“O vinho é uma substância viva, e tudo que está vivo se modifica, até atingir o seu fim”
Hugh Johnson, em A Life Uncorked
O tema da guarda do vinho é sempre polêmico. E fala mais de perto aos especialistas que aos consumidores, mas vale um texto neste blog. Quando instigado aconselhar os mais jovens sobre a vida, o dramaturgo carioca Nelson Rodrigues (1921- 1980) tinha a resposta pronta: “Envelheçam”. O mesmo adágio, no entanto, não pode ser aplicado sempre a todos os tipos de vinhos – ao contrário do que se pensa o senso comum. Nem todo caldo tem no seu DNA as condições de evoluir com o tempo. Muito pelo contrário, a maioria esmagadora dos rótulos é lançada para consumo imediato. Da prateleira direto para a taça.
A longevidade depende de alguns fatores, como o índice de teor alcoólico, nível de açúcar e quantidade de acidez da bebida e, para os tintos, da qualidade dos taninos. Muito importante também nesta equação é a qualidade da adega, da rolha, de onde afinal as garrafas acompanharão o passar dos anos. E nem todos os vinhos envelhecem igual. O envelhecimento, na realidade é uma troca, um pacto entre o consumidor e o vinho. Ganha-se algumas coisas e perdem-se outras.
Os tintos mais jovens, com muita fruta e potência, por exemplo, não ganham muito com esta troca. Ao contrário, perdem suas principais características e qualidades pois não têm estrutura para envelhecer. Já os vinhos com capacidade de guarda, mesmo os do novo mundo, podem perder a exuberância de frutas com o tempo na garrafa, mas os taninos se amaciam e o conjunto fica mais equilibrado e harmonioso, a madeira se integra mais à bebida. Surgem neste estágio aromas e sabores deliciosos e oníricos, tornando o vinho mais complexo e fascinante. Quem já provou um tinto que evoluiu bem com os anos sabe do que eu estou falando.
Tempo, tempo, tempo
Os Barolos, da Itália, normalmente são fechados e tânicos na juventude e necessitam de anos de guarda para oferecer o seu melhor e mostrar toda sua exuberância e complexidade. Grandes vinhos de safras excepcionais geralmente estão fechados – com pouco intensidade aromática e gustativa – se consumidos muito cedo. Percebe-se toda a estrutura da bebida, mas os aromas só vão aparecer depois de um longo estágio na adega. Abrir um grand cru de Bordeaux 2005, considerada uma das melhores safras de todos os tempos, antes de dez, quinze anos é tratado como um infanticídio entre os especialistas. Bom, até isso já mudou um pouco, mas a regra ainda vale. Mesmo os Bordeaux de alta gama já saem das vinícolas cada vez mais prontos para serem bebidos. É um tendência, mas que não elimina a capacidade de evolução na garrafa. Se o proprietário de uma dessas garrafas perderá com esta decisão o melhor que aquele rótulo pode oferecer em intensidade, complexidade e sabor, é sempre uma questão em aberto.
Quem espera sempre alcança?
Deixar a garrafa descansando na adega, é bom ressaltar, não é o comportamento mais comum do consumidor, mesmo dos chamados vinhos da tropa de elite. Pouco importa que a resenha do mais badalado crítico – aquele mesmo que você está pensando – aconselhe esperar até 2015. Até por que dificilmente alguém vai ter a pachorra de reler a crítica de cinco anos atrás para checar se o sujeito acertou ou não no prognóstico…
O diretor técnico e enólogo do incensado Almaviva, Michel Frou, revelou que 95% da safra de seus vinhos são vendidos no ano que são colocados nas prateleiras. Imagina-se que grande parte deste lote seja consumido imediatamente após à compra ou nos meses seguintes.
Para o consumidor, portanto, trata-se de uma aposta no futuro. Existe um auge teórico – o Everest da curva de evolução -, em que boa parte da fruta permanece viva e praticamente toda a complexidade do envelhecimento se mostra. Quem tem paciência de esperar anos até que uma garrafa atinja seu ponto máximo, definitivamente tem fé na vida. Eventualmente, pode deparar com um vinho decrépito ou mesmo oxidado. Mas esta é parte da magia que seduz milhares de bebedores pelo planeta, e que afasta outros tantos desta esperança no apogeu. Como se diz entre os entendidos, “não há grandes vinhos, mas grandes garrafas”. O tempo só vem comprovar este ditado.
* este texto foi publicado originalmente na coleção Vinhos do Mundo, aqui aparece editado com acréscimos.
Excelente artigo que, além de tudo, coloca o vinho em uma postura menos idealizada sem deixar seu requinte de lado.
Beber um vinho jovem não é sinônimo de não-paciência, de falta de dinheiro, de paciência, disposição, etc. Beber um vinho jovem é uma opção tão interessante quanto a de beber um vinho de guarda.
Ótimo artigo. Realmente é importante esclarecer, senão ficamos sempre com a máxima de que “vinho bom é vinho velho”…
Um abraço
Daniel Perches
Realmente guardar um vinho é um exercício de paciência… Guardo garrafas de Brunellos di Montalcino da bela safra de 2001 para beber no aniversário de 18 anos de meu filho, que, como o vinho, nasceu em 2001. O moleque sempre confere na adega para ver se eu ainda não tomei sozinho o vinho dele… E eu fico sempre pensando se ele vai se importar se eu abrisse agora… Acho que vai! O jeito vai ser esperar os 9 anos que faltam, e que passam bem rápido.
Já se passaram12 anos, e aí, abriu?
Como você mesmo disse: “tem que ter fé na vida”. Fico imaginando, guardar um vinho pra uma ocasião especial daqui a uma década ou mais e não se chegar lá….
É melhor garantir a satisfação no presente ou projetar uma comemoração no futuro?
Ao longo de nossa vida, aprendemos e cada vez mais, gostámos de vinho. Há uma cumplicidade, respeitável entre os amantes de vinho, na questão idade e tipo de uvas. A utópia da idade, faz parte daquilo, que nós, realmente queremos, daquilo, que tornaremos real. Alguns vinhos, necessitam, sim,de envelhecimento, porém se abrirmos antes do tempo convencionado, por engano, logo teremos, uma nova sensação, um novo prazer. Porque o vinho, quando o degustamos, sua ação é de saúde, alegria, amor e cumplicidade.
Há como viver bem sem ter fé na vida???
Ótimas dicas, o blog esta de parabéns, e sempre compro no site http://www.vinhobr.com.br/ vale a pena conferir.