O rótulo Celso La Pastina, elaborado pela vinícola chilena Emiliana, é uma homenagem repleta de significados. Celso foi um dos grandes nomes da importação de vinho no Brasil. E um dos maiores entusiastas dos vinhos naturais e biodinâmicos no mercado. Elaborado com sua uva preferida, a carignan, trata-se de um tinto orgânico e vegano. Um vinho que procura traduzir os conceitos do lado visionário do comerciante Celso. E que traz recordações.
La Pastina e World Wine
Ceslo La Pastina (1958-2020) morreu de um ataque cardíaco em agosto de 2020, quando estava internado em consequência do Coronavírus, prestes a completar 62 anos. Ele comandava duas operações com o DNA no mundo do vinho: a La Pastina, fundada por seu pai e por onde o seu rótulo será comercializado, e a World Wine, criada em 1999 e exclusivamente dedicada a vinhos finos. Assim que recebi um e-mail comunicando o lançamento deste vinho-homenagem algumas recordações de histórias vividas com ele vieram como um filme de cortes rápidos.
Primeiro contato: uma reportagem na Veja S. Paulo
Umas das primeiras reportagens que realizei sobre vinho na revista Veja S. Paulo, em julho de 2005, foi sobre os grandes importadores da época. Com o título “Caçadores de vinho”, o texto buscava identificar quem eram os responsáveis pelos tintos e brancos que chegavam à cidade e destacava, entre outros importadores, Celso La Pastina. Ele era identificado no texto como o mais francês dos italianos do mundo do vinho: “Ninguém tem a quantidade de Bordeaux que nós oferecemos”, dizia. Era uma característica então da Word Wine. Foi nesta entrevista que tive meu primeiro contato com o Celso. Eu mal iniciava minha jornada na área e as conversas com figuras como Ciro Lilla, Otávio Piva, Antoine Zahil e o próprio Celso, entre outros, eram verdadeiras aulas deste mercado e sobre o rico universo do vinho. No final da entrevista Celso me presenteou com uma garrafa de um Bourgogne Pinot Noir 2005 Domaine Olivier Guyot, para eu começar a compreender a região.
O primeiro carignan
Dali em diante nossos encontros se tornaram mais frequentes, em degustações na sua então recente loja dos Jardins ou em feiras promovidas pela importadora: foram várias edições da World Wine Experience. Celso meio que pontuava suas frases com um “hummm?” no final. “Bom este vinho, hummm?”. Testava assim a opinião do interlocutor. Foi em meio a estes hummns que pela primeira vez também provei um excepcional tinto da uva carignan do Chile, produzido pela Odjfell, um vinícola que Celso também trouxe do Chile. Com este vinho-homenagem de carignan fico sabendo que era sua uva preferida que estava me apresentando aquele dia.
Trefois, o parceiro bio
Junto a outro gigante do mundo do vinho, Jacques Trefois, introduziu uma linha de vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos que faziam furor entre os especialistas nas feiras promovidas pela World Wine. As taças de produtores como Philippe Pacalet, da Borgonha, ou Le Puy, de Bordeux, eram disputadas quase a tapas por senhores (mais estes) e senhoras de fino trato que perdiam um pouco da classe por um gole destes néctares exclusivos. Algo como uma xepa de bacanas.
“Vinhos de sensação” X “Vinhos de exceção”
Também foi com o Celso que participei de uma degustação reveladora, mas também assustadora, com o produtor dos vinhos biodinâmicos Château Le Puy, Jean-Pierre Amoreau, de Saint-Emilion, em Bordeaux. Cercado de planilhas e relatórios laboratoriais acusava a imensa maioria dos produtores – incluindo os grand cru classés – de engarrafar veneno, tal quantidade de defensivos agrícolas e outras artifícios usados no vinho. Não revelou o nome dos vinhos, mas fez questão de destacar que foram encontradas nas amostras até 276 tipos de pesticidas. Amoreau denominava estes como “vinhos de sensação”, mas de sensações manipuladas para vender mais garrafas. A seus caldos, biodinâmicos, ele dava o nome de “vinhos de exceção”, aqueles que são saudáveis ao ser humano e que respeitam a terra, a biodiversidade e as influências dos planetas. O Le Puy, que provamos após o discurso, era um representante legítimo desta nobre linhagem. Creio que havia um lado apaixonado por vinho no Celso que brigava um pouco com o Celso importador. Ao mesmo tempo que incentivava o conhecimento destes viticultores naturebas e de opiniões radicais, não podia se dar ao luxo de ter apenas vinhos bios em seu portfólio. Ele vendia sensação e exceção.
