Trouxeram-lhes vinho por uma taça, mal lhe puseram assim a boca
e não gostaram dele nada, nem o quiseram mais.
sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500
Pero Vaz de Caminha
Quem conhece um pouco de vinho talvez já tenha ouvido falar do tinto português Pêra-Manca. A fama se deve um pouco ao nome insólito – que significa pedra manca, ou oscilante, e é uma característica de uma formação granítica de blocos arredondados soltos sobre uma rocha firme (muita gente boa achava que era um defeito na pata do cavalo do rótulo…) -, outro tanto pela tradição, já que seria este o vinho trazido pela nau de Pedro Álvares Cabral. A verdade é que a fama do vinho se deve à soma das curiosidades anteriores aliada a alta qualidade da bebida.
No primeiro teste em terras brasileiras, o vinho não foi lá um sucesso. No relato de sete folhas enviado por Pero Vaz de Caminha com suas primeiras impressões desta terra, os primeiros críticos – aquele povo que “andava nu, sem nenhuma cobertura” – detestaram o Pêra-Manca de antanho, como se lê na reprodução do trecho da carta que abre este post.
O Pêra-Manca é herdeiro de uma marca reconhecida desde a idade média, que teve seu apogeu no século XIX, a extinção no começo do século XX pela praga da filoxera e por fim o renascimento em grande estilo, em 1990, quando a Fundação Eugénio de Almeida passou a adotar o nome no rótulo de seus vinho mais importante.
Para ficar mais claro, o rubro e o branco que é o tema da coluna de hoje tem apenas 19 anos, somente nove safras lançadas, a primeira em 1990, mas não se exime de exibir sua rica história para justificar ainda mais sua posição de vinho ícone do Alentejo, com uma forte presença em terras brasileiras.
Rótulo mais “moderno”
Outra característica marcante do vinho, que eu achava sensacional, era o rótulo colorido, meio kitsh, que foi modernizado e simplificado, buscando, segundo a empresa “uma imagem intemporal que garantisse uma constante leitura contemporânea”, seja lá o que isso signifique. Para mim ficou mais sem graça e menos característico, só isso. Na imagem acima as etiquetas de 2001 e 2003 e as mudanças.
Lançamento exclusivo
Bom, se muitos ouviram falar do Pêra-Manca, poucos provaram – aí entra o valor de sua garrafa (R$ 648,00, a safra 2005). Raros felizardos então tiveram a oportunidade de degustar cinco safras do vinho: 1997, 1998, 2001, 2003 e 2005. A Fundação Eugènio Almeida, que administra a Adega Cartuxa, produtora do vinho, fez este agrado a alguns clientes da importadora do vinho e formadores de opinião.
A razão é simples, o Brasil é hoje o principal mercado de exportação dos rótulos do Pêra-Manca branco e tinto e o país foi escolhido para o lançamento da safra 2005 e 2007 (do branco), antes mesmo que em Portugal, que só vai desarrolhar as garrafas das novas safras em abril deste ano.
O Pêra-Manca tinto é sempre elaborado com duas castas, as portuguesas trincadeira e aragonês (lembrando, aragonês é o mesmo que tinta roriz no Douro e tempranillo, na Espanha). As vinhas, localizadas na região do Alentejo, mais precisamente em Évora, têm mais de 25 anos (a idade das vinhas é sempre mencionada pois é um sinal de qualidade; as plantas mais velhas possuem raízes mais profundas que trazem mais nutrientes para as uvas) e só viram mosto para o Pêra-Manca em safras consideradas excepcionais pela Adega Cartuxa. A bebida estagia por 18 meses em barricas de 3.000 litros e mais um ano na garrafa antes de chegar ao mercado. O perfil comum dos vinhos é sua força, intensidade de sabores e aromas, o toque da madeira bem integrada as frutas mais para compota e a longevidade. Como bom representante do Alentejo, são vinhos quentes.
Todo este cuidado, mais a fama de ícone do Alentejo = preço elevado. Lembrando, R$ 648,00 a garrafa. O que não afugenta os apreciadores, diga-se de passagem, já que safras anteriores estão todas vendidas. A explicação dos preços altos é aborrecidamente igual para todos os grandes vinhos. O Pêra-Manca não é exceção. Segue então a pergunta de sempre: vale o investimento? Vale comprar? A resposta, para ficar no universo lusitano, poderia ser: “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”, e o bolso é cheio, eu acrescentaria.
