A felicidade, dizia o modernista Oswald de Andrade, é a prova dos noves. A escolha de um (ou mais) vinho, tentando plagiar, é a prova dos 228. Explico, recentemente tive o privilégio de experimentar exatos 228 rótulos argentinos “in loco”. Foram almoços, degustações, minifeiras e visitas a vinícolas em território Argentino a convite da Wines of Argentina*. Deste mar de vinhos provados selecionei 50 rótulos que traduzem de alguma maneira a atual produção de tintos (mais estes) e brancos de qualidade que se faz hoje no país.
- Leia também: Você conhece vinho argentino? Um passeio pelas regiões vinícolas
- Leia também: Qual o melhor vinho argentino? Concurso escolhe os melhores em diferentes faixas de preço
Fui checar minhas anotações, as fotos dos rótulos e buscar na memória gustativa os vinhos que de alguma forma me impressionaram para esta seleção ViG (Vinho indicado pelo Gerosa) Argentina. Atenção, não se trata de uma lista dos melhores vinhos da Argentina, mas uma seleção da rica amostra de tintos e brancos que provei em uma semana em viagem por lá. Trata-se, como só pode ser, de uma seleção pessoal.
Por ser uma lista um pouco extensa, dividi a nota em várias partes, que serão publicadas ao longo da semana.
Para começar os vinhos de Salta/Cafayate e da Patagônia
Nas próximas notas, os vinhos indicados são da região de Mendoza – responsável por 80% da produção de tintos, brancos e espumantes no país
- grandes malbecs
- melhores vinhos de corte (blends).
- varietais de outras uvas
Vinhos de Salta e Cafayate
As parreiras estão localizadas entre 1.500 e 3.000 metros sobre o nível do mar (a região vitivinícola mais alta do mundo). A chuva é rara, 200 milímetros por ano. A colheita na região é realizada uma semana antes do que em Mendoza. Os vinhos têm uma ótima acidez e são mais amigáveis. A branca torrontés produz caldos mais sutis e menos exibidos na região. Os tintos são mais intensos pois o sol, mais próximo pela altitude, faz com que as frutas engrossem as cascas para proteger as sementes, e como se sabe é nas cascas que se concentram aromas, cor e outros elementos dos tintos. Além do malbec, vale conhecer os cabernet sauvignon e cabernet franc da região.
Bodega Colomé
Site oficial: http://www.bodegacolome.com/
Uva: torrontés
Importador: Decanter
R$ 56,00
A voz do vinho: a uva branca porta-estandarte da Argentina encontra aqui um representante à altura de seu marketing. A Bodega Colomé, do suíço Donald Hess, tem vinhedos plantados muito perto do céu. Localizados entre 2.300 e 3.100 metros de altura são considerados os vinhedos mais altos do mundo. Esta torrontés tem uma pegada mais seca, elegante e mostra uma ótima acidez, com bom frescor e frutas tropicais na boca. Levou o prêmio Trophie da AWA (Argentina Wine Awards) 2014.
Por que escolhi: torrontés menos floral e mais seca, mostra o potencial da variedade.
2. Cafayate Reserve Cabernet Sauvignon – 2012
Bodegas Etchart
Site oficial: http://www.bodegasetchart.com/
Uva: cabernet sauvignon
Importador: Pernod Ricard
R$: 31,00
A voz do vinho: a Etchart faz parte do grupo de bebidas Pernod Ricard. O vinho não chega a ser uma prioridade numa empresa que produz vodcas, uísques e licores. Mas o vinho é bem tratado aqui. Na região de Cafayate, de maior altitude, os tintos são mais intensos. Este cabernet sauvignon é da linha de entrada e agrada bastante no paladar. Sem complicações mas com uma boa fruta, passa seis meses em barrica, o suficiente para uma amaciada nos taninos e dar uns toques de baunilha. A cabernet sauvignon surpreendeu bastante nos vinhos argentinos. Em uma linha superior, o também Cabernet Sauvignon Gran Linaje é mais complexo e maduro e agradou bastante também.
Por que escolhi: bom vinho para o dia a dia.
