Você já tomou um vinho 100% da variedade petit verdot? Talvez não. Vale a pena conhecer. A petit verdot é uma espécie de Bryan Cransto do mundo do vinho. Uma coadjuvante pouco conhecida que quando vira uva principal revela seu valor e talento para o protagonismo.
Para quem não está ligando o nome ao personagem, Bryan Cransto é ator que representa o papel do atormentado químico e professor Walter White em Breaking Bad. Cransto teve uma carreira apagada até o sucesso de público e crítica da série. Até então coadjuvante, brilhou como protagonista das cinco temporadas da série que estreou em 2008 e foi exibida na TV paga e aberta.
Petit verdot, cadê você, eu vim aqui só pra te ver!
A petit verdot – pequena verde –, a estrela que nos interessa aqui, é uma cepa de uva bastante antiga, originária de Bordeaux, na França, mas que não tem na região um papel de destaque. Consulte algumas dessas enciclopédias de vinho e as páginas nem se dão ao trabalho de descrever a variedade. Naquele livro 1000 Vinhos para Beber Antes de Morrer, pode folhear e não encontrará nenhum vinho elaborado apenas com a varietal que é tema deste texto. Ela está lá, mas sempre no seu papel de figurante.
É comum ver nas fichas técnicas de grandes vinhos de Bordeaux menções de 2, 3 e até 5% de petit verdot na composição final dos caldos. Chateau Margaux, Latour, Mouton Rothschild etc. Mas desconfio que você, amável leitor, não vai entender a petit verdot provando estes rótulos consagrados e digamos um pouco fora da realidade de nosso bolso. (Mas caso for provar qualquer um deles e quiser compartilhar, favor entrar em contato pelo e-mail ou redes sociais com este escrevinhador; fico à disposição…)
Aí você me pergunta. Se a petit verdot não é usada como varietal em Bordeaux, seu berço, por que diabos eu deveria arriscar meu rico dinheirinho ou minha refinada papila gustativa numa garrafa dominada por esta uva? Mais ainda, por que este blog coloca um holofote na pequena verde? Há duas respostas possíveis.
Em Bordeaux é assim – em Bordeaux a petit verdot tem uma missão: trata-se de uma região que por definição faz vinhos de corte. Não à toa dá-se o nome de corte bordalês aquela mistura bacana de cabernet sauvignon (geralmente mais desta), merlot, cabernet franc (outra coadjuvante que eu adoro como principal, mas será tema para outro texto), malbec e petit verdot. A uva tem um ciclo de maturação tardia e pode ter uma carga tânica um pouco agressiva – por isso são usadas em pequenas frações para “temperar” o vinho. Vale sempre lembrar, no entanto, que o tempero é a alma de uma boa comida, não é? Por essa razão você não vai encontrar um 100% petit verdot mis em boutelle em Bordeaux tão fácil. Ou seja, na origem ela não é usada como varietal (vinho de uma única uva). O que não significa que seja desimportante. Apenas tem outra função.
Em outras regiões a uva revelou seu potencial – o caminho Bryan Canstro da petit verdot, portanto, foi a migração. Em outras regiões mais quentes foi resolvida a parte do problema da maturação tardia e do tanino mais agressivo relatados acima. Resultado: vinhos de cor intensa, personalidade e potência, um bom corpo, a fruta madura em destaque no aroma e em boca. Os taninos continuam presentes e a acidez costuma ser elevada. Vinho de gente grande. Às vezes mais rústicos, outras vezes mais domesticados. Mas sempre com muita personalidade.
Quais são os bons rótulos da petit verdot?
E após oito parágrafos chegamos finalmente aos vinhos. Não por acaso três rótulos do Chile, um do Argentina, um do Uruguai e uma garrafa surpreendente de Portugal. Regiões mais quentes, pois. São vinhos provados por este palpiteiro de Baco em momentos diferentes, alguns puxados pela lembrança e um mais recente que me levou a cometer este texto. Reunidos aqui, formam um plantel de vinhos de petit verdot que provei e gostei.
