Dominada pelos Alpes e de clima ameno, a Suíça produz, para surpresa geral, mais vinhos tintos (55%) do que brancos (45%). E consome mais tintos também. E como consomem os tedescos! Mais de 40 litros de vinho por habitante. Descontando as crianças e abstêmios, faça os cálculos de quantas garrafas cabe a cada suíço. Além dos cerca de 140 milhões de garrafas de produção interna – quase toda consumida ali mesmo -, a sede é aplacada por outros 60% de fermentados importados.
Uma pequena fração da produção dos vinhos suíços é exportada. Quase uma concessão de um país – e de um povo – onde os problemas parecem que se esqueceram de existir. Por esta razão é muito provável que você já tenha provado um rótulo deste pequeno país da Europa. Eu nunca tinha. E de cara fui apresentado a treze garrafas da região de Valais. Os vinhos quando passam por uma prova não chegam sozinhos, eles carregam o histórico do degustador e suas preferências pessoais. Afinal, a comparação, um dos critérios de uma avaliação, só se faz com a construção de referências. E eu gostei do que passou pelo meu nariz e passeou pela minha boca.
Trata-se da linha Maître de Chais, elaborados por uma enóloga, Madeleine Gay, cheia de medalhas no peito com prêmios conquistados nesta infinidade de concursos de tintos e brancos que se espalham pelo mundo. Esqueça um pouco as medalhas, isso não tem tanta relevância do ponto de vista do consumidor. Quem gosta de medalha é atleta e general. Mas nesse caso, parece que a qualidade foi premiada mesmo.
São rótulos de uvas nativas, aquelas espécies originais de cada país ou região. Foi um festival de nomes novos e sabores diferenciados (começou bem): fendant, petite arvine, heida, humagne blanche, pela ala dos brancos. Humane rouge, diolinoir, cornalin e as internacionais syrah e pinot noir, para os tintos. Estas uvas têm história. Elas são produtos de um resgate genético recente, da década de 1990, que recuperou cepas de 3.000 anos passados, provavelmente cultivadas pelos romanos. Seja como for, a ciência deu uma mãozinha para a vinicultura suíça e aportou originalidade e variedade num mundo muito plano de cabernets e chardonnays.
Os vinhos
Os brancos me empolgaram mais. Toda a linha tem um perfil homogêneo, uma espécie de marca registrada: bom potencial aromático, busca pela intensidade e certa originalidade e elegância. É a mão do produtor e do enólogo que diz “olha eu aqui” em cada garrafa. Como não era um concurso, pude empatar minha preferência com dois rótulos de caráter distintos: Petit Arvine Fully AOC 2007 (R$ 88,00), e Humagne Blanche Du Valais AOC 2006 (R$ 88,00), ambas da Maître de Chais e com as uvas nativas explicitadas no rótulo. A primeira mais exuberante, rica em aromas cítricos e com um apelo mineral que me agrada, a segunda floral no início e com um amanteigado prolongado sedutor e fino (o bichão é fermentado em barris com as borras e a bebida, untuosa, passeia pela boca). Um terceiro branco merece uma consideração aqui. O Vielles Vignes 2004 (R$ 96,00): mais encorpado, complexo e gastronômico. O vinho é resultado da mistura das uvas marsanne, amigne, pinot blanc, heida. Mas os dois primeiros brancos me seduziram mais – e por menos dinheiro -, fator sempre importante em uma avaliação.
Dos tintos, dois rubros suíços me chamaram a atenção: o Syrah de Valais AOC 2006 (R$ 96,00), com boa concentração de boca e especiarias esperadas, algo ali na influência do Rhône, e o meu preferido, pena que mais caro, Domaine Evêché Valais AOC 2004 (R$ 116,00). A uva é a diolinoir, uma mistura das uvas rouge de diolly e pinot noir, que traz mais volume que uma pinot, dando aquela sensação de uma bebida mais encorpada, de cor escura e paladar de frutas mais negras misturada a um toque de especiarias e um final terroso.
