Imagine a cena. Várias garrafas de vinho enfileiradas. Todas da mesma origem e com o mesmo rótulo, e uma única diferença: a certidão de nascimento. A bebida é despejada em taças idênticas e numeradas. E os homens que cospem vinho começam o ritual de provar e avaliar cada amostra e fazer suas comparações. No mundo do vinho esta prática tem nome e sobrenome: degustação vertical. É quando várias safras de um mesmo rótulo são desarrolhadas e provadas simultaneamente.
Sabe toda aquela história da evolução da cor, dos aromas, acidez, frutas e taninos ao longo dos anos listados em todas as enciclopédias de vinho? Este é uma maneira bacana de comprovar – ou não – esta teoria. O vinho mais novo costuma ter mais apelo da fruta, mais frescor, às vezes ainda precisa amaciar na boca (resolver os tais dos taninos), a cor é mais viva. Com o tempo ele vai integrando melhor seus componentes, os aromas vão amadurecendo e criando novas camadas e se tornando mais intensos. Quando atingem o apogeu (uma espécie do ponto G do vinho: dizem que existe, mas é difícil acertar com exatidão) desenvolvem aromas pouco comuns, diversificados, a boca registra nuances e sabores mais complexos e elegantes, que grudam na memória. Se a sabedoria tivesse um sabor, seria a dos vinhos evoluídos. Mas vale dizer, não é para todo mundo. A grande maioria prefere tintos e brancos mais novos.
Aguardar ou não aguardar, eis a questão
Uma das dúvidas mais recorrentes entre os leitores deste blog é sobre a influência e a importância das safras nos vinhos. O que significa quando aquele crítico pontifica que determinada safra vai atingir seu apogeu em dez ou quinze anos? O que vai acontecer com a bebida? Abrir estas garrafas antes do tempo é bom ou ruim? Qual o motivo que leva os enófilos e especialistas a ficar velando seus cascos de safras mais remotas, cuidadosamente deitados em seus armários refrigerados, em vez de desarrolhar de uma vez por todas suas garrafas?
Duas verticais didáticas
Este Blog do Vinho já teve o privilégio de participar de várias degustações verticais. Algumas são um verdadeiro tour de force, com praticamente todas as safras de um produtor de várias décadas provadas de uma só tacada. Mas duas delas, em especial, com modestas cinco e quatro garrafas, foram uma aula de como o tempo age no vinho: a do clássico cabernet sauvignon espanhol Mas La Plana e do tradicional corte bordalês Cos D’Estournel. Todo amante do vinho merecia uma oportunidade dessas.
Quem é: Mas La Plana é um tinto com berço e DNA do celebrado produtor Miguel Torres – o maior representante do vinho ibérico. Miguel Torres está para o vinho espanhol assim como John Ford está para o western do cinema americano: é um dos pilares da vitivinicultura deste país. Diga-se ainda a seu favor que sua influência atravessou o oceano e fez história na região de Curicó, no Chile, onde Torres foi o primeiro investidor internacional a apostar em inovação em tecnologia e no cuidado com a seleção das uvas.
O que ensinou: o teor alcoólico foi aumentando ao longo dos anos, a cabernet sauvignon foi criando seu estilo espanhol, as safras mais recentes já mostram seu valor no nascedouro e, mais do que tudo, a degustação mostrou que aos 40 anos um vinho ainda pode estar vivo e sedutor.
Safras provadas: 1970, 1981, 1997, 2005 e 2006
Mas La Plana 1970 – Cabernet sauvignon 70%, monastrell 10% e Ull de lebre 20%. 12,5% de álcool, envelhecido em carvalho americano e francês (24meses). Não adianta tentar comprar, a garrafa veio direto da adega da Vinícola Torres, da Espanha – foi o rótulo que bateu os grandes Bordeaux em uma prova às cegas realizada em 1979 pela revista francesa Gault-Millau. Não é tão famosa como a Prova de Paris, mas tão representativa quanto. Um vinho ainda vivo, de cor mais atijolada, a acidez ainda está lá, a fruta é menos marcante, no nariz é sensacional, uma mistura de terra, frutos maduros e especiarias, um toque de vinho madeira. 12,5% de álcool. No tempo que os vinhos não precisavam ser potentes e alcoólicos para serem bons.
Mas La Plana 1981 –Cabernet Sauvignon 100% com 12,5% de álcool, envelhecido em carvalho francês e americano (24 meses). Em outra degustação vertical do Mas la Plana foi o mais bem avaliado. Aqui nem tanto, esta é a graça da experiência, aliás. Um pouco mais de fruta presente, se comparado ao seu irmão mais velho, aromas evoluídos, mas não me encantou os sentidos. Ficou espremido entre a sofisticação madura do 1970 e a exuberância mais completa do 1997, este que vem a seguir.
