Os vinhos argentinos são um sucesso no Brasil. Só ficam atrás dos chilenos em volume – o que não impede que grupos chilenos tentem morder uma fatia a mais do mercado ao investir também na Argentina, como a Trivento e a Kaiken. Alguns rótulos argentinos já são bastante conhecidos entre os consumidores, como o Luigi Bosca, outros tantos ainda precisam ser desbravados, como os rótulos da Família Cassone. As duas vinícolas são tema deste post.
Por isso mesmo é comum a visita de enólogos e produtores ao Brasil para exibir seus vinhos em degustações, almoços, feiras e eventos. Os predicados são sempre poéticos (fruta, flores, tostados, macio, envolvente, etc), mas eles estão atrás mesmo é de mercado.
Para isso os produtores esmeram-se em mostrar seus vinhos mais elaborados, aqueles que exibem como um troféu, símbolo da qualificação de seus cachos de uvas maceradas e fermentadas. Se a isca funciona para chamar atenção, nem sempre revelam o melhor custo-benefício, ou o mais inusitado e surpreendente. Por dois motivos simples:
1. Estes vinhos top são muito mais caros, e por isso mesmo pouco acessíveis à maioria dos consumidores e incautos leitores deste blog
2. E por serem o topo da cadeia alimentar têm quase a obrigatoriedade de serem, no mínimo, bons. E geralmente são ótimos. Beberia todos os dias da minha vida se fosse possível. Mas não é disso que se trata.
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Ocorre que junto à exibição dos seus rótulos pesos-pesados (geralmente tintos), outros vinhos são mostrados, como uma espécie de “esquenta” para a grande atração. Pois é neste prefácio que, muitas vezes, os caldos mais surpreendem. É preciso, pois, provar com atenção todos os vinhos.
Recentemente dois produtores vieram mostrar de seus vinhos. O conhecida Luigi Bosca e o menos conhecida Familia Cassone. Após provar seus vinhos verifiquei mais uma vez o raciocínio descrito acima (isso vale para o Chile também, mas fica para outra coluna)
Luigi Bosca
O motivo da visita de Alberto Arizu, comandante em chefe da vinícola da família, a Luigi Bosca, foi uma vertical (a prova de várias safras de um mesmo vinho) do tinto Ícono. Foram cinco safras, da primeira de 2005 até aquela que nem está ainda no mercado, de 2009. Trata-se de um vinho excepcional, de vinhedos com mais de 90 anos das regiões de Luján de Cuyo, Vistalba, Las Compuertas e Finca Los Nobles e da mistura das variedades malbec (60%) e cabernet sauvignon (40%), sempre nesta proporção. As fermentação é feita em separado, de cada vinhedo e a degustação às cegas de cada terroir decide o corte final. É bárbaro! “Um equilíbrio entre a elegância e a potência”, segundo Arizu, que bebeu todas as taças até o fim, o que é raro entre os produtores que vêm mostrar suas crias. A boa nova para os bebedores de vinhos desta categoria é que a safra que está no mercado, a de 2008, está prontíssima para beber. Mas… para ter na adega uma das 6.000 garrafas produzidas deste caldo por ano é preciso desembolsar 500 reais, o que nos remete aos pontos número 1 e 2 acima.
Por um quinto deste preço (R$ 114,00), a mesma Luigi Bosca elabora um malbec de vinhas também antigas que é o bicho! Malbec Terroir los Miradores 2011. Já tinha provado este vinho em primeira mão em viagem a Mendoza este ano. Este segundo gole confirmou minhas primeiras impressões. Encorpado, mas com alguma frescura a acidez, ótima fruta, final longo. Macio. Coisa fina mesmo, e o rótulo, que mostra a raiz se aprofundando no solo representa bem a importância do solo (aluvial). “É importante a Argentina mostrar a importância e relevância do terroir”, indica Arizu.
E se a ideia for algo que abra o paladar para novas sensações, a dica é um riesling surpreendente de vinhas de 60 anos. Riesling Las Compuertas 2014. Floral no primeiro impacto, com muita fruta cítrica no nariz um toque de maça verde (zero da clássica descrição de “notas de petróleo”), na boca confirmam o cítrico e o pêssego envolvidos numa acidez que alarga o vinho no paladar e traz aquela salivação gostosa. R$ 86,00
Os vinhos de Luigi Bosca são vendidos pela Importadora Decanter
Familia Cassone
Meu primeiro contato com os vinhos da Familia Cassone foi em abril de 2014 no Encontro de Vinhos Off, organizado pelos competentes Beto Duarte e Daniel Perches. É aquele esquema de sempre, de um lado o produtor oferecendo seus tintos e brancos e do outro os consumidores curiosos estendendo a taça para conhecer os vinhos. No geral o paladar costuma dar “tilt” depois de vários goles meio sem critério, tamanha oferta de rótulos. Fui lá com minha taça, atraído pela mescla de cabernet franc – uma uva que sou fã – junto com a malbec e syrah de seu rótulo principal. O nome é meio presunçoso: Obra Prima Maximus Gran Reserva Familiar. Mas mostrou a que veio este gladiador de Mendoza. A safra 2011 levou 95 pontos do conceituado Guia Descorchados e a de 2008 90 pontos do Parker. Provei outros vinhos, seus malbecs, e cabernet sauvignon e no meio de tantos produtores foi uma marca que ficou na lembrança. O responsável pela operação brasileira, Marcelo Cassone, é daquele tipo que vende areia para camelo e fala e gesticula até convencer o consumidor. Acabei levando umas garrafas para casa.
Recentemente a Familia Cassone veio a São Paulo apresentar toda sua linha e o braço brasileiro da operação: 80% da produção é exportada e o mercado brasileiro é sempre importante. Os destaques eram o já comentado Obra Prima Maximus Gran Reserva Familiar 2011, que realmente é um belo trabalho do enólogo Federico Cassone, que na contramão da presunção do nome do vinho é de uma simplicidade cativante. O que vale é o vinho, não tem muita mistificação. E o vinho tem aquela boa potência, estrutura, 18 meses de barricas de primeiro uso, frutas, especiarias, mas tudo na medida que se encaixa num fim de boca muito atraente e macio. É o topo de linha da Família Cassone, e nem chega a ser tão caro assim (R$ 230,00). Mas…
…mas mais uma vez o que me encantou foi um outro rótulo que Federico trouxe na mala, que chegará em breve ao Brasil. O Obra Prima Blend Reserva 2012. Um blend de malbec (65%), cabernet sauvignon (20%) e cabernet franc (15%). Também uma expressão dos vinhedos de Luján de Cuyo, em Mendoza, mas mostra um caminho de leveza e fruta mais fresca que o enólogo vai impondo aos vinhos da casa. Aquele frescor que começa a ser privilegiado em alguns tintos sul-americanos (leia O Novo Vinho Chileno, mas gastronômico, mais natural) aliado a uma fruta gostosa, mais pura, menos pesada. O assemblage faz um balanço das frutas e a violeta do malbec se combina com uma amora do cabernet sauvignon (ou seria do cabernet franc?), um toque defumado e um tantinho herbáceo do cabernet franc. Um vinhaço que custará R$ 107,00 nas gôndolas de delicatessens e grandes lojas (não serão vendidos em supermercado)
Os vinhos da Familia Cassone são vendidos pela BFC/Brasil