Quando falta inspiração aos cronistas, o tema de suas colunas acaba sendo a própria falta de assunto. “A felicidade é uma suave falta de assunto”, exaltou Rubem Braga, um dos nossos maiores cronistas, no texto A boa manhã, em que narra o fragmento de uma manhã plena. “Chupo uma laranja, e isto me dá prazer. Estou contente. Estou contente da maneira mais simples – porque tomei banho e me sinto limpo, porque meus braços e pernas e pulmões funcionam bem; porque estou começando a ficar com fome e tenho comida quente para comer, água fresca para beber.” (leia a crônica na íntegra aqui).
Um colunista de vinhos quando está sem um tema preciso recorre às garrafas que tomou, afinal é parte de seu dia-a-dia, como o cotidiano descrito por Rubem Braga. Foi esta a ideia que me passou pela cabeça enquanto divagava sobre o que escrever e corria aleatoriamente com os dedos as fotos digitais do celular, e vi passando os rótulos que havia consumido recentemente. Fiquei surpreso com a quantidade de países que iam aparecendo na telinha. Esta é uma vantagem que temos no Brasil. É, o vinho é caro, tem os impostos e tudo mais. Mas ao contrário de grandes produtores de vinho, como Chile, França e Itália, onde a oferta é geralmente limitada ao vinho da região, no Brasil a globalização se manifesta na variedade de garrafas de todo o mundo disponíveis.
Um passeio por um corredor de bebidas de supermercado é uma espécie de ONU do vinho. Os catálogos das grandes importadoras é organizado por países para comportar a enorme variedade de regiões e rótulos de língua estrangeira. Os bancos de dados virtuais, as páginas web de vinho e as redes sociais sobre o tema são uma Babel dos fermentados. É a variedade de terrenos, climas, uvas e produtores que fazem a beleza do vinho e a multiplicidade de estilos. Tem gente que acha complicado – e é. Tem gente que se apaixona pela bebida exatamente pelo leque de opções disponível. As duas constatações são verdadeiras, mas não são excludentes.
Por isso mesmo, voltando ao parágrafo inicial, impulsionado pelos instantâneos dos rótulos arquivados no meu celular revolvi fazer uma seleção globalizada de sete vinhos de sete países diferentes como tema da coluna. E para comprovar a tese da variedade, cada qual tem sua pegada, estilo e preço. Afinal, o mundo do vinho é vinho de todo o mundo. Talvez algum te agrade – ou desperte a curiosidade em prová-lo. Talvez te desagrade, e o campo de comentários é o espaço para criticar a escolha, e propor a sua própria lista. Como diria Rubem Braga “Nenhuma tristeza do mundo nem de meu passado me pega neste momento”.
7 vinhos de 7 países
Brasil – Tuiity
Salton Intenso Merlot
Produtor: Salton
R$ 31,00
A recém-lançada linha Salton Intenso (Malbec/Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot, Merlot/Tannat, Sauvignon Blanc/Viognier) veio substituir nas gôndolas, para o consumidor final, a Linha Volpi – aquela das bandeirinhas. Na minha opinião, a troca foi para melhor. O Volpi, correto na sua faixa de preço, tinha uma certa atração excessiva pela madeira, que encobria a fruta. A mudança deve ter suas razões mercadológicas e industriais, mas o importante para nós é que trouxe um frescor adicional à linha da Salton. O merlot da linha Intenso é o meu destaque entre seus pares. Macio, uma boa fruta, agradável, fácil de beber. E acessível. Como dizem os brasileiros um “best buy”.
Leia mais: Como escolher o vinho certo para o seu pai
Terrazas Reserva Malbec 2011
Produtor: Terrazas de los Andes
R$ 65,00 – Importador: Moët Hennessy do Brasil
É sempre bom retornar a um mesmo vinho várias vezes e confirmar sua constância. O Terrazas está presente nos supermercados, cartas de restaurantes e lojas de vinho. Um blockbuster, mas nem por isso sem qualidades. Quem costuma beber vinho já provou. Este malbec de altitude (1100 metros sobre o nível do mar) é elaborado há 22 anos em terrenos selecionados para extrair o melhor desta uva que virou símbolo de vinho argentino. 2011 foi um ano quente e gerou este malbec de cor escura, aromas iniciais de flores e depois um pouco de coco e um cafezinho se esquecido na taça bastante tempo. Concentrado, bem estruturado, maduro, carnudo com um fruto negro. É um clássico argentino, daqueles que “não tem erro”. Provei outro dia com um steak tartar e mandou bem.