Mas La Plana 1997 – Cabernet sauvignon 100%, 13,5% de álcool, envelhecido em madeira francesa. Esta foi a safra que o carvalho americano perdeu o terreno para o francês. A evolução está perfeita, a boca é larga, aromas de especiarias, couro, frutas maduras, café. O vinho baila pela boca e desce carregando toda sua complexidade de sabores. E fica grudado na memória, no palato, no olfato. O fundo de copo permanece evoluindo no nariz, uma delícia.
Mas La Plana 2005 –100% cabernet sauvignon, 14% de álcool, envelhecido em carvalho francês por 18 meses. Olha só o álcool subindo, subindo… Me pareceu mais sisudo e fechado, o que talvez que lhe dê mais esperança de sobrevida na garrafa. A cor bem escura, a fruta em construção, de menos impacto.
Mas La Plana 2006 – 100% cabernet sauvignon, 14,7% de álcool, 18 meses em carvalho francês. Esta safra está à venda do Brasil. Por R$ 160,00 você tem uma garrafa dessas em sua adega. Um grande caldo por um preço até modesto perto do que cobram alguns ícones sul-americanos sem a mesma história. Fruta integrada à madeira, profundo, já pronto para beber, com força de frutos maduros, elegância juvenil – uma raridade -, pede uma carne como companhia.
Quem é: Château Cos d’Estournel. Um dos maiores ícones da região de St.-Estèphe, em Bordeaux, produz vinhos desde 1811; na famosa classificação de 1855, que até hoje determina quem é quem em Bordeaux, foi considerado o melhor château da subregião. Se distingue por uma presença forte de merlot em seu corte bordalês.
O que ensinou: o corte bordalês é uma experiência rica em tradição gustativa, imbatível na sedução quando tudo dá certo; o estilo de Bordeaux também se mostrou mais moderno nas safras recentes – os vinhos já não precisam de alguns anos de garrafa para começar a ser domados e apreciados. Macios, já dão prazer no lançamento da safra.
Safras provadas: 1985, 2003, 2005 e 2009
Cos d’Estournel 1985 – eis um velho sábio, mostrando aos seus herdeiros como envelhecer com classe e elegância. Notas de frutas evoluídas, passadas, o corpo mais leve, vai se modificando na taça, tem uma pegada de um porto Vintage. cabernet sauvignon (60%) e merlot (40%). É um representante da velha guarda, do estilo mais tradicional de Bordeux, mas acho que não vai melhorar mais com o tempo, pelo menos não a garrafa que provei.
Cos d’Estournel 2003 – este foi o ano do calor que matou os velhinhos na França. O corte é de cabernet sauvignon (70%), merlot (27%), petit verdot (2%) cabernet franc (1%). A escassez provocou uma seleção mais apurada das uvas. Entrega intensidade, potência e fineza de boca. Mas não apaixona.
Cos d’Estournel 2005 – cabernet sauvignon (78%), merlot (19%), cabernet franc (3%). Segundo o produtor Jean Guilaume Prats atingirá seu pico de qualidade em 10 anos. Se você agüentar até 2015 para comprovar… Se procurar uma definição para um vinho de textura aveludada, este é um representante legítimo. Muito potência de fruta, evolução fina de aromas de frutas maduras e sedutoras, belíssima integração da madeira. Um hotel cinco estrelas para os sentidos.
Cos d’Estournel 2009 – esta é a safra do século de Bordeuax até agora. Bom, o problema é definir quantas safras do séculos cabem em um século. Já teve 2000, 2005 e agora 2009. Mas o vinho ainda está muito novo, mas promete. Tem cor viva, acidez boa, taninos balanceados, fruta ampla, intensidade. Bebê-lo agora já é um prazer, em dez anos deve ser como rever um grande amigo, e descobrir novas qualidades. Cabernet sauvignon (65%), merlot (33%) e cabernet franc (2%).
Olá Beto.
Temos (eu e meu compadre) duas garrafas do vinho Teófilo Reyes Crianza 1997 na adega mas estou com receio que já estejam passados. Vieram direto da importadora e ficaram na adega quietinhos até hoje. Voce acha que ainda estão bebíveis? Espero que sim! deste ano não passa! Um abraço.
Fernando – Tres Lagoas – MS
legal
è tanta ritual pra beber um vinho,que deixo de lado essas frescuragem e tomo logo um padre cicero, sangue de boi, que tiver eu tomo. rssrsss