Alpasión Grand Petit Verdot 2018
Uva: petit verdot
Produtor: Bodega Alpasión
País: Argentina,
Região: Mendoza, Valle do Uco, Los Chacayes
Importador: Edega
R$ 290,00 (Obs: o rótulo não se encontra atualmente disponível no site do Edega, este foi o preço de lançamento em 2021, vela conferir chegada de novas safras)
A voz do vinho: O que fazem vinte empresários reunidos em uma temporada de estudos no conceituado MBA da Insead (Escola de Negócios para o Mundo), em Fountainebleau, na França ao descobrir uma paixão em comum pelo vinho? Compram um vinhedo e montam uma vinícola! Se um empresário com capital pode fazer um bom vinho, vinte podem muito mais, não é mesmo? A Alpasión nasceu mais ou menos assim. Jorge Santos Carneiro, um dos sócios, um português que nasceu na região do Douro, tem negócios no Brasil e montou sua vinícola na Argentina, contou em uma entrevista ao importador Phiippe de Nicolay Rothschild como surgiu o negócio e por que escolheu Mendoza “Nós nos apaixonamos pelo terreno, pela vista e proximidade dos andes”. Os rótulos Alpasión – uma combinação das palavras alma e paixão em espanhol – trazem as impressões digitais e assinaturas dos sócios. E quando você carimba sua identidade pessoal em um embalagem costuma bancar a qualidade do que produz, né não? Para cuidar do resultado final na garrafa dois craques se uniram aos vinte empresários: Pedro Parra como o consultor do vinhedo orgânico, e o enólogo Karim Mussi, um conhecedor da região do Vale de Uco.
Por que escolhi: um vinho potente mas sem jamais perder a ternura. Se no nariz chegam as famosas notas de frutas vermelhas e negras de tintos mais robustos e bom corpo, o paladar ainda acrescenta pitadas de especiarias e um toque de madeira bem integrada. Doce em boca e com um longo final, mostra o que é que petit verdot das américas tem.
Garzón Single Vineyard Petit Verdot 2018
Uva: petit verdot
Produtor: Bodega Garzón
País: Uruguai
Região: Maldonado
Importador: World Wine
R$ 318,00
A voz do vinho: o Uruguai até pouco tempo era reconhecido como um país de pequenas vinícolas familiares. A Garzón, um empreendimento do empresário argentino Alejandro Bulgheroni e sua mulher Bettina, veio mudar um pouco este cenário. O terreno escolhido, próximo ao Oceano Atlântico (apenas 18 quilômetros) tem uma característica geológica conhecida como Embasamento Cristalino, origem dos terrenos mais antigos do planeta que geraram ao longos de milhões de anos um solo de rocha chamado balastro. Mas você pode se perguntar: e daí? O vinho é para mim ou para um dinossauro? Daí que vinho é resultado do seu lugar, do solo, do clima e da mão do homem. Por isso estas características importam. E para elaborar os vinhos que reflitam este solo e este clima – ou seja este lugar – o enólogo e consultor Alberto Antonini foi convocado. Antonini é responsável por rótulos conhecidos de todo o mundo. Para os brasileiros o argentino Alto Las Hormigas, do qual também é sócio, talvez seja a principal referência. A moderna adega tem capacidade de 2,2 milhões de litros, estrutura espetacular de enoturismo e restaurante premiado do chef Malman. Resultado: lançado o primeiro rótulo em 2011 conquistou vários prêmios, reconhecimento da crítica e sucesso de público. Um Breaking Bad uruguaio do vinho, vai. É um dos campeões de venda de sua importadora no Brasil, a World Wine.
Por que escolhi: para fugir do lugar comum do tannat do Uruguai, um petit verdot deste vinícola que também elabora um ótimo alvarinho. Aqui valem a elegância e a complexidade do vinho. A pequena verde é domada com classe e experiência. Os 18 meses de permanência em barricas de carvalho francês aparecem nas notas de baunilha e no afinamento dos taninos. O amadurecimento correto das uvas entrega as tais frutas maduras (vermelhas, pretas), mas sem exageros. Bom final de boca.