Bodega El Esteco
Site Oficial: http://www.elesteco.com/bodega/
Uva: malbec 100%
Importador: Bruck
R$ 85,00
A voz do vinho: talvez o nome Bodega El Esteco não seja familiar, mas certamente Michel Torino é. Trata-se da mesma vinícola em fase de transição de nome. Dentro da vinícola o Hotel & Spa Patios de Cafayate oferece 32 suítes para quem quer se esbaldar de vinho e sossego. Este malbec de Cafayate passa 12 meses em barricas francesas e americanas. No nariz ele entra um pouco alcoólico, mas revela-se na boca com uma fruta vermelha gostosa, bem macio e com boa intensidade. Provei novamente este vinho em um restaurante em São Paulo e estava fantástico. Medalha de ouro no AWA 2014.
Por que escolhi: malbec de boa extração e fruta saborosa.
Bodega El Esteco
Site Oficial: http://www.elesteco.com/bodega/
Uvas: malbec e merlot
Importador: Bruck
R$ 85,00
A voz do vinho: apesar do nome, não é o tinto ícone da El Esteco. O top de linha leva o nome de Altimus, e é um blend das melhores uvas do ano selecionadas pelo enólogo Alejandro Pepa. O ícono é uma mescla bem realizada de malbec e merlot, macio, longo, com uma fruta ampla. Muito gostoso. Eu sempre sou da opinião que a malbec é sempre beneficiada quando misturada a outras uvas. Aqui está um exemplo. O rótulo, um sol desenhado pelo artista plástico uruguaio Carlos Paez Vilaró, recentemente falecido, se transformou em uma bela homenagem e traduz o clima da região.
Por que escolhi: um vinho ensolarado e feliz na homenagem.
Bodega El Porvenir de Cafayate
Site oficial: http://www.elporvenirdecafayate.com/
Uva: tannat
Importador: Vinhos do Mundo
R$ 79,00
A voz do vinho: primeiro da série de vinhos com assessoria do consultor Paul Hobbs que vai aparecer nesta lista. Alguns acusam Hobbs de pesar a mão. Discordo, ele tem vinhos de perfis diferentes em cada região. E boas surpresas. Mas aqui a estrela é o jovem e inovador enólogo Mariano Quiroga, que comanda a alquimia sob supervisão do americano. Este tannat é muito persistente no nariz, tem boa acidez natural. Prima mais pela elegância e longevidade. Um tannat oposto daquele estilo agressivo e ao mesmo tempo potente que estamos acostumados a tomar.
Por que escolhi: pela elegância. Este tannat não é agressivo, não luta UFC, pratica ioga.
6. Amauta Corte IV Cabernet Franc e Malbec 2013
Bodega El Porvenir de Cafayate
Site oficial: http://www.elporvenirdecafayate.com/
Uvas: cabernet franc e malbec
Importador: Vinhos do Mundo
R$ 79,00
A voz do vinho: o trabalho de Mariano Quiroga merece uma segunda indicação. Este rótulo está ainda para sair no mercado e é aquilo que Mariano define como vinho de autor. A cada ano a composição muda, com a decisão dos enólogos de usar as melhores uvas das melhores parcelas no corte do vinho. Aqui ele combinou o floral do malbec com a potência e o final de boca da cabernet franc e o resultado é espetacular. Belo trabalho de fusão da uva símbolo da argentina (a malbec) com aquele que os especialistas estão apontando como a grande vedete os próximos anos (a cabernet franc)
Por que escolhi: pelo trabalho do enólogo e a escolha das duas variedades de grande expressão na Aregrntina – malbec e cabernet franc
Bodegas Etchart
Site oficial: http://www.bodegasetchart.com/
Uva: torrontés
Importador: Pernod Ricard
R$: 55,00
A voz do vinho: olha o Paul Hobbs aí geeente! a safra 2009 deste vinho levou 92 pontos de Robert Parker, o que é espantoso para um branco sul-americano, ainda mais da uva torrontés. Tem uma pegada mais floral, característica da uva, mas com um belo rastro cítrico e boa acidez
Por que escolhi: um outro exemplo do potencial da torrontés, com bela expressão da uvas
Vinhos da Patagônia
