Portugal redescobriu o Brasil. Ou melhor, os consumidores brasileiros redescobriram o vinho português. Talvez seja mais correto dizer, os importadores passaram a lotar seus contêineres com vinhos portugueses. O fato é que o relatório preparado pela Consultoria Ideal, obtido com exclusividade pelo Blog do Vinho, registra uma mudança e uma tendência nos números da importação de vinhos no Brasil: Portugal passou – e bem – a Argentina em volume e valor no ranking das importações no primeiro trimestre de 2017, comparado ao mesmo período de 2016.
- Leia também: É um vinho português, com certeza
- Leia também: Você conhece vinho argentino? Um passeio pelas regiões vinícolas
A virada
Portugal passou de 12% em volume e 10,8% em valor (janeiro-março 2016) para 17,3% em volume e 15,4% em valor no primeiro trimestre de 2017. Já nossos vizinhos argentinos, que tinham ligeira vantagem de 12,7% em volume e 14,8% em valor, estacionaram em 13,3% em volume e 14,1% em valor (veja tabela abaixo). Muito número, né? Vamos ficar apenas com o mais impactante: Portugal 17,3% X Argentina 13,3%. Para os fanáticos por futebol, uma analogia e uma simplificação: Cristiano Ronaldo 17 x Lionel Messi 13!
- Leia também: Vinhos Portugueses: O Douro e a dor de Dente
- Leia também: 50 vinhos argentinos que vale a pena conhecer – malbec de Mendoza
Para quem acompanha o mercado, ou mesmo as ofertas nas prateleiras de supermercados, os números são espantosos. Há alguns anos Argentina disputava com o Chile a pole position no ranking das importações (chegou a ter 30% da fatia do bolo). Hoje começa a competir com Itália pelo terceiro e quarto lugares. Ok, trata-se de uma auditoria do primeiro trimestre, mas é uma curva consistente e a gangorra está pendendo para nossos colonizadores portugueses, com certeza.
- Leia também: 50 top vinhos de Portugal e algumas escolhas pessoais
- Leia também: 50 vinhos argentinos que vale a pena conhecer. Parte 1 – Salta e Patagônia
Brasil na mira de Portugal
A razão desta mudança? Algumas hipóteses. O vinho, apesar de toda poesia, é um negócio. E é regido pelas leis do mercado, de câmbio, influenciado por ações de marketing e até pela diversificação e inovação do produto. Um aspecto da economia atual no Brasil é um euro mais atrativo que o dólar. Isso influenciou certamente o resultado. Quanto à estratégia global, Portugal tem enfrentado uma perda de clientes entres as ex-colônias na África, que baixaram a bola no consumo dos vinhos de seus antigos algozes (Angola ainda é importante). Portugal então apontou sua artilharia para Brasil para recuperar parte do mercado de exportação. Com isso, estamos assistindo a um acréscimo visível dos investimentos de produtores, associações e institutos lusitanos ligados ao vinho no Brasil (veja lista de eventos de junho no final deste post). Viramos um alvo.
- Leia também: Bacalhau e vinho: tinto ou branco?
- Leia também: 50 vinhos argentinos que vale a pena conhecer. Parte 4 – vinhos de Mendoza sem malbec
Segundo relatório do Euromunitor International Research Reports, o Brasil ocupa o 9º entre os principais mercados para o vinho português. O principal mercado é o interno, e pela ordem seguem Grã-Bretanha, Angola, Estados Unidos, Alemanha, Países Nórdicos, Canadá, China e finalmente o Brasil. O crescimento diagnosticado pelo Euromunitor indica, no entanto, um potencial avanço de duas posições neste ranking, com o Brasil ultrapassando China e Canadá no grid de exportação. O objetivo, nada modesto dos exportadores portugueses, é crescer 25% em valor no Brasil nos próximos três anos. A se checar a confirmação da tendência, nos resultados dos próximos trimestres.
