O Uruguai é um pequeno país produtor de vinhos com um consumo de 24,5 litros per capita, para uma população de 3,4 milhões de habitantes. Um espanto, o Brasil patina em 1,8 litro per capita há anos. Também é um pais democrático e avançado nos costumes que está experimentando uma política ousada de descriminação da maconha para consumo próprio. País que liberou a cannabis e tem a uva tannat como porta-estandarte o Uruguai também produz vinhos diferentes e muito doidos.
A tannat ainda é principal uva, e a qualidade vem melhorando a taninos vistos. Mas há espaço para a ousadia e muitos vinhos exibem nos rótulos variedades tintas pouco esperadas para o país que se notabilizou pela imagem da tannat. Que tal um vinho uruguaio das uvas nero d’avila, sangiovese, zinfandel, tempranillo, pinot noir ou brancas como moscatel e marsanne? Topas? São vinhos elaborados com uvas em versões à capela (varietais) ou em duetos e trios, geralmente misturadas à onipresente tannat.
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Esta é uma das surpresas que o apreciador pode esperar de um país produtor de vinhos com apenas 7.000 hectares de vinhedos espalhados em um território de 176.000 quilômetros quadrados (só não é menor na América do Sul que a Guiana Francesa). A esmagadora maioria das vinícolas são formadas por pequenas propriedades familiares. A produção é artesanal, a colheita manual e as decisões se dão em torno da mesa, em casa. O que, de certa maneira, permite a experimentação de variedades diferentes sem consultar o departamento de marketing. Os vinhedos são beneficiados pela proximidade do Rio da Prata e pela diferença de até 12º entre o dia e a noite (fenômeno conhecido como amplitude térmica), assim as uvas amadurecem durante o calor do dia e descansam no frio noturno, obtendo maior acidez e frescor ao vinho.
Mas se a tannat é a uva mais conhecida e exportada, por que falar de vinhos diferentes, feitos com outras uvas? Bom, pra começar, o mais óbvio: é a oportunidade de fugir ao lugar-comum. E vinho é sinômino de diversidade. Do lado de quem produz, é o espaço para o enólogo e o viticultor exercerem seu talento e a experimentação. Para o consumidor é a chance de arriscar novas experiências.
Explicitado o tema, a proposta é listar alguns vinhos elaborados com variedades menos conhecidas do Uruguai, mas sem esquecer dos rótulos de tannat, cada vez melhores. Até por que:
- a tannat é, e continuará sendo, a principal uva do Uruguai. Originária da região de Madiran, sudeste da França, é cultivada desde 1870. Protagonista inquestionável, ocupa 49% dos vinhedos da região, seguido da merlot com 19%, cabernet sauvignon, 10%. Nas brancas, sauvignon blanc (32%) e chardonnay (20%) dividem a preferência, seguidas de 8% de viognier e 5% da albariño.
- a tannat é parceira ideal de churrasco. Os taninos da uva (o nome não é por acaso), combinam e ajudam a dissolver a gordura da carne. Vale lembrar que o Uruguai tem quatro vacas por habitantes, ou seja, o churrasco nem é escolha, é destino. No Tinder da harmonização, tannat e churrasco dão 100% de “match”. País ajeitado, não?
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Alguns vinhos uruguaios diferentes
Tannat com pinot noir, com zinfandel? Pinot noir do Uruguai? Nero D’Avola? Você se arrisca? Alguns exemplos de uns vinhos muito doidos.
Ombu Braccobosca 2018
Produtor: Bracco Bosca
Uva: Moscatel (branco)
Importador: Domno
R$ 107,00
Já no rótulo há um posicionamento: “vinos sin preconceito”. Este único branco desta lista é um moscatel que surpreendeu. A Moscatel muitas vezes causa calafrios nos formadores de opinião e palpiteiros de vinho por ser em geral muito doce e meio enjoativa. Este moscatel de Alexandria é seco, com um floral delicado da casta, mas sem a tal doçura pegajosa nos aromas e no paladar. Uma bela surpresa, um resgate de uma variedade antiga do Uruguai, desta vinícola comandada por Fabiana Bracco.
Tannat Maceración Carbônica 2018
Produtor: Francisco Pizzorno
Uva; tannat
Importador: Grand Cru
R$ 75,00
Aqui a inovação não está na uva, mas a maneira de vinificar a tannat. Como o nome sugere é um tannat de maceração carbônica, ou seja, a uva não é esmagada, a fermentação se dá dentro da fruta. O mesmo processo usado com a uva gammay que produz o Beaujolais. É um vinho doido na medida em que tira o caráter potente e de coloração escura da tannat e leva o vinho a outro estágio, de leveza, de fruta fresca. Um tannat light. Sommeliers e especialistas quando querem elogiar – ou não diminuir – um vinho menos complexo apelam para o conceito, vinho para comer com pizza. Ouvi isso. Mas acho que é um vinho que aponta outros caminhos para tannat.
Nero D’Avola Single Vineyard 2018
Produtor: De Lucca
Uva: Nero D’avola
Importador: Premium
A Itália tem uma óbvia influência no Uruguai na formação de seu povo. Um Nero D’avola é quase um tributo. Um vinho gastronômico, fresco e delicado. No mínimo é uma curiosidade para sair da mesmice de forma mais radical.
