A Concha y Toro é uma das maiores marcas de vinho do planeta. É uma referência, para o bem o para o mal, desde o iniciante dos tintos chilenos até para os amantes de bons rótulos. Na indústria local também se sente seu peso. Estive recentemente no Chile e não há produtor ou enólogo que não cite a empresa pelo seu tamanho, importância e volume para efeito de comparação, ou para se diferenciar em qualidade ou tamanho.
A Concha y Toro produz tanto tintos de consumo de massa, como a linha mais básica Reservado, ou de entrada como o Casillero del Diablo, como elabora ícones importantes. Don Melchor é joia da coroa. E tem suas regalias. É tratada como uma pequena vinícola dentro empresa, com equipe própria e dedicada. A safra de 2010 foi eleita entre os 10 melhores tintos do planeta pela lista anual da revista especializada Wine Spectator. A propósito, o Don Melchor já carimbou sua presença sete vezes na lista, sendo que três vezes entre os Top Ten (as safras de 2001 e 2003 em quarto lugar, a de 2010 em nono lugar).
Enólogo e galã
O cidadão da foto acima, com pinta de galã, atende pelo nome de Enrique Tirado. Ele é o responsável, desde a safra de 1997, pelo vinho que reúne uma pequena e exclusiva legião de admiradores brasileiros que transformaram o Don Melchor (muitas vezes chamado equivocadamente de “Don Melchior”) um objeto de desejo a cada safra lançada. Enrique Tirado, que tem um irmão gêmeo que também é enólogo (para diferenciá-los pessoalmente, basta reparar na cabeleira, seu irmão tem o penteado mais bagunçado que ele), é uma espécie de guardião do estilo e da tradição do Don Melchor. Ele mesmo explica o que vem a ser este estilo: “O que queremos é a expressar o cabernet sauvignon de Puente Alto, no Vale do Alto Maipo, nos Andes, com uma fruta viva e fresca”. Longe de entrar na discussão de mudança de estilo que atualmente atinge quase todas as vinícolas do Chile (menos madeira, mais fruta e acidez), para Tirado o objetivo permanece o mesmo: elaborar o melhor cabernet sauvignon que o vinhedo pode oferecer: “Não sigo moda que vai para um lado e depois vai para outro”, explica.
O que é que o Don Melchor tem
Basicamente o vinho tem uma consistência de qualidade e de estilo que revelam que ali naquele lugar o cabernet sauvignon é ator principal (90%) – também são cultivados poucos hectares de merlot (1,9%), petit verdot (1%) e cabernet franc (7,1%). Os vinhedos de Puente Alto, aos pés da Cordilheira Andes, são vizinhos dos terrenos de Chadwick e de Almaviva. Traduzindo: a papa fina do vinho chileno está reunida na região. Mas a elaboração de um vinho de exceção deste tipo não é mamão com açúcar. Para atender a alta expectativa em torno de cada safra e a fama conquistada, há muito estudo do terreno e das parcelas que compõem os vinhedos que vão fornecer as uvas que serão fermentadas e engarrafadas. São sete parcelas divididas em 127 hectares de terreno analisados minuciosamente em relação ao solo (se há mais ou menos pedras, profundidade das raízes, drenagem etc), clima, exposição ao sol.
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Os frutos destes vinhedos são experimentados nas parreiras ao longo dos meses e para a mescla final são provadas entre 120 e 150 mostras de diferentes parcelas já vinificadas que vão determinar o vinho que vai na taça. As provas selecionadas são enviadas para Bordeaux, na França, onde Enrique Tirado e o enólogo francês Eric Boissenot passam de três a quatro dias, em meados de julho, fazendo as escolhas que vão determinar o resultado final. Esta maratona de provas de cabernets de variadas parcelas, mais as outras variedades que podem ou não aportar outras notas ou complexidade ao vinho, têm um único objetivo: “expressar o melhor cabernet sauvignon daquele lugar”.
Dos 127 hectares cultivados, se aproveitam cerca de 60% a 70% das uvas, o que tem produzido em média cerca de 150.000 garrafas por ano. As uvas que são descartadas, que são de boa qualidade mas de alguma forma não ajudariam a compor o estilo Don Melchor, são usadas para outras linhas da Concha y Toro, como o Marques de Casa Concha. “Mas não passa de 5%, o que não vai alterar no resultado final do produto”, alerta Tirado, frustrando aqueles que podiam achar que comprando um Marques de Casa Concha estão adquirindo um segundo vinho do Don Melchor.
Como já se disse mais de uma vez, o Don Melchor é uma mescla de cabernet sauvignon com a possibilidade de adição, principalmente a partir de 1999, de cabernet franc, que raramente ocupa mais do que 3 a 6% na proporção total do blend. A safra premiada de 2010 e que está sendo trabalhada agora tem 97% cabernet sauvignon e 3% cabernet franc. A novidade que Tirado trouxe em primeira mão aos amantes da cabernet franc – como este que vos escreve – é que uma pequena produção da varietal da safra de 2013, sem a denominação de Don Melchor, já está engarrafada. E deve vir ao mercado em breve. A ver.
Novo rótulo
A safra de 2010 vem com uma novidade. O rótulo teve uma pequena alteração. Perde espaço o “brand” Concha y Toro, discretamente reduzido a um selo no canto superior do rótulo e ganham destaque a uva predominante (vou falar pela última vez, cabernet sauvignon, ok?) e o lugar de procedência: Puente Alto. Esta ação de marketing gerou uma discussão de um ano até a aprovação da mudança que deixou a etiqueta mais elegante, mas que em nada altera o vinho e sua percepção. Talvez para os novos entusiastas deste ícone, ou para aqueles esnobes que não queriam misturar a marca de volume (Concha y Toro) ao seu caldo de alto valor agregado, a mudança faça mais sentido. Na verdade todo mundo sabe que Don Melchor é Concha y Toro.
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O Don Melchor 2010 de fato tem uma coerência e uma linha de qualidade que impressiona. Provados numa vertical (várias safras) se notam diferenças aqui e ali, resultado do clima, da evolução e até mesmo da garrafa. “Há uma personalidade”, insiste Enrique Tirado, “mas claro que há diferenças que representam o ano da safra”. Ele passa em média 15 meses em barricas francesas de médio tostado. O que se prova não são os efeitos da barrica, mas a fruta, as especiarias, um toque de tabaco talvez. Tem a persistência dos grandes vinhos, a elegância de um cabernet sauvignon clássico, suculento como raros tintos e a percepção de um estilo.
Não é vinho para todos os dias (custa algo em torno de 430, 450 reais a garrafa), mas para um dia especial. Um vinho para se beber com atenção e prazer. Como um bom livro, dedicando um pouco mais de tempo ao seu consumo. Eu tenho um 2001 aguardando um momento na minha adega. A safra de 2010 promete. Para beber agora ou depois de alguma evolução, quando a data ideal chegar.
Publicado originalmente em dezembro de 2014
Simplesmente sublime!!
Só para que sabe apreciar o que é bom! Sublime
simplesmente espetacular!!!