O terceiro círculo do Inferno de Dante Alighieri, do poema épico A Divina Comédia, é destinado aos gulosos. Apesar de não fazer parte da narração imagino que uma boa representação do inferno é uma garrafa de vinho tinto potente argentino, ou americano, bem alcoólico e de preferência quente, em meio a labaredas crepitantes e abundantes. Ou transpondo o cenário para os trópicos: o mesmo rubro bem concentrado, quase mastigável, numa taça de vidro servido embaixo de um guarda-sol na praia sob um calor escaldante do meio-dia. O inferno, aqui, não são os outros, são as escolhas erradas. No popular: tudo tem seu lugar e hora. E a última coisa que passa na cabeça e pela garganta de alguém que curte um vinho é escolher um tinto austero, e bebê-lo quente num ambiente tórrido. Sauna e vinho tinto não combinam. Mas isso não significa também que vinho tinto e verão são como Joaquim Barbosa e José Dirceu, ou seja, incompatíveis.
O senso comum dos enófilos aponta para as garrafas de vinhos brancos, rosés e espumantes para os dias quentes. Sem dúvida. É a indicação mais óbvia. Mas a proposta aqui é pensar “fora da garrafa”. Uma enquete do iG provocou os leitores do portal a escolher “a bebida do verão”, em múltipla escolha, em tempo real. O vinho branco foi o lanterninha – a água de coco e a cerveja tomaram a dianteira, bem à frente da caipirinha. A propósito, todo produtor e enólogo estrangeiro que vem ao Brasil – e eles são doidos para entornar todas as caipirinhas possíveis… – me pergunta por que um país tropical bebe tão pouco vinho branco? E eu sempre respondo: por que países quentes preferem bebidas, e comidas, quentes.
O tema aqui, é bom ficar claro, é bem específico: trata-se do desafio de beber vinho tinto na praia, sob o sol, no almoço na casa de campo, no fim de semana com a família rodeado de todos os modelos de ventilador resgatados do armário ou adquiridos às pressas nos grandes magazines ligados no máximo para amenizar o calor. Em ambientes controlados – com ar refrigerado no máximo – tanto faz estar no Alaska em companhia da Sarah Palin sorvendo um opulento californiano ou em Trancoso com o Bell Marques, do Chiclete com Banana, compartilhando um alentejano de 15 graus de álcool que o calor lá fora pouco importa (para quem não sabe, Bell é um bom conhecedor de vinhos e casado com a proprietária da importadora de vinhos, Anna Import, da Bahia).
Beaujolais, a grande pedida
Mas existem alternativas de vinhos tintos para o verão? Sim, há clássicos do gênero. Os tintos elaborados com a uva gamay, os beaujolais da vida (tanto os Nouveau quanto os Villages), são imbatíveis nesta categoria. São a tradução do frescor na boca e delicadeza de aromas nos tintos. O beaujolais se distingue dos demais caldos pelo processo de elaboração. Ao contrário da maioria dos vinhos, sua vinificação (e fermentação) não se dá pelo esmagamento das uvas, mas sim no interior da fruta. Este processo é conhecido como maceração carbônica. Funciona assim: os cachos das uvas são colocadas inteiros em um tanque sem oxigênio mas saturado de gás carbônico. As uvas da parte inferior do tanque são esmagadas pelas de cima e liberam seu mosto. Este suco inicia a fermentação e gera mais gás carbônico. A ausência de oxigênio no tanque produz a chamada fermentação intracelular, no interior dos grãos. A fermentação – transformação do açúcar em álcool – é feito portanto pelas enzimas no próprio interior da fruta e não pelas leveduras presentes no ambiente. E daí? Daí que este tipo de maceração carbônica – onde a uva não é prensada – se traduz em vinhos jovens, de cor mais clara e estrutura mais delicada e bastante aromáticos. A gamay desenvolve, principalmente no Beaujolais Noveau, aromas de rosas, frutas frescas e – podem acreditar, sem bufar um “Essa não!” – traços nítidos de banana. É cheirar para crer!
Também produzem caldos refrescantes e indicados para o verão pinot noirs mais simples sem passagem pela madeira, blends de carignan, cinsault, syrah e até cabernets francs de determinadas zonas mais frias. As italianas barbera, dolcetto e alguns vinhos Chianti de boa acidez também são boa solução. Há quem aposte em tempranillo espanhóis do tipo jovem, sem envelhecimento em barricas.