- Leia também: Vinhos muito doidos do Uruguai e os tannat de sempre
Perez Cruz Chaski Petit Verdot 2018
Uva: petit verdot
Produtor: Pérez Cruz
País: Chile
Região: Vale do Maipo
Importadores: Casa Santa Luzia, Oba Hortifruti, entre outros
R$ 160,00 a 180,00 (preço médio)
A voz do vinho: A Viña Pérez Cruz é uma vinícola familiar (Pérez vem do pai e Cruz da mãe) e colocou sua primeira garrafa no mercado em 2002. Trabalha uma linha de varietais (vinho de uma única uva) de tintos muito particulares, que vão do cot (que é o nome da malbec original em francês que eles adotam), passando por saborosos exemplares de cabernet franc, grenache e petit verdot, além dos tradicionais cabernet sauvignon e carmenère. Atua no tradicional Vale do Maipo, no Chile. Seus 250 hectares de vinhedos estão localizados aos pés da Cordilheira dos Andes e o mesmo enólogo, Germán Lyon, é o responsável pela elaboração dos vinhos desde 2002; fato raro.
Por que escolhi: Chaski significa “mensageiro” no idioma quéchua, língua originária dos Andes. Não, isso não me influenciou em nada, mas cria uma licença poética sobre a mensagem que este vinho quer passar. Para mim, a possibilidade de criar um petit verdot de “elegância encorpada”. O trabalho nos vinhedos, a influência do solo pedregoso, a colheita manual das uvas e a fermentação malolática – transformação do ácido málico em lácteo usado para suavizar o caldo – em barricas de carvalho resultam em um petit verdot robusto, porém elegante e sincero. Desta pequena lista trata-se do petit verdot mais recente que provei. E o vinho, hein? Cor bem escura. Perfil aromático na base de uma ameixa bem madura, pimenta negra, um herbáceo que me lembrou alecrim, além de um final que remete à ideia de uma barra de chocolate amargo dentro de uma caixa de charutos. Pode até parecer estranho, mas eu minha mulher percebemos a mesma coisa. E é um aroma bom demais. Na boca a confirmação da fruta madura embalada em taninos domados, ótima acidez e um final longo e doce.
- Leia também: 11 bons vinhos chilenos e nenhum segredo: o Chile quer dominar o mercado de vinhos premium no Brasil
Toknar 2006
Uva: Petit Verdot
País: Chie
Região: Valle Aconcagua
Produtor: Vina von Siebenthal
R$ 900,00 (valor méido, uau! Há promoções nas redes pela metade do preço!)
A voz do vinho: Mauro von Siebenthal (pronuncia-se “Fon Zibental”), o proprietário da Vinícola, é um homem do mundo. Advogado suíço, de família de origem italiana, e experiência profissional global, realizou seu projeto de vida produzindo vinhos de personalidade e qualidade no Chile. Mauro é um pequeno grande produtor, pequeno por que adota o conceito de Vinícola Boutique, e grande na ambição de produzir vinhos de reconhecimento internacional e com “alma” – mais precisamente em Panquehue, no Vale de Aconcágua, a 100 quilômetros de Santiago. A Von Siebenthal é parte integrante de um dos grupos mais inovadores e instigantes do Chile, o Movi, Movimento dos Vinhateiros Independentes, que reúne produtores de pequeno e médio porte.
Por que eu escolhi – foi umas das primeiras grandes experiências que tive com um petit verdot de alta gama. Foi numa viagem para o Chile relatada no post com o link acima. Plagiar a própria autoria não é crime e ficam as impressões do Toknar feitas na época. Um surpreendente 100% petit verdot. Como diz Mauro, “só se memorizam vinhos extraordinários”. Este grudou na memória. Os 26 meses de barrica e dois de garrafa aportaram um baita aroma (frutas negras, café, eucalipto), um toque de grafite, potente, grande presença em boca, uma cereja inunda no paladar, mineral, acidez marcante, muita expressão da petit verdot que raramente é protagonista e aqui atua num monólogo magnífico. Na minha modesta opinião – já disse mais de uma vez aqui que sou um degustador mais intuitivo e menos técnico – foi o meu tinto inesquecível do dia. ‘Os vinhos não são iguais todos os anos – são similares, mas não iguais. Usamos as mesmas uvas, dos mesmos vinhedos, mas a natureza muda a cor a cada ano’, ensina Mauro Von Siebenthal.” Provei alguns anos mais tarde este mesmo vinho e as boas impressões apenas melhoraram com o tempo em garrafa.