1997 a 2005
Uma prova vertical como esta – o mesmo vinho de diferentes safras – , é uma experiência didática. Quem ainda duvida da variação que um mesmo rótulo – afinal de contas elaborado com as mesmas uvas, de um mesmo vinhedo – pode atingir, deveria participar de uma experiência dessas e checar com seu próprio nariz e paladar.
Em rápidas pinceladas, minhas anotações da sequência.
1997 – parecia já estar atravessando o cabo da boa esperança, um chá preto, uma lembrança de porto vintage me deixou a impressão de uma evolução meio exagerada;
1998 – para mim o melhor das cinco provas, tinha evolução das frutas passas com grande intensidade, um vinho rico, com bom corpo e fino, que ficou exibindo novas camadas a cada gole;
2001 – pareceu mais magro e delicado no nariz e no paladar, um ano mais fresco na região, um outro estilo que eu não esperava de um Pêra-Manca;
2003 – o ano que os velhinhos morreram de calor na Europa tinha um perfil semelhante ao 98, mas mais novo, com menos complexidade, mas muito macio e envolvente na boca;
por fim 2005 – que é o que interessa pois é o Pêra-Manca que está no mercado: também agradou, tem o DNA de potência, riqueza, perfil aromático do Pêra-Manca, um toque mentolado. Começou bem, nem precisa esperar tantos anos na garrafa para agradar, efeito talvez da consultoria de Michel Rolland. Mas comparado aos outros ainda tem muito chão para revelar sua riqueza de sabores e aromas e justificar o preço. Algo na linha, é um Pêra-Manca até já te deixa contente, mas felicidade mesmo só daqui uns 5 anos, quando completar seu ciclo na garrafa.
Grana curta? Prova uma taça…
Para quem ficou salivando, não rasga dinheiro e mora em São Paulo, há uma alternativa. No Empório Santa Maria, na fabulosa máquina italiana de vinhos em taça, a Enomatic, com capacidade para 48 rótulos, uma tulipa de 30 mililitros de Pêra-Manca tinto sai por cerca de 29 reais. “São consumidas duas garrafas por semana”, informa um dos sócios do espaço, Bernardo José de Ouro Preto Santos.
Serviço
Adega Alentejana – importadora do Pera Manca no Brasil
Empório Santa Maria – Avenida Cidade Jardim, 790. Itaim, São Paulo
Roberto, gostaria de saber como conservar um jerez depois de aberto e por quanto tempo ? tenho um pedro ximenez antique – Rey Fernando de Castilla.Grato
Rodrigo,
O Pêra-Manca 2001 ainda aguenta mais uns dois anos, eu creio. Mas se você abri-lo agora, uma data especial, por supuesto, vai ficar feliz, com uma pegada mais delicada, se sua garrafa estiver igual à que eu provei. Harmonização é um campo minado. Eu acho que um boa idéia é um arroz de pato, um cordeiro, algo nessa linha. Conte para nós depois sua experiência.
abraçosRoberto Gerosa
Olá Roberto. Estou com a mesma dúvida que o Ruy Lopes. Encontrei um Pêra Manca branco 2006 por um preço bem inferior ao que você mencionou em relação ao 2005( R$149,00 a garrafa). Essa diferença é por causa da safra? Abraço.
Caro Ricardo,
O preço que eu mencionei é do Pêra-Manca tinto. Eles têm preços muito diversos. Para ter uma ideia, o Pêra-Manca branco 2007 é vendido por R$ 201,00 na importadora Adega Alentejana. Já o tinto mais recente, de 2005, sai por R$ 648,00. Talvez por isso você encontrou o Pêra-Manca branco 2006 por R$ 149,00. A propósito, um bom preço
abraços Roberto Gerosa
Me sinto prestigiada ao degustar um bom vinho a seu lado.
QUAL O VINHO BRANCO QUE SE APROXIMA DO PERA MANCA BRANCO?
Maravilhoso,é um vinho que trás em seu contéudo,a história do Brasil,é muito prazeiroso degustar este ícone de Portugal.
gostei do link bem esclarecedor para nós q trabalhamos na área, já tomei o 2003 e achei o mesmo nada fantastico para o preço que é vendido aqui em Recife