- Leia também: Conheça os vários tipos de vinhos do Porto
- Leia também: Weinert um vinho argentino para quem gosta de tintos envelhecidos
Chile ainda lidera
E o Chile? Bom, o Chile continua dando um banho, com 42,6% das importações em volume e 42,9% em valor, sempre segundo o relatório da Consultoria Ideal. A soma dos três países que estão em 2º, 3º e 4º lugares (Portugal, Argentina e Itália) não ultrapassa o total dos chilenos. Mas… mesmo assim, o Chile perdeu um naco da sua presença neste primeiro trimestre no rateio total, caiu de 53% em volume para 42,6%. Isso não quer dizer que a invasão chilena de tintos e brancos arrefeceu. Em ordem de grandeza, o volume importado é maior até: 810.914,3 para 914.844,2. E aqui vem outra informação importante do relatório. Mesmo com toda crise, com toda lama, toda façanha, o vinho importado vai levando. Um crescimento de incríveis 40% em volume importado entre o primeiro trimestre de 2016 e o de 2017. De 1.525.368,1 para para 2.145.695,2. Estranhou estes números de volume? Cabe uma legenda: o volume é medido em caixas de 9 litros (no geral correspondente e 12 garrafas de 750 ml).
- Leia Também: Vinhos e vinícolas chilenas: anotações de uma viagem
- Leia também: Vinhateiros Independentes do Chile: pequenas vinícolas, grandes vinhos
Mas atenção: não fique animado com o crescimento do volume para abrir amanhã sua importadora ou e-commerce de vinho. Há um efeito da crise aí. Apesar dos índices de crescimento, o valor FOB diminuiu de 28,7 para 25,9 (em dólar). Não é à toa que os rótulos mais baratos dos grandes produtores inundam as prateleiras. Outra explicação chata e necessária: FOB (free on board) é o preço que o importador negocia para o vinho ser embarcado para o Brasil pelo produtor contratado, o resto é por conta dele (taxas, impostos, frete, etc).
- Leia também: Angelo Gaja, o porta-voz do vinho italiano de qualidade
- Leia também: Sob o sol da Toscana, uma visita à vinícola Antinori
Para Manuel Luz, consultor de vinhos da importadora Cantu, diretor de produtos da Sonoma e grande conhecedor do mercado, esta dança das cadeiras tem uma explicação: “Portugal comeu o mercado da Itália, do Chile e a Argentina estagnou no Malbec”. Luz, reconhecido sommelier — aquela gente que identifica groselha e trufas no tinto quando você só encontra vinho –, se especializou em traduzir números em tendências, e com isso ganha a vida gerando negócios para as empresas do ramo. E continua encontrando uma groselha aqui e uma trufa ali, por que esta brincadeira também é legal.
- Leia também: Os brasileiros preferem Malbec, cerveja a vinho tinto e o Chile lidera as importações
- Leia também: Marques de Casa Concha: um clássico chileno em mutação
Mudança também dos importadores
Outro dado bastante interessante que este levantamento da Ideal identifica é a mudança do perfil do share das empresas que trazem o vinho: os caçadores de cabernet sauvignon do mundo. Em 2013 as importadoras tradicionais eram responsáveis por 78,7% do total de garrafas de vinho. Os supermercados enchiam as prateleiras com 13,3% do total. Os .com (as vendas online), ainda uma novidade, engatinhavam com 2,6% do mercado. O cenário 2017 é outro: as importadoras encolheram para 51,7%, os supermercados mordem 25,8% e as iniciativas .com deram um salto para 13,5%.
Importante. O resto que faltou nesta conta (se é que você teve a curiosidade de somar o total) fica com a VCT, indicada na tabela, também conhecida como a importadora da Concha y Toro, a gigante chilena, que sozinha detém 9% deste mercado.
A tabela é clara: o e-commerce cresceu. Mas redobro o conselho, não saia correndo abrindo seu site de vendas online de vinhos na galega. A Wine.com e a Evino dominam este jogo, que não é para amadores.
Portugal se vende
Portugal foi para a guerra e não acovardou-se: tem feito várias ações de marketing por aqui, através de representantes das regiões vinícolas, importadoras, feiras, etc. O motivo é transparente como um alvarinho jovem: para vender um produto como o vinho é necessário antes de mais nada vender experiência, principalmente em um país sem a tradição de consumo de fermentados como o Brasil. Por isso assistimos a um aumento de feiras, degustações e eventos de vinhos portugueses no Brasil.
