O que têm em comum um brasileiro que montou uma vinícola em Mendoza, um enólogo suíço que atravessou o mundo para fazer vinhos na Argentina, um argentino que prepara as empanadas mais deliciosas da região e um jornalista paulista que teve sua mala inundada por uma garrafa de vinho que espatifou dentro da mala? A Cavas de Weinert.
Um brasileiro em Mendoza
A Bodegas y Cavas de Weinert é uma criação do brasileiro Bernardo Weinert, chamado de “Don Bernardo” na Argentina. O empresário de origem alemã e nascido em uma pequena colônia no sul do Brasil resolveu ter um vinho para chamar de seu em meados da década de 70 e após alguma pesquisa escolheu os solos de Luján de Cuyo, em Mendoza, Argentina. Adquiriu uma cantina construída em 1890, fez as reformas necessárias, estabeleceu um estilo para os vinhos (a marca registrada é de envelhecimento por no mínimo dois anos antes de lançar no mercado) e colocou os rótulos à venda a partir de 1976. Em 1995 uma nova reforma adequou os equipamentos as mudanças e avanços tecnológicos. Há dois anos a empresa teve a entrada de novos sócios. Uma visita pela cantina (há vários horários durante a semana) revelam entre seus corredores escuros de pedras gastas pelo tempo grandes tonéis de carvalho e pilhas de garrafas empoeiradas, ainda sem rótulo, apenas com uma placa indicando a safra. Um enorme tonel de 130 anos, adquirido na Itália, é o foco das câmeras dos celulares e ponto alto da visita. O bichão tem capacidade para 44 mil litros, e vale algo como 240 mil euros, está instalado desde 1998 e ainda é utilizado. Nestes tóneis – também conhecidos como foudres – e garrafas repousam o segredo e o diferencial da Weinert: o tempo de maturação dos vinhos que lhe confere um perfil de tinto mais evoluído, do velho mundo. Ou como eles se definem, uma bodega de vinhos de guarda.
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Um suíço em Mendoza
O mestre de cerimônias e responsável pela elaboração dos vinhos também não tem um sobrenome muito mendocino. Hubert Weber é suíço. Está na Cavas de Weinert há 18 anos. Um vinho em especial o trouxe para o outro lado do Atlântico. Em 1991 Hubert provou um Cavas de Weinert Gran Vino numa feira em Berna e se apaixonou pela bebida. Sabendo de seu interesse uma amiga conseguiu contato para ele trabalhar na Bodega na Argentina. Hoje em dia Hubert abre com orgulho as garrafas da Weinert para mostrar os caldos onde aplica seus conceitos de enologia. “Não vim aqui para mudar a filosofia da casa, ao contrário, vim por causa dela”, explica. “Fiz poucas mudanças, o principal foi manter e respeitar o estilo do vinho”.
Os vinhos da Cavas de Weinert, de Mendoza
Por estas características todas, os rótulos da Weinert vão agradar aqueles que gostam de tintos mais envelhecidos, maduros, com boa evolução de aromas e diversidade no gosto das frutas, com toques de couro, canela, tabaco, terroso, enfim aqueles aromas do tempo em garrafa e influência de tonéis de carvalho – conhecido no jargão como terciários. O mais legal é que o consumidor não precisa aguardar para curtir estas características, as garrafas são lançadas já com certa evolução. E é possível comprar safras anteriores. Haviam 1500 garrafas do Carrascal 1978 em estoque, por exemplo. E podem ser compradas por 120 dólares.
A linha de entrada, Pedro del Cartillo*, é um bom cartão de apresentação dos tintos da Weinert. O tempranillo da safra 2013, de vinhas de 40 anos, tinha uma boa pegada de fruta e de terra. O cabernet sauvignon 2012 estava mais fechado, um toque de especiaria estava lá, no entanto, os taninos precisam de um pouco mais de tempo para amaciarem. O malbec 2012 vai mais para o lado da fruta fresca, como cerejas, é macio e fácil de beber.
A linha seguinte, a Carrascal, vem de vinhedos de 30 a 60 anos de Luján de Cuyo. É uma mescla de malbec (45%), merlot (35%) e cabernet sauvignon (20%). Passa dois anos em tonéis grandes de carvalho. Provamos a safra 2009. O tempo já mostrou seus efeitos de evolução da fruta madura e negra integrada com o carvalho, um licoroso chega junto no final de boa intensidade. No Brasil estará em torno de 60 e 65 reais. Não gosto do termo, mas é um belo custo-benefício.
A linha varietal é mais seletiva e, claro, procura expressar o potencial da carreira-solo de uma variedade. Hubert comenta que é raro ter na mesma safra três rótulos de três variedades no mesmo ano no mercado. Por exemplo, em 2005 não teve merlot. Mas em 2006 estão disponíveis os varietais merlot, malbec e cabernet sauvignon. São todos bons tintos, meus comentários no bloco de notas (um iPad, na verdade) foram superlativos. Para o merlot: velho estilo, de impacto terroso, ótima acidez, corpo médio, umas flores chegaram numa segunda fungada. Para o malbec: baita ataque no nariz, flores, frutas (ameixa madura), final estupendo, couro, canela, sândalo (sândalo? Pois é, pela primeira vez senti isso num vinho). Para o cabernet sauvignon: chocolate, fruta negra, couro, taninos fortes mas evoluídos, vinhaço para beber e namorar os aromas de fim de taça. Os varietais – note bem, da safra 2006, já chegam com 8, 9 anos nas costas – custam entre 100 e 110 reais no país da alta carga tributária. Não precisa falar onde, né?