Artesana 2015
Produtor: Artesana
Uvas: tannat (55%), zinfandel (25%), merlot (20%)
Importador: Ruta 12
R$ 97,00
A vinícola foi desenvolvida por um americano, o que explica a zinfandel (outra uva identificada com um país, no caso os EUA). Uvas de características diferentes misturadas resultam num vinho interessante, de frutas mais maduras, álcool lá em cima (14,5%), amaciando a tannat tornando o caldo fácil de beber e apreciar
El Capricho Pinot Noir 2017
Produtor El Capricho Winery
Uva: pinot noir
Importador La Charbonnade/Ruta 12
R$ 79,00
Tem gente que acha que pinot noir fora da Borgonha é sacrilégio. Purismo tolo. Os pinot noirs do novo mundo são diferentes, não podem nem deve ser comparados com os franceses. Este exemplar também se diferencia dos chilenos e argentinos. Me parece mais sutil, mais leve, menos maduro. O rótulo é lindo, afinal se bebe com os olhos também.
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Petit Clos 2016
Produtor: Bodega Garzón
Uva: cabernet franc
Importador: World Wine
R$ 328,00
Contrariando o que escrevi acima, esta é uma grande vinícola para os padrões uruguaios. A Garzón vem amealhando prêmios e reconhecimento mundo afora. Tem uma pegada mais internacional e isso não é um demérito. Tem qualidades superlativas em vários rótulos. Escolhi este cabernet franc de uma parcela de apenas 1 hectare pois é um vinho que mostra a uva na sua plenitude e com o toque herbáceo fino, terroso e um final agradável, o que se espera de um grande cabernet franc
Grandes vinhos de Tannat 100% e em cortes tradicionais
Esqueça os tannat rústicos do passado. Há rótulos de excelente qualidade e para todos os bolsos.
Alto de La Ballena Reserva Tannat e Viognier – 2013
Produtor: Alto De La Ballena
Uvas: tannat (85%) e viognier (15%)
Importador: WineBrands
R$ 197,00
Corte com a pegada de vinhos do Rhone, onde a tannat é protagonista mas o tempero de 15% da branca viognier faz a diferença. O resultado é um tannat mais fresco, mais leve, frutado e agradável de beber.
Gran Reserva 2016
Produtor: Bodegas Carrau
Uva: tannat (50%), cabernet sauvigon (30%), cabernet franc (20%)
Importador: Vinhos do Mundo
Ainda no campo dos blends uma mistura onde o tannat predomina mas as cabernets auxiliam no aporte de fruta, do toque herbáceo, construindo a estrutura e potência do vinho. Uma espécie de Bordeuax uruguaio com a chancela de um produtor de qualidade reconhecida.
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Casa Grande Tannat
Produtor: Casa Grande Arte & Viña
Uva: tannat
Importador: All Wine
R$ 70,00
Um tannat com viés artístico. Rótulo divertido, do artista plástico uruguaio Gastón Izaguirre. Preço acessível e o tannat na sua mais pura expressão, equilibrado entre fruta, taninos e acidez. Para começar a conhecer a uva sem gastar muito.
Cerro Chapeu Reserva 2016
Produtor: Bodega Cerro Chapeu
Uva: tannat
Importador: Vinhos do Mundo
R$ 73,00
Uma mistura de tannat do Norte do Uruguai, de terreno arenoso e temperaturas mais altas e de uvas da região de Montevideo. O resultado é um vinho saboroso e pronto para beber.
Marichal Grand Reserve 2015
Produtor: Marichal
Uva: tannat
Importador: Ravin
R$ 228,00
Um tannat com um estilo velho mundo de ser, com terra úmida, tabaco, taninos resolvidos. Várias camadas de aromas. Vinho de curtição. 18 meses de afinamento em barrica. Final longo.
Narbona Liza de Luna Tannat 2014
Boega e Finca Narbona
Uva: tannat
Importador: Devinum
R$ 315,00
Vinho de respeito. Estagia 14 meses em barrica de carvalho e fica mais 27 meses na garrafa. São cinco parcelas de tannat colhidas e vinificadas de maneira diferente. Vinho estruturado, potente, carnudo.
Arretxea Tannat 2011
Produtor: Pisano
Uva: tannat
Importador: Mistral
R$ 225,00
Este é um super tannat da Pisano, uma vinícola que busca sempre a inovação. Ao tannat acrescentam-se 3% de petit verdot, aquele tempero que os enólogos salpicam e que a gente mal distingue. Rico em frutas maduras e nos aromas de especiarias. O tostado do carvalho é potente, bem tramado e vale uma decantada antes de servir. Ou guardar um tempo na adega.
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Massimo Deicas Tannat 2013
Produtor: Deicas
Uva: tannat
Importador: Interfood
R$ 1.1105
O enólogo Paul Hobbs passou por aqui e deixou suas marca resgistrada: potência&elegância. Começa com aromas imponentes, na boca entrega fruta madura, bastante suculento, o caldo bem integrado com o carvalho francês. Um dos melhores vinhos de um painel de 14 tannats provados numa MasterClass de vinhos uruguaios. Aí fui ver o preço: R$ 1.1105. É muita grana, não? Mas mantive aqui assim mesmo pois é uma amostra de um tannat topo de linha com seus predicados e pecados. Fecha o pano.
Muito bom…..Sugiro um post semelhante mas no Brasil…Há bons carmenéres, malbecs produzidos no Brazil, bem como cortes com uvas portuguesas, espanholas e italianas.
Oi Pablo, obrigado pelo seu comentário. É uma ótima sugestão. Sim, temos bons e surpreendentes rótulos no Brasil de uvas mais diferentes. Como o Uruguai é muito conhecido pela tannat, a ideia foi mostrar a diversidade de um local praticamente monotemático. Volte sempre por aqui. Abraços
Ola! Adorei o post e achei muito legal o seu blog!
Muito obrigada pela dica.
Jessica
Oi, Jessica
Que bom que você curtiu o Blog. Obrigado por sua visita e apareça sempre.
abraços Beto Gerosa