Outro encontro, para mim muito didático, foi a apresentação dos vinhos da linha Emiliana conduzida pelo consultor Álvaro Espinosa. Toda a viticultura praticada em seus 1.000 hectares já era orgânica. Uma demonstração de que é possível produzir produtos orgânicos em grandes áreas e vinhos de toda pirâmide de qualidade. Da linha mais básica da Emiliana, a Adobe, até os topos de gama como Coyam e Gê. O Celso La Pastina Edição Limitada, apresentado agora, se coloca neste patamar mais elevado do portfólio da Emiliana.
Vigno
A garrafa foi enviada num estojo com meu nome gravado: Roberto Gerosa. Uma gentileza. Há muitos anos adotei minha assinatura da maneira como sempre fui conhecido – em casa e no trabalho: Beto Gerosa. Mas Celso me conheceu como Roberto e manteve o tratamento em nossos encontros, e creio que assim permanece no cadastro da La Pastina.
É um tanto estranho topar com a assinatura do Celso estampando um rótulo, e não apresentando a garrafa. Mas também é simbólico. O Celso La Pastina Edição Limitada, um homem que de certa forma virou vinho, é um varietal da uva carignan de vinhas velhas com mais de 100 anos do Valle del Maule. Nesta região do Chile foi criado há mais de dez anos um movimento para resgatar esta cepa chamado VIGNO – Vignadores del Carigan. Para pertencer a este seleto grupo e ostentar o Vigno no rótulo é necessário cumprir algumas regras: a primeira, meio óbvia, é que o vinho precisa ser da uva carignan do Maule, ou pelo menos ter no mínimo 85% da cepa na composição. As outras estão relacionadas à idade do vinhedo (mais de 30 anos), sem uso de irrigação (eles chamam isso de secano) e mínimo de 2 anos de envelhecimento em garrafa.
Confesso que hesitei em provar o vinho. Não é muito profissional isso. Escrever sobre algo que não se provou. Mas fiquei mesmerizado diante do rótulo, ensaiei desarrolhar a garrafa e ficava deixando para mais tarde, com as lembranças acima atrapalhando o ritual. E um pensamento: um vinho-homenagem – e de alguém que foi conhecido – pode ser avaliado com isenção?
Reproduzo primeiro o registro oficial da enóloga da Emiliana Noelia Orts, responsável por sua elaboração: “Uma joia resgatada da região do Maule, região vitivinícola mais antiga do Chile, que transmite exclusividade e grande destaque de origem. Assim como o querido Celso, com seu caráter único e distinto, essa edição limitada reflete a identidade de um homem que foi visionário e que acreditou num mundo mais orgânico”.
Por definição, um produto de mercado não é exclusivo. O fetiche diante da minha garrafa exclusiva da Edição limitada Celso La Pastina meio que se esvai quando topo com um rótulo na prateleira de um supermercado Mambo ou no e-commerce da própria La Pastina. Um vinho que homenageasse Celso tinha de passar por estas histórias. Mas um vinho é um vinho, mais ainda, um vigno. Bebamos, pois!
Celso La Pastina Edição Limitada 2016
Uva: 100% carignan
Produtor: Emiliana
País: Chile
Região: Vale do Maule
Importador: La Pastina
R$ 330,00
A cor fechada e primeira fungada já antecipam que trata-se de um carignan de respeito. É muito bom de expressão aromática. No nariz frutas maduras marcantes, especiarias, madeira. Passou um estágio de 12 meses em tonéis grandes, conhecidos como foudres (65%) e barricas de carvalho (35%) e mais seis meses em concreto. Já tem oito anos – safra 2016 – mas nem se percebe. O que indica um vinho de linha Dr Spock, de vida longa e próspera. Potente em boca, a fruta do aroma se traduziu em groselha, bons taninos e uma acidez que envolve os goles. São vinhedos de mais de 100 anos, que geralmente entregam esta concentração de fruta. Foi se abrindo na garrafa, talvez valesse decantar. Final longo, como exige o manual dos vinhos mais importantes. Pede pratos com maior peso. Acompanhei com um boeuf bourguignon, aquele picadinho de carne francês com cebola, bacon e cogumelos. Match perfeito. Imagino Celso levando a taça até o nariz, as grossas sobrancelhas arqueadas, e um comentário acompanhado da interjeição costumeira: “Que tal, Roberto? Bom este carignan, hummm?”
Grande homenagem a um grande homem.
Que Deus o mantenha sob sua guarda, um dia estaremos todos juntos o Celso merece todas lembranças possíveis.
Seu primo Sergio
Obrigado, Sérgio, por sua participação. O vinho é uma grande homenagem a ele. abraços
Parabéns a Celso La Pastina pela arrojada participação no mundo do Vinho. Excelente reportagem e invejável curriculo. Me honra, como cliente tomar conhecimento dos fatos históricos bem retratados na excelente reportagem.
Obrigado, Antonio, por sua participação e pelos elogios. Celso La Pastina de fato fez a diferença. Abraços