Se Salta possui os vinhedos mais altos do mundo, a Patagônia exibe os vinhedos mais ao sul do planeta, no paralelo 39. Ao contrário das regiões de Salta e Mendoza, seus vinhedos estão entre 300 e 500 metros do nível do mar, proporcionando uma maturação mais prolongada das uvas. Por conta de suas condições climáticas, dos ventos frequentes, baixa umidade e ampla diferença térmica entre dia e noite (algo como 20 graus) na época da maturação das uvas, o nível de acidez que se obtém é alto, o que resulta em um bom potencial de guarda. O baixo rendimento dos cachos de uva impõe a produção de vinhos de qualidade. Inicialmente a região ficou marcada pelos pinot noir especiais, muito elegantes, de ótimo final de boca (temos alguns exemplos abaixo). Mas há um enorme potencial também para um malbec mais fino, sem tanta extração, mais sutil nos aromas e paladar e com uma fruta que enche a boca
8. Humberto Canale Old Vineyard Riesling 2013
Humberto Canale
Site oficial: http://www.bodegahcanale.com/
Uva: riesling
Importador: Grand Cru
R$ 78,00
A voz do vinho: uma uva incomum na Argentina, a riesling, assume na região dominada pelos ventos da Patagônia um caráter untuoso e ao mesmo tempo fresco. Um riesling que não pretende imitar os alemães ou da Alsácia, e por isso mesmo agrada por sua personalidade
Por que escolhi: pela inusitada variedade branca na Argentina
9. Saurus Barrel Fermented 2012 Pinot Noir/Malbec
Familia Schroeder
Site oficial: http://www.familiaschroeder.com/
Uvas: malbec 50% e pinot noir 50%
Importador: Decanter
R$ 206,00 (safra 2005)
A voz do vinho: interessante mescla com as duas melhores uvas da Patagônia, a malbec e a pinot noir, em porcentagens semelhantes. Difícil identificar nos aromas a uva predominante. Vem um perfume que lembra a malbec, depois outra cafungada e surge um toque terroso e de cereja da pinot noir. Bem legal. Tem a estrutura da malbec, a cor e a fineza da pinot noir.
Por que escolhi: pela ousadia do blend
10. Desierto Pampa 2009
Bodegas del Desierto
Site oficial: http://www.bodegadeldesierto.com.ar/
Uva: malbec
Importador: sem importador no Brasil
Preço médio: 30 dólares
A voz do vinho: outra vinícola com assessoria do consultor Paul Hobbs. São 18 meses de barricas francesas, o que aporta um toque de café e tabaco. Boa fruta fresca, macio, tem um bom frescor e uma fineza do malbec da região. Termina bem na boca. Algum importador se habilita?
Por que escolhi: pelo frescor e novidade
11. Fin Single Vineyard Cabernet Franc 2009
Bodega del Fin del Mundo
Site oficial: http://www.bodegadelfindelmundo.com/
Uva: cabernet franc
Importador: Mr Mann
R$ 175,00 (safra 2008)
A voz do vinho: a cabernet franc da argentina é uma variedade que merece atenção, vou insistir neste tema e trazer outras alternativas de cabernet franc de Mendoza na próxima lista. Os 18 meses de barrica dão toques de baunilha e coco, uma fruta mais madura no nariz e na boca, bem típica, um perfil de cabernet franc mais internacional, com toques de ervas. Equilibrado e delicioso. Medalha de ouro no AWA 2014.
Por que escolhi: belo exemplo de cabernet franc da Argentina
Bodega NQN
Site oficial http://www.bodeganqn.com.ar/home.php
Uva: pinot noir
Importador: Vinhos do Mundo
R$ 59,00
A voz do vinho: no terroir da Patagônia a pinot noir se beneficia do clima da região desértica e da altitude menos elevada. A região ficou marcada pelo marketing da pinot noir, mas nem sempre o resultado é assim uma bandeira a ser balançada. Aqui a pinot noir se revela delicada, fina, com aquela cereja típica da variedade e mostra especiarias no final de boca.
Por que escolhi: é um pinot noir mais acessível da Patagônia e com estilo.
