Você conhece aquela da mulher que morreu de vinho branco?
– Ela estava atravessando a rua, veio um carro vermelho,
ela desviou, mas aí vinho branco…
A revista especializada inglesa Decanter de julho de 2006 dedicou sua capa aos vinhos brancos. Da última vez que havia cometido esta ousadia, três anos antes, as vendas em banca despencaram. Seu editor interino, Guy Woodward, praticamente pediu desculpas aos leitores – e ao departamento de circulação – no editorial, e justificou a insistência em bancar um tema impopular com a seguinte provocação: “Are you a wine racist?”. A revista Adega, publicação nacional sobre vinhos, também já arriscou uma capa com vinhos albinos, nos seus três anos recém-completados, com o seguinte argumento: “Dez motivos para gostar dos brancos”.
“The change we need”, Barack Obama
Ou seja, é de se imaginar que esta nota não faça muito sucesso entre os leitores. O tema aqui, é claro, são os rótulos de uvas brancas, o patinho feio das vendas, a garrafa que a maioria dos consumidores nem dá bola na prateleira. Vamos pular aqui a história do vinho branco alemão da garrafa azul, para explicar o preconceito ao vinho branco entre os brasileiros – já cansou – e passar direto para o ataque.
“Vinho, pra mim, tem de ser tinto”, é uma das frases que mais ouço. Trata-se de uma injustiça. Os brancos são insubstituíveis com determinadas comidas, são refrescantes no verão e podem ser tão intensos, aromáticos e oníricos quanto os festejados tintos de alta qualidade.
Este blog não tem a pretensão de mudar o gosto de ninguém, muito menos educar quem quer que seja – militância até em vinho, que é um prazer, não dá! A idéia aqui é despertar a curiosidade. Se você realmente é um apreciador de vinho, os brancos merecem fazer parte do seu registro sensorial e gustativo. Os grandes rótulos, aliás, ao contrário do que estabelecem as regras, são servidos ao final da refeição, de tão surpreendentes que são. Em sua última visita ao Brasil, o produtor Aubert de Villaine, do superbadalado Romannée-Conti, reservou para o final da refeição um estupendo Montrachet, um chardonnay da região da Borgonha de beber de joelhos – mesma posição que deve ser mantida na frente do gerente do banco para bancar as despesas da garrafa.
Branco, mas não gelado como a neve
Vinho branco já começa errado no nome – a única bebida branca que eu conheço é leite, e não é o nosso business aqui. A cor, na realidade, vai do palha clarinho aos tons dourados, quase ouro. Branco se contrapõe a tinto, só isso.
O serviço deve ser em temperatura entre 8 a 10 graus. Mas se você gelar demais a bebida corre o risco de perder o leque aromático e as características de suas uvas. O gelado excessivo aplaina as papilas gustativas. O resultado é insípido. Preste atenção, então, para não esquecer a garrafa no baldinho de gelo, muito menos dentro do freezer! O inverso, quente demais, também é um desastre, a acidez ferve na boca e ninguém merece vinho branco quente!
Tempo, tempo tempo
No geral, os melhores brancos secos são os de safras mais recentes. Sim, claro, há as exceções. Mas o acerto é maior seguindo este critério de tempo. Vinhos leves e fresos não envelhecem bem. Cuidado então com as liquidações de início de ano com brancos do dia-a-dia de safras antigas. Se estiverem na bacia das almas, o potencial de problema é enorme…
Frutas brancas, cítrico e mineral
Aroma é um sinal de qualidade. Nos brancos, eles são de frutas brancas (o que facilita muito), como pêra, maçã verde, abacaxi, pêssego, maracujá e cítricos, como limão e lima. Os aromas minerais – petróleo, pedra de isqueiro e que lembram resina (isso é bom, acredite) – também são característicos de brancos mais evoluídos, principalmente nos riesling. O tempo na barrica e o envelhecimento em garrafa resultam aromas mais complexos, como mel, manteiga, um fumê.
O vinho vem da uva… e da vinícola
Os vinhedos para as uvas brancas costumam ser plantados em zonas mais temperadas e frias, ou com alguma influência de brisas marítimas, e costumam se aproveitar bem de solos calcários – aquelas conchinhas deixadas pelos mares de outrora que parecem brotar dos vinhedos de Chablis, na França. No Chile, por exemplo, os melhores brancos vêm da região mais fria de Casablanca. Em países como Alemanha, Áustria e até no Canadá a coisa chega no limite de as uvas serem colhidas congeladas para a produção dos chamados Ice Wine.