Mas devo confessar que só fui provar os tintos pois era esta minha penosa obrigação no momento. Eu parava ali nas taças dos brancos. Do envolvente humagne blanche, do sedutor petit arvine, e da elegante composição de marsanne, amigne, pinot blanc, heida, uvas que até pelo som provocam curiosidade e têm apelo. Uma sequência com a originilidade de um Orson Welles e a precisão e a qualidade de um relógio-cuco suíço.
Quem traz e onde comprar: Vitis Vinífera
É, também nunca provei um rótulo suíço, mas me deu vontade viu, rs.
Qual a importadora que os revende? Os preços informados já são finais ao consumidor.Obrigado
Caro Tiago, a importadora é a Vitis Vinifera, e o link está no texto. Ela vende diretamente, e este é o preço oficial do site para o consumidor
O Sr Gerosa, no seu artigo, revelou pouco sobre a Suiça e muito sobre si mesmo, no caso sobre sua ignorancia. Deveria ter se concentrado no tema que se considera entendido. Nao so a frase é falsamente atribuida a O. Welles, na verdade formulada por Graham Greene em O terceiro Homem como tambem é falsa – um abuso estilistico, digamos. A Suiça é o pais com maior indice de premios Nobel de ciencias naturais per capita, como tambem é o pais com maior numero de patentes per capita e publicaçoes cientificas. Alem do mais, foi centro de ideias durante o humanismo e é o pais de Rousseau, Euler, Paracelsus, dos Bernouilli, Jung, Le Corbusier, Klee, Piaget, Saussure, Giacometti, Goddard, Durrenmatt, Frisch,( alem de terra adotiva de Einstein) e isto so para se resumir nos poucos nomes conhecidos no Brasil, onde arrogancia e ignorancia sempre andam de maos dadas.Nada mal para um pais com populaçao menor que o Rio de Janeiro ou Paris
Aparentemente fui censurado, pois meus comentarios nao aparecem. os mullahs da Abril nao toleram criticas e Ayatollah Gerosa convocou o conselho de guardioes
Prezado Carlos, nem aiatolá nem mulá. Seus dois comentários estão publicados. Vamos substituir sua indignação por “fim de semana”. Quanto a suas observações, vamos a elas. 1. Sim, a frase é de Graham Greene em O Terceiro Homem, que é interpretado no cinema por Orson Welles. Ele ficou com a fama do testo pela interpretação. Foi uma licença.2. A frase é um clichê sobre um país que defende uma tese irônica e faz um contraponto entre a relação desenvolvimento, paz, amor com as grandes transformações da humanidade e seus maiores representantes, que despontaram em países sob domínio de tiranias.3. A frase é lida e usada aqui, como qualquer leitor bem-humorado pode perceber, também como um contraponto, mostrando que se isso fosse verdade – claro que não é, é uma frase de efeito e portanto reducionista, como todas as frases de efeito – pelo menos o vinho podia ser incluído na lista de conquistas da Suíça. Resumindo, prezado Carlos, é uma ironia em um texto que chama a atenção para a qualidade dos vinhos (desconhecidos) da Suíça, país reconhecidamente com alto padrão de vida, de desemvolvimento, etc e tal.Portanto, prezado Carlos, suas observações não foram censuradas nem o colunista esconde seus eventuais erros. É só uma questão de encarar a vida com um pouco mais de descontração. Atenciosamente. Roberto Gerosa
Caro Roberto,Podes me explicar porque voce tem de publicar (e ainda por cima, se explicar) os comentarios do Carlos. As opinioes do Carlos que nao sao pertinentes a vinho nao nos interessam e nem voce devia gastar seu tempo para se explicar pro proprio idiota. Nao precisa publicar meu comentario, mas agora acho necessario que voce tambem publique que foi na Suica que os nazistas encontraram um lugar seguro para esconder todo dinheiro e ouro roubado dos judeus. E’ tambem na Suica que corruptos de todo mundo (notadamente os corruptos brasileiros) depositam imensas fortunas roubadas dos pobres contribuintes.
Demitiram o Roberto??? Esse é o blog que mais demora pra ser atualizado que conheço. Essa matéria dos suiços tá aí já há um ótimo tempo… Que preguiça!!!! Arranjem logo um substituto pra o tal do Roberto Gerosa! O cara não merece, ele nem deve gostar de vinhos…rs! Que preguiça!!!