13. Chacra Cinquenta y Cinco 2012
Bodega Chacra
Site oficial http://www.bodegachacra.com/
Uva: pinot noir
Importador: Ravin
R$ 398,00 (a safra 2010)
A voz do vinho: Vinho fino é outra coisa! Trata-se de um investimento do italiano Piero Incisa dela Roccheta, nada menos que o homem por trás do supertoscano Sassicaia. Tem preço de supertoscanos também. O nome vem do vinhedo antigo, plantado em 1955. Os vinhedos são orgânicos e certificados. O resultado é espetacular e de enorme tipicidade. Apresenta um nariz extraordinário e envolvente, profusão de cerejas na boca, terra molhada, delicadas especiarias. Para ocasiões especiais. Levou medalha de ouro no AWA 2014.
Por que escolhi: para compreender o potencial do pinot noir da Patagônia
14 Noemía 2011
Bodega Noemía
Site oficial: http://www.bodeganoemia.com/
Uva: malbec
Importador: Vinci
R$ 388,00 (safra 2008)
A voz do vinho: Estes italianos não são bobos. Outro empreendimento europeu na Patagônia, este da Condesa Noemi Marone Cinzano, em parceria com o enólogo Hans Vinding-Diers, o mesmo do Chacra acima, a propósito. Os caldos engarrafados na bodegas Noemía são a prova de que a malbec varia muito de região para região, e aqui a uva se pauta pela finesse, delicadeza, um perfume sedutor, uma intensidade marcante, passeia pelo copo e pelo paladar por um bom tempo. Alia potência e elegância, sempre fino, na busca da excelência do terroir orgânico e biodinâmico.
Por que escolhi: não é barato, mas é um dos melhores malbecs da Argentina, consistente em todas as safras que provei.
Quimay
Site oficial: http://manosnegras.com.ar/
Uva: malbec 100%
Importador: (sem importador)
R$ (em torno de 30 dólares na Argentina)
A voz do vinho: o nome da vinícola– localizada na região de Neuquen -, é uma homenagem aos trabalhadores que botam a mão na terra para dela extrair as uvas que fermentadas se transformam em uva. Potente, tem aquele licor de cacau exibido no paladar e uma sensação agradável na boca, textura sedosa. Mais um exemplo das possibilidades da malbec da Patagônia. Um belo site apresenta a bodega e a visão dos quatro sócios sobre a missão de seu trabalho.
Por que escolhi: me encantei com o vinho, adorei o site
Preços coletados em abril de 2014
* Declaração: Este colunista esteve na Argentina a convite da Wines of Argentina, onde provou 228 vinhos, visitou várias vinícolas e teve contato com dezenas de produtores. Desta boca-livre resultou o texto produzidos neste post sobre os vinhos argentinos.
Publicado originalmente em abril de 2014
Prezado Beto,as suas sugestões são muito boas,porém estou procurando um vinho da região da Patagônia chilena que estou com dificuldade de encontrar.Trata-se do Ramirana da Ventisquero.Será que preciso ligar para a importadora e ter que comprar uma dúzia para experimentar este vinho ou posso encontra-lo em alguma loja de São Paulo?Será que vc poderia me ajudar?Abraços!
Olá, Nelson
Obrigado por participar do Blog do Vinho e pelos elogios.
Quanto ao Ramirana, ele é importado pela Cantu. Passei sua reclamação para eles que devem dar uma resposta que publico aqui assim que receber, ok?
grande abraço
Caro Beto, ando a procura de um vinho argentino cuja garrafa tem um rótulo preto com o desenho de um touro estilizado em tom de vermelho. Não lembro a safra nem a uva.
Grato
Carlos Gonçalves
Vinhos
Realmente o Torrontés Colomé é um excelente vinho. De modo especial se tomado lá em Salta, acompanhado de uma salteña picata do Doña Salta, assada em forno de lenha. A acidez da uva, de casca mais firme traduz com perfeição o clima seco e terrenos quase de deserto onde são plantadas as parreiras. Na categoria dele, reputo como um dos mais saborosos que já tomei.
Prezados, estou procurando um vinho tinto, argentino, cujo nome inteiro não consegui ler , mas as primeiras letras são ESTIV… Agradeço
Oi Eduardo,
Missão um pouco difícil. O Catena tem um vinho com o nome de Estiba. Existe um vinho português, do Douro, chamado Esteva.
abs