Um vinho premium não é obra cartesiana, muito menos é um acaso da natureza: é o resultado da relação do homem com a agricultura e de sua capacidade de extrair das parreiras a melhor uva que ela pode produzir em um determinado terreno, sob um clima específico. A pinot noir na Borgonha, a riesling na Alsácia, a tempranillo na Ribera Del Duero, o trio cabernet sauvignon, merlot e cabernet franc em Bordeaux são apenas alguns exemplos de uvas que encontraram o seu habitat após séculos de experimentação, observação e refinamento no processo de vinificação.
A tradição foi passada de pai para filho ao longo de séculos e grandes vinícolas ainda em atividade são consequência direta desta curadoria de famílias que dedicaram sua vida a esta atividade. O grupo Primum Familae Vini (PFV), formado oficialmente em 1993, é um resgate destes valores familiares em um mundo em que os negócios do vinho estão cada vez mais globalizados e concentrados nas mãos de grandes investidores. São onze famílias proprietárias de vinícolas consagradas internacionalmente, que ao mesmo tempo que promovem seus rótulos prestigiados pela crítica e adulados pelos conhecedores, levantam a bandeira da manutenção do controle familiar das empresas para as próximas gerações. Leia entrevista de Dominic Symington ao colunista de iG Luxo Mauro Marcelo, onde ele explica como funciona a PFV.
O time do momento teve os seguintes representantes: Hubert de Billy (Champagne Pol Roger); Laurent Drouphin (Maison Joseph Drouphin); Erienne Hugel (Hugel & Fils, Perrin & Fils); François Perrin (Perrin & Fils, Château Beaucastel); Albiera Antinori (Marchesi Antinori); Sebastiano Rosa (Tenuta San Guido); Miguel Torres (Torres); Pablo Alvarez (Vega-Sicilia); Philippe de Rothschild (Château Mouton Rotschild); Valeska Müller (Egon Muller-Scharzhof) e Dominic Symington (Symington Family States). É o velho mundo em sua melhor composição – a família Robert Mondavi, responsável pela transformação do vinho americano, foi fundadora do grupo mas deixou a associação após ser vendida. “Nós somos os guardiões da tradição”, resume o italiano Sebastiano Rosa, presidente da PFV na gestão 2009/2010.
Este grupo de nobres representantes das vinhas se reúne anualmente para degustações ao redor do mundo onde juntam especialistas, jornalistas, enófilos e endinheirados em encontros que mesclam doses de hedonismo e benemerência. São Paulo foi escolhida para ser sede do encontro da PFV em 2010. O Blog do Vinho estava lá.
Meninos, eu vi! E bebi…
Um encontro desta magnitude – que reúne pilares como família e tradição – suscita tanto questões mais delicadas, como a discussão sobre a idade ideal em que as crianças devem começar a ter contato com o vinho (ver reportagem Do primeiro gole ao primeiro porre, de Luciano Suassuna), como também é capaz de demonstrar na prática a beleza da evolução dos vinhos de guarda, do leve peso dos anos na construção da complexidade de caldos brancos, tintos, doces e fortificados. Sim! Brancos também criam pérolas líquidas com a idade! Além das 11 amostras representativas de suas vinícolas – que estão distantes do nosso dia-a-dia – os produtores desfilaram sua tropa de elite aos pares, com safras mais recentes escoltadas por outras mais antigas. Era um dia para se acreditar na felicidade!
Se uma champagne Vintage (ou seja, safrada) Pol Roger 2000 já enchia a boca e preenchia a taça de aromas, a safra de 1990 abusava de finesse e toques de panificação. Um Beaune Clos dês Mouches Blanc 2002, de Joseph Drouphin, expunha ao vivo o poder dos grandes brancos de evoluir na garrafa e envolver o paladar em uma doçura branca untada de mel. Da Alsácia, a mineralidade e delicadeza do Riesling Jubilee 2007 contrastava com a leveza da safra 1998, muito fresca. O chateauneuf de Pape do Château de Beaucastel 2004 tinha um aroma animal e de terra característico de sua mescla de 13 diferentes tipos de uva. O tinto da toscana Solaia 2001 era pura exuberância, já seu colega de Bolgheri, o Sassicaia 2000, era sedutor e tinha um curioso aroma tropical de caju e carambola.
Pausa para um gole de água
Os espanhóis mais antigos representados pela Torres Mas La Plana 2001 (talvez uns dos únicos vinhos mais viáveis de comprar e ter em casa) e Vega-Sicilia Único 1982 (este sem dúvida alguma fora de questão) eram profundos, densos e longos, principalmente o Vega com 18 anos de história na garrafa. Um Mouton Rothschild 2001 (me desculpem, mas neste post listar preços é um deserviço, vamos evitar…) ladeado por outro 1986 é um privilégio que permite comparar aromas e sabores e comprovar a alquimia que ocorre dentro da garrafa nos grandes bordeaux com o passar dos anos. Fechando o ciclo, um doce e um fortificado. Um riesling de nome impronunciável, como de costume: Scharzhifberger Auselese Goldkpsel 1990, da Muller Scharzhof (Goldkpsel significa o melhor de cada ano…), uma estupenda cor dourada, uma concentração de açúcar apoiada por uma acidez persistente. E por fim um porto Graham’s 1980 Vintage com uma explosão de frutas maduras e concentradas, infinito – a tradução da excelência da ação do tempo no vinho!
Sobre o sublime e o que se tenta descrever
Um vinho premium não é obra cartesiana, muito menos é um acaso da natureza, como já se disse, mas em alguns casos guarda mais semelhanças com uma obra de arte do que com uma mercadoria produzida em série – o que de fato é. Assim como uma pintura ele pode suscitar diferentes interpretações, diversas sensações e atingir emocionalmente um indivíduo de muitas maneiras, Grandes vinhos são capazes ainda de atingir outras áreas sensoriais, olfativas e gustativas, que acionam o gatilho da memória e do prazer e podem marcar para sempre o simples ato de beber um tinto ou um branco. É como aquele ponto de um filme que te joga para dentro da história, aquele acorde que parece abduzir o espectador de um show de música para outra dimensão, o trecho do romance que te engole para dentro das páginas. Por isso o vinho é tão verborrágico entre aqueles que se emocionam com a bebida. Não basta senti-lo, é preciso traduzi-lo e compartilhar as impressões. E aí cada um tem seu repertório descritivo. Como definiu, em inglês, no encontro da PFV, o representante da Mouton Rothschild, Philippe de Rothschild, “Wine is about sharing emotions”.
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Gerosa,
posso colocar no meu blog um link para esta postagem sua?
Acho que meus leitores vão gostar!
Silvia
Silvia, claro que sim, é uma honra para mim
abs
Gerosa
Se foi em São Paulo, quais de nossos excelentes vinhos estavam representados ?
Como por exemplo: Louvara Gewustraminer Millenium safra 2008 ou
nosso mundialmente reconhecido como e melhor Merlot : Miolo Merlot Perroir Lote 43 ?
Senão, essa confraria ganha ar de ilegítima, concorda ?
Seria como reunir os maiores astros de futebol do munda sem a presença de Pelé.
Hehehehee
E ainda vai ter gente sem perceber a ironia…
Sua caixa com onze jóias possui 12 garrafas. Uma delas não entra nessa categoria?
muito legal são belas e saborosas jóias
Esses vinhos são uma maravilha. Parabéns pelo post.
Obrigado.
http://www.choppkremer.com.br