Saem de cena os tintos fechados, potentes, com frutas muito maduras, amadeirados e alcóolicos (14, 14,5, 15 graus!) e entram na ribalta os tintos menos alcoólicos, jovens, leves, frutados e sem estágio em barricas de madeira. Não são caldos que ostentam medalhas, pontuações acima dos 95 pontos e no geral tem preços mais modestos. São vinhos para desfrutar sem compromisso, ou melhor, apenas com o compromisso com o desfrute. Talvez não seja o vinho da sua vida, mas podem ser com certeza os vinhos tintos certos para embalar o seu o verão.
Sugestões ViG (Vinhos indicados pelo Gerosa) de tintos para o verão
O Blog do Vinho propõe a lista de rótulos abaixo, que no geral entregam frescor, corpo médio, frutas frescas e boa acidez e como tradição aqui neste espaço já passaram pela taça deste escriba.
Beaujolais
País: França/Borgonha
Uva: gammay
Teor alcoólico: 12,5 graus
R$ 54,00
Importador: WineBrands
País: França/Borgonha
Uva: gamay
Teor alcoólico: 13 graus
R$ 75,00
Importador: Mistral
Produtor: Louis Latour
País: França/Borgonha
Uva: gamay
Teor alcoólico: 13 graus
R$ 65,00
Importador: Aurora/Inovini
- Pierre Ponnelle Beaujolais-Villages 2008
Produtor: Pierre Ponnelle
País: França/Borgonha
Uva: gamay
Teor alcoólico: 12,5 graus
R$ 35,00
Importador: Santar
Produtor: Louis Jadot
País: França/Borgonha
Uva: gamay
Teor alcoólico:
R$: 76,00
Importador: Mistral
Produtor: Miolo
País: Brasil/ Campanha Gaúcha
Uva: gamay
Teor alcoólico: 12 graus
R$ 25,00
Vendas: Miolo
Outras uvas
Produtor: Domaines Perrin
País: França/Rhône
Uvas: carignan. cinsault. grenache noir e syrah
Teor alcoólico: 13 graus
R$ 44,00
Importador: World Wine
Produtor: Domaines François Lurtton
País: França
Uva: pinot noir
Teor alcoólico: 13 graus
R$ 69,00
Importador: Zahil
- Cheverny Rouge 2010 Domaine du Salvard
Produtor: Domaine du Salvard
País: França/Vale do Loire
Uvas: cabernet franc, gamay e pinot noir
Teor alcoólico: 12,5 graus
R$ 70,00
Importador: Decanter
Produtor: Quinta da Neve
País: Brasil/São Joaquim
Uva: pinot noir
Teor alcoólico: 12,5 graus
R$ 70,00
Vendas: Decanter
O IG precisa de conteúdo urgente ! O que um BLOG DE VINHO pode agregar a vida de um povo que na sua imensa maioria não tem um prato decente de comida todos os dias ?
Prezado Fabrício
Fico contente que você leia todos os posts deste Blog, pois você sempre faz o mesmo comentário. Mas deixe palpitar: talvez o Blog do Vinho possa contribuir no fomento da cadeia produtiva que envolve desde o cultivo, vinificação, comercialização e serviço do vinho. Mas podemos também pensar em suprimir todos estes empregos gerados pelo vinho, talvez possa ajudar a aumentar o número de pessoas sem um prato de comida à mesa.
Grato pela leitura. Respeitosamente, Beto Gerosa
fabricio,
este é um blog de vinhos! então comenta-se sobre vinhos, tem blog de perfumes, de joias, de carrões, saude, educação, politica, problemática social e por aí a fora, como ignorá-los se todos esses produtos existem.
Quantos não tem um prato de comida e nem fazem questão, querendo sim se encherem de cachaça????