E para o final o Cavas de Weinert Gran Vino 2004, um ícone, mas que ao contrário de muitos de seus pares não é pesado, feito para tomar com garfo e faca. Aqui a cabernet sauvignon e a malbec disputam a mescla com 40% cada uma, sobrando 20% para a merlot. Passa três anos em barricas. Prima pela elegância, atributo um tanto difícil de explicar mas fácil de entender no copo. Um nariz que até deixa um pouco zonzo, um licor de cereja que começa no aroma e se traduz em boca, tostados finos, muita fruta, um champignon, final longo, persistente. Esta belezinha de 2004, lá se vão 10 anos, chega às prateleiras por volta de 150 e 160 reais.
Diferente da maioria das vinícolas que se orgulham de contar com vinhedos próprios, a Weinert compra todas as uvas. “Compro apenas o que necessito”, ensina Hubert Weber. São uvas das variedades malbec, cabernet sauvignon, merlot (90% do total), complementadas com syrah, bonarda, tempranillo e cabernet franc – esta última com destino certo, a Suíça. A colheita é feita à mão e uma relação antiga com os produtores permite uma pré-seleção dos cachos. Os vinhedos onde Hubert vai às compras são todos antigos, de solo argiloso e de pé franco (ou seja, não tem enxerto na raiz; traduzindo, traz maior autenticidade à uva). E quando não considera a safra com a qualidade ideal, simplesmente não compra e não produz os vinhos naquele ano. É o que aconteceu com a safra de 2014. Mas e aí, como faz?, pergunto eu. “Não faz”, responde ele, “temos uma adega com capacidade para 3 milhões de litros, e atualmente temos 900 mil litros dentro de casa. Esta é a filosofia da Weinert”
Um mendocino (e suas empanadas) em Mendoza
Assim que terminamos a prova dos principais vinhos, foram servidas umas empanadas (na foto quase dá para sentir seu perfume quente) feitas por um mendocino vizinho à bodega. Sugestionado ou não pelo ambiente, pelos vinhos provados e pela surpresa final – um Carrascal 1978, engarrafado em 1982 e com aromas de tabaco e evolução deliciosa do tempo, mas muito vivo na boca -, elegi como as melhores empanadas da minha vida, e a partir desta data a harmonização perfeita para um Carrascal.
Um brasileiro em Mendoza
O jornalista que teve sua mala alagada por um vinho, meio óbvio, é este que vos escreve, que trouxe em sua bagagem, devidamente protegido em um desses sacos de plástico-bolha uma garrafa do Cavas 2004 Gran Vino. A garrafa era uma lembrança da visita realizada à cantina de “Don Bernardo”, escoltada pela cativante Hubert Weber, onde provei os rótulos da Weinert acompanhados das inesquecíveis empanadas. A ampola, que ia repousar mais um tempo na minha humilde adega, não resistiu ao delicado serviço de bagagens do aeroporto e trincou uma parte do vasilhame. Se tive o azar de perder o precioso líquido que tingiram minhas roupas (literalmente uma camiseta branca ganhou tons de vinho…), a boa notícia é que a partir do primeiro trimestre os rótulos da Weinert voltarão a ser importados ao Brasil, agora pelas mãos da Mercovino. Esqueci de comentar no início, os vinhos da Weinert não estavam sendo importados para o Brasil nos últimos anos, mas encontram-se algumas garrafas em lojas especializadas. Devem estar disponíveis nas prateleiras no primeiro trimestre de 2015. Os preços citados neste texto são os sugeridos pela operação da Weinert no Brasil para o momento, enquanto o dólar se encontra neste patamar de 2,60/2,65. *A linha Pedro del Cartillo ainda está em negociação se entra ou não neste pacote de importação.
Publicado originalmente em dezembro de 2014
a unica coisa que atura de argentino, são os vinhos
Claudio, perdiste la oportunidad de callarte. Lo tuyo no es gracioso, es estúpido.
Post sensacional, como sempre. Estive em mendoza em agosto último e ttrouxe um weinert 94 (ou91?….)
O leio sempre, nao so pela riqueza das informações, mas tmbm porque é um dos poucos que akufam a desenfrescalhar o vinho!
Parabéns pelo trabalho, cara!
Abs
Caro Fabio
Bacana que gostou do Weinert também. E muito obrigado por acompanhar e curtir o blog.
Apareça sempre
abração
Prezado Beto,
Descobri o seu blog quando comecei procurar um vinho que tomei há muito tempo atrás e que não estava (ainda não estou) encontrando de jeito nenhum.
O Carrascal…!
Por sorte, lí a matéria inteira e liguei para a Mercovino. Fui super bem atendido e estou no aguardo de um retorno deles para saber se, efetivamente, eles já começaram a importação do referido rótulo.
Parabéns pelo trabalho.
Um abraço.
Oi Eloi
que legal que o blog foi útil para você
Obrigado por escrever
abraços
TANNAT é um tipo de uva?
Sim, Francisco, é um tipo de uva que tem origem na França mas se desenvolveu com maior qualidade no Uruguai.
abraços