Além das uvas brancas, claro, a grande diferença está no processo de vinificação. Ao contrário dos tintos, a casca e a semente não fazem parte do processo de fermentação – aquele momento mágico que o açúcar vira álcool e a festa começa. Portanto, nada de dizer que seu chardonnay está tânico. Quem dá o tanino, e a cor dos tintos, é a casca da uva, que aqui é desprezada.
A fermentação se dá em tanques de aço inoxidável com controle de temperatura. O controle se justifica pelo seguinte, se a temperatura da fermentação for além dos 18 graus a coisa desanda. Para comparar: nos tintos a fermentação se dá entre os 24 e 30 graus, pois a finalidade é a extração da cor; nos brancos, o objetivo é preservar o frescor. No passado, quando esta tecnologia não era dominada, muitos brancos tinham sabor oxidado. Daí uma certa má fama que perdura. Portanto, vamos evitar simplificações: tecnologia não é ruim para o “mundovino” quando bem utilizada, ao contrário do que apregoam alguns xiitas das cantinas.
Depois do tanque, o vinho pode ou não amadurecer em barricas de carvalho, ou na garrafa, depende do estilo que se pretende atingir. Os chardonnay mais untuosos, mais pesados, geralmente passam pela barrica.
Brancos secos
Os brancos podem ser divididos em algumas categorias: secos, doces, fortificados e até espumantes, que não deixam de ser brancos. O foco aqui é o branco seco, se não este post fica interminável.
Eles podem ser refrescantes, fáceis e leves, quase uma bebida de verão, aquela para começar os trabalhos (exemplo clássico: a sauvignon blanc) ou cremosos, amanteigados, untuosos e de maior corpo (aqui reina a chardonnay), quem vão melhor junto às refeições. Mas só para chatear e evitar a monotonia, a regra não é engessada: há chardonnays refrescantes e ligeiros e sauvignon blancs profundos e de meditação, ok?
A propósito, pode aparecer uva tinta em vinho branco, e algumas uvas brancas entram na composição de alguns tintos, como no Rhone, por exemplo. Um exemplo clássico de tintas em vinho branco é o champagne, que tem a tinta pinot noir na sua composição. Mas esta é só mais uma das pegadinhas do mundo do vinho. Pra impressionar entre os amigos. Vinho branco, na grande maioria das vezes, vem das uvas de pele branca mesmo. (veja lista das uvas aqui)
Agora, se você perguntar a um crítico ou especialista qual a uva branca do coração, ele não vai titubear no veredicto: a riesling. Esta uva da Alsácia, na França, e da Alemanha, produz um líquido mineral, elegante, intenso, pouco alcoólico, coisa fina mesmo.
Branco, blanco, blanc, white, de onde ele vêm
As grandes vedetes dos vinhos brancos no velho mundo são a França (Borgonha, Chablis, Bordeaux, Alsácia, Loire) e a Alemanha. A Itália, Portugal e Espanha também têm suas regiões e principalmente castas nativas que resultam em produtos especialíssimos. A desconhecida Áustria também se destaca neste cenário (olha o riesling aí, gente!). No novo mundo, a Nova Zelândia brilha com a sauvignon blanc e a Austrália e os Estados Unidos com a chardonnay, Chile e África do Sul também têm o seu valor. O Brasil, artilheiro dos espumantes, esteve sempre na segunda divisão desta categoria, mas alguns rótulos interessantes de novas regiões de Santa Catarina e nas franjas do Uruguai começam a surpreender. (Conheça todas as regiões no mapa do vinho).
Por fim… ou quem sabe o começo
Fica combinado então o seguinte, da próxima vez que estiver em uma festa, numa reunião ou no restaurante e você estiver à procura de um tinto e o garçom vier com o branco, aceite. Não rejeite. Experimente. Ao contrário da piada infame do começo deste texto, ninguém morre de vinho branco.
Notas de rodapé
1. No próximo post, listarei alguns bons brancos de diferentes países que experimentei, gostei e dá para comprar.
2. Esta nota foi escrita na companhia de um sauvignon blanc da África do Sul, Porcupine Ridge 2007.
3. Esclarecimento final importante: este texto foi redigido em casa, e não na redação de VEJA.com!
Vc morreu?
Roberto,Já teve a oportunidade de provar o Gewurztraminer nacional da Cordilheira de Sant’Anna?