Talvez eu tenha me expressado forte demais ! O que sugiro a você, como colunista de algo que a maioria do povo é supérfluo, quando não inácessivel, é que faça um trabalho que atraia a todos e quebre esse paradigma que o vinho é algo elitista. Sei que não é fácil, mas cito a cerveja como uma bebida popular e que todas as classes consomem. Fico triste com a ostentação e glamour excessivo de alguns donos de adegas que aparecem nas TV´s e RÁDIOS quando promovem o vinho com exclusivo intuito de vender. Sou da classe média, aprecio um bom vinho, porém acho que o modo como os degustadores da bebida se expressam é muito elitista. Podemos fazer isso de outra forma com certeza ! Eu procuro ser justo e abonimo que inferiorizem a PERIFERIA por viverem em condições discrepantes e repudio quem culpa as ELITES por suas mazelas. Somos todos brasileiros antes de mais nada ! Para ilustrar o que penso, cito a PESCARIA, que é algo que todos têm acesso, não importando se é com vara, rede, tarrafa, mergulho, barco, iate… Ricos e pobres desfrutam e nenhum dos lados fica lamentando… Inclusive garante o prato de comida a muito mais gente que o vinho ! Existe a igualdade de alguma forma, cada um desfrutando do modo que a vida lhe permite ! É por esse ideal que luto democraticamente instigando pessoas inteligentes como você para o debate ! Obrigado pela sua atenção e meus sinceros parabéns pela coluna !
Caro Fabrício
Obrigado pelo seu, agora, longo e embasado comentário. Concordamos em vários pontos, principalmente naquele que tenta tirar o vinho da sua torre de marfim. Há sim glamour excessivo e uma abordagem por vezes ridícula do mundo do vinho. Mas há também muita gente comprometida e batalhadora nesta indústria e uma infinidade de admiradores da bebida, que gostam de trocar experiências, e até aqueles que mesmo com seu vocabulário peculiar são honestos com suas análises. Este Blog do Vinho procura tratar do tema com algum humor, bastante informação e fugindo do elitismo. E respeita sempre a opinião de seus leitores. Dá uma navegada por outros posts que encontrará textos que podem trazer mais pontos de confluência do que de discordância. E apareça sempre. Obrigado mais uma vez por sua participação. abs
Adoro este Blog,já comprei vinhos indicados por aqui e gostei muito.Obrigado pelas dicas…
Caro Beto Gerosa e o amigo Fabricio que fez comentários acima:
Acredito que para se gostar e apreciar um bom vinho…temos que possuir o bom paladar! E como total leiga no assunto…apenas o aprecio! E este blog é sim de extrema importância para acabar um pouco com a nossa ignorância de brasileiro sem bom gosto…até para vinhos!! Quero aprender selecionar os melhores sim!! Um abraço!
Obrigado, Ana Santos, pela sua participação e comentário. Vale lembrar que este Blog se alimenta também da participação de seus leitores com comentários, sugestões e até mesmo corrigindo eventuais erros. Abraços!
Como um apreciador de vinho tinto,mas residente em região tropical,de clima quente úmido,achei interessante seu bloque na dissertação abalizada sobre a opção de outras variedade de vinhos tinto próprio para degustação na região amazônica, de uva gamay,os beaujoais., Grato pela dica…fa3.
Parabbéns ao colunista do Blog do Vinho tenho por vezes acompanhado as matérias, sou apreciador do vinho a longos anos, tenho o privilégio de morar ao lado da Argentina onde consigo bons vinhos a plrêços módicos, entretanto na coluna estou descobrindo novas varietais, t odos os comentaristas tem seu lado de ver e gosto pelo vinho, entretanto na hora de fechar a compra está no poder aquisitivo de cada um mas aconselho sempre pelo melhor. Parabé e bom proveito. Abraços.
Meu caro Beto Gerosa, tim tim !
Não gosto de degustar vinhos. Eu gosto mesmo é de beber vinhos, especialmente, se se tratar de um vinho de boa índole, de boas uvas nacionais ou alienígenas.
Já bebi de tudo… de bojolais, bordeaux a nacionais ruins.
Aprendi a apreciar vinhos quando trabalhei de “barman” num restaurante de São Paulo, na década de 70. Nunca mais abandonei este salutar costume. Gosto também de ler a respeoto e conhecer novas dicas de vinhos e uvas…
Aprecio muito todos os comentários desta coluna, pois visam apresentar ao Brasil as virtudes dessa bebida que não conhece fronteiras territoriais, nem distingue aqueles que querem (agora) se agregar a deliciosa mania de não apenaas degustar, mas de consumir caprichosamente um bom vinho, independente da origem !!! Um abraço, José Laurindo.
Parabéns pela Coluna “Blog do Vinho” !
José |Laurindo