Veja abaixo algumas destes eventos programados para o mês de maio/junho:
Dias 31 de maio (RJ), 06 e 08 de junho, Brasília e São Paulo, a Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal (CVRPS) apresenta seus vinhos e produtores, entre eles o mais famoso, José Maria da Fonseca, o homem do Periquita;
De 23 a 27 de maio a importadora Qualimpor promoveu um tour com seus rótulos portugueses do Douro (Quinta do Crasto), Minho (Quinta do Ameal) e Alentejo (Esporão) e Porto (Taylor’s) no Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Jundiaí e Campinas;
2, 3 e 4 de junho, evento Vinhos de Portugal, no CasaShopping, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, com 70 produtores e 500 rótulos. O pessoal do Alentejo vem com uma tropa grande, apoiado pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) com degustações comentadas por Pedro Mello e Souza, Alexandra Prado Coelho, Dirceu Viana Júnior e Rui Falcão; Mais informações em www.vinhosdeportugalnorio.com.br. Os restaurantes do Shopping vão franquear a rolha do primeiro vinho para os visitantes que estiverem com pulseira do evento
Leia também: Vinhos de Portugal, um Pato aqui, um Pato acolá
6 junho, Prova Anual dos Vinhos do Porto e do Douro, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Evento com mais de 30 vinícolas e 200 vinhos para provas no Hilton Garden In
6 a 8 de junho, Portugal marca presença na 20a edição da ExpoVinis, a maior feira de vinhos da América Latina. A Importadora Adega Alentejana marca presença com stand próprio; Mais informações em https://www.expovinis.com.br/pt/home.html
8 de junho, Importadora Zahil lança a linha Sossego, com a presença de Luís Cabral de Almeira, enólogo da Herdade do Peso, da região do Alentejo;
9 e 11 de junho no Shopping JK Iguatemi acontece a versão de Vinhos de Portugal em São Paulo, com a presença do conceituado pelo jornalista e crítico de vinhos Luís Lopes; Mais informações em www.vinhosdeportugalnorio.com.br
10 de junho, em Minas Gerais, o projeto Aproxima – Vinhos do Alentejo, festa de rua que acontece Casa Fiat da Cultura. A partir das 10 h com palestras e degustações com produtores;
No dia 10 de junho, AEP (Associação Empresarial de Portugal), em organização com o Grupo Opal, organiza em Vitória (Espírito Santo) a Vinhos e Sabores de Portugal, uma prova de vinhos e produtos gastronómicos portugueses com a presença de importadores / distribuidores / imprensa e o público brasileiro.
Portugal é sem dúvida a bola da vez! nesse quesito, Cristiano Ronaldo está dando um baile no Messi.
Além dos aspectos citados na matéria, acrescentaria aqui o crescente afluxo de turistas brasilieiros rumo à terrinha. Vão lá conhecem, tem uma boa experiência e passam a consumir quando voltam.
No lado da Argentina, as questões internas, principalmente inflação, e o Malbec boom nos EUA, provocaram a queda para os hermanos. O vinho argentino ficou com a percepção de caros.
Valeu pelo complemento, Rodrigo. De fato a Argentina precisa de uma estratégia para recuperar terreno. Abraços Beto Gerosa
É a primeira vez que estou lendo essas maravilhas sobre os vinhos tanto de Portugal como da Nova Zelandia e confesso que estou aprendendo muito e vou ser leitor assiduo do blog do vinho. Muito Obrigado
Oi Pascoal,
Obrigado por seus comentário e pela sua visita. O Blog do Vinho tem 9 anos de posts acumulados e algum material para você se divertir. Apareça sempre. Um brinde, Beto Gerosa
Oi,
Eu moro em Portugal, e minha família é do Rio de Janeiro.
Queria enviar bons vinhos portugueses para a minha família. Gostaria de saber sabe se é possivel no Brasil receber vinhos enviados de Portugal. Qual o procedimento legal para esse efeito?
Agradeço a ajuda que pode dar,
Muito obrigada,
Cumprimentos,
Maria Martins
Oi Maria Martins.
Não conheço muito do assunto.
O problema de enviar vinhos para o Brasil, além da logística, são os impostos que são cobrados e as burocracias alfandegárias.
Como deve saber os preços dos vinhos portugueses aqui no Brasil, pós importação, são muito superiores ao de Portugal.
Algumas lojas da Europa oferecem serviço de entrega no Brasil, mas eles estão estruturados para isso, e também pagam impostos.
Entre as recomendações dos Correios que descobri aqui uma cláusula que limita bastante o envio do vinho sem imposto:
4.1. São isentos de Imposto de Importação as remessas postais ou encomendas aéreas internacionais enviadas de
pessoa física para pessoa física domiciliada no território brasileiro cujo valor aduaneiro não ultrapasse US$ 50,00
(cinqüenta dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra moeda.
De qualquer forma, vale se informar nas empresas de entregas e Correio local das possibilidades, mas garanto que não é algo trivial.
abraços
e obrigado por escrever aqui neste espaço
Beto Gerosa