Petit Verdot Unoaked
Uva: petit verdot
Produtor: Herdade do Arrepiado Velho
País: Portugal
Região: Alentejo
Importador: Oba Hortifruti
R$ 250,00
A voz do vinho: e por fim um exemplar da monocasta em solo europeu. Se a uva revelou seu potencial atravessando os oceanos, também se deu bem na região vitivinícola mais quente de Portugal, o Alentejo. O enólogo, Antonio Maçanita, é uma figura sedutora e tem inovado com vinhos de produção própria na ilha dos Açores, no Douro e no Alentejo. Aqui ele trabalha apenas como enólogo e esta é uma oportunidade de provar suas alquimias nem sempre fáceis de se encontrar no Brasil (outra alternativa de provar os vinhos de Maçanita é pelo catálogo de Produtores Renomados da importadora Evino, onde se encontram o tinto e o branco Fita Preta, também do Alentejo, estes com castas autóctones da região). A Herdade do Arrepiado Velho é um projeto de vinhos recente – por coincidência outro da safra de 2002 – que mistura tradição e alguma ousadia tanto na concepção dos caldos como no design dos rótulos, como o Brett Edition, um vinho que tira o Brett do armário macerando a uva syrah. Um Syrah ‘infectado’, de modo natural, pela levedura Brettanomyces. Ousado, não?
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Por que escolhi: O nome do Maçanita no rótulo me influenciou na compra e me encheu de expectativas que se confirmaram na taça. O fato de não estagiar em barricas de madeira também me animaram a adquirir a garrafa. Como o nome revela, Petit Verdot Unoaked é sem madeira. O descanso é em cubas de aço inox e temperaturas controladas o que permite uma fermentação espontânea. A experiência de um petit verdot do Alentejo me aguçaram as papilas. A concentração da cor e dos frutos se equilibram com a boa acidez. Uma leveza rústica da uva preserva uma de suas características originais e que não encontrei tanto nos outros vinhos acima. O resultado é muito bom, A complexidade em boca completa a grata surpresa.
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E do Brasil, não tem nada?
Tem, mas não tenho anotações que possam sustentar uma avaliação, foram rótulos provados em feiras ou socialmente. Mas posso ao menos citar três rótulos que fazem bonito. Começando pelo talvez o mais reconhecido, o Petit Verdot Valmarino, seguido dos premiados Capoani Petit Verdot e Meninas do Vinhedo Petit Verdot – Cárdenas. São com certeza boas expressões da pequena verde em solo verde-amarelo.
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Tenho em minha loja um rótulo interessante de um Petit Verdot argentino, e apreciei muito de uma Vinícola de Luan de Cuyo de Mendonça. VINICOLA CIELIO I TIERRA – Callejon de Las Brujas.
Olá Edmilson. Obrigado por sua participação. Legal suas dicas, o que mostra que a “migração˜”de fato fez bem para a petit verdot. abraços
Boas provocações sobre a PV. A Espanha TB tem feito algo. E em Portugal a EA tem um divino. No parágrafo que fala dos países vc esqueceu da Argentina que descreve a seguir. E na Argentina, onde eles dizem que a uva tem uma pimentinha, tem muita coisa boa varietal de PV. Obrigado pelo texto. Bem legal de ler. Por fim, no BR, esse Valmarino citado realmente é um belo vinho.
Olá, Humberto. Obrigado por sua participação. Boa observação sobre a Argentina. Vou acrescentar no texto. De fato a Argentina tem boas supresas na varietal petit verdot e melhores ainda na cabernet franc. Ou seja, não precisa ser sempre malbec. Sobre o Brasil comentaram comigo algumas vinícolas pequenas do sul que vou tentar provar. Apareça sempre. Abraços.
Foi o primeiro monovarietal que experimentei na minha chegada à Bordeaux e achei realmente incrível, acho que como destacou, vale a pena experimentar.
Sugiro um Les Mains Sales, um Blaye Côtes-de-Bordeaux produzido somente em safras excepcionais. Se quiser provar, me mande uma mensagem e combinamos j
Abs e parabéns pelo conteúdo!