Antiguas Reservas Cabernet Sauvignon 2010
Produtor: Cousiño Macul
R$ 50,00 – Importador: Santar
Uma vinícola que pertence à mesma família desde 1856 é um espanto. É tão próxima de Santiago que é possível chegar lá de metrô. A Cousiño Macul está na sua sexta geração no comando dos tintos e brancos e mantém uma certa tradição no estilo. O Brasil é seu mercado número 1 de exportação. Tenho de confessar que tenho uma ligação emocional com a vinícola. Foi servido um vinho da Cousiño Macul no meu casamento, que assim como os bons fermentados só melhora com o tempo (leu essa, meu amor?). O Antiguas Reservas existe há mais de 80 anos, sempre de uma seleção dos melhores vinhedos da Cousiño. O que me agrada neste vinho de preço muito razoável é seu estilo clássico, uma mistura de europeu com novo mundo, sem exibicionismos ou madeira excessiva, na medida para revelar sua fruta, os aromas de cerejas e aquele sutil toque de especiarias. Carlos Cousiño, um dos irmãos que toca o negócio, tem formação de filósofo, atua na área da educação, e defende a manutenção do estilo de seus vinhos. Bom papo, além dos bons vinhos me apresentou um clássico poeta chileno: Vicente Huidobro.
Leia mais: 10 dicas de como escolher e comprar o seu vinho
Robert Mondavi Private Selection Cabernet Sauvignon 2001
Produtor: Robert Mondavi/Constellation Brands
R$ 69,00 – Importador: Interfood
A influência de Robert Parker, dos pontos da Wine Spectator e outras czares do vinho criou em certo ambiente refratário ao paladar americano, que estaria mais próximo de um vinho muito alcóolico, doce e potente, com muita madeira. É uma generalização tola. Os Estados Unidos são um mercado enorme, e produzem vinhos finos, elegantes, da mesma maneira que cometem aqueles caldos para quem aprecia mastigar uma madeira e mascar um chiclete em forma de vinho. Robert Mondavi tem uma importância seminal para a vinicultura americana, com ramificações em outras partes do mundo. Hoje em dia a empresa não é mais da família, mas mantém vivo o espírito do autor. Este Private Selection Cabernet Sauvignon é uma linha intermediária, muito correta. O caldo é fermentado tanto em toneis de inox como barricas de carvalho e matura mais 17 meses em carvalho francês (curioso, não?), apenas 15% novos. Além do cabernet sauvignon, entram na mistura 12% de merlot, 4% de cabernet franc e 1% de syrah (não me perguntem a diferença que faz este 1% de syrah…). É um vinho macio, com boa fruta, amplo, gostoso de beber, um toque herbáceo e o tostado da barrica aparece como virtude e não como defeito. Para quem tem curiosidade de provar um Zinfandel, na mesma linha e preço há um Private Selection bastante agradável, frutado e fácil de beber.
Chaminé Tinto 2011
Produtor: Cortes de Cima
R$ 70,00 – Importador: Adega Alentejana
O que acontece quando se juntam um dinamarquês, uma americana e um vinhedo no Alentejo? Um bom vinho com uma boa história, ora pois. A adega Cortes de Cima, do casal Hans Kristian Jorgensen (enólogo e viticultor) e Carrie Jorgensen (relações públicas e marketing), produz vinhos de primeira linha no Alentejo, sendo que o topo de linha entrega a origem do enólogo, chama-se Hans Christian Andersen, um 100% syrah. Mas o vinho em foco aqui é outro, é de sua linha mais básica, mas nem por isso menos suculento e perfumado. Trata-se do Chaminé, uma mistura de 50% aragonez, 23% de syrah, 19% de touriga nacional, 4% de alicante bouschet, 2% de cabernet sauvignon e 2% de petit verdot, uma assemblage mezo uvas nativas/mezo internacionais da sempre quente região do Alentejo. O aroma de frutas vermelhas é muito perceptível e agradável, a boca é macia e também frutada. É um vinho jovem, com espírito idem e para ser bebido logo. Agrada fácil e costuma aparecer por aí em ofertas de supermercados.
Leia mais Quinze sugestões para aproveitar melhor o vinho
África do Sul – Stellenbosch & Elgin
Pinot Noir 2011 Reserve
Produtor: The Winery of Good Hope
R$ 78,00 – Importador: Qual Vinho?
O crítico de vinhos John Platter, autor de um guia de vinhos da África do Sul com seu nome (Platter’s South Africn Wines), já me disse em uma entrevista há muitos anos que a pinotage –a uva nativa de lá – não é o melhor daquele país, se bem que me garantem que houve uma bela evolução. Ele indicava outras tintas, como syrah, merlot e a pinot noir. Aqui temos um bom exemplo de um vinho de preço interessante e bastante tipicidade. The Winery of Good Hope atua há 15 anos na região montanhosa de Stellenbosch, e foca sua produção na branca chenin blanc e na tinta pinot noir. São adeptos de uma viticultura mais natural e de mínima interferência na vinificação. Foi a primeira vez que provei o vinho e me conquistou pela pureza, leveza e frutado gostoso, um toque terroso sutil. Li no site da empresa que é elaborado com uvas da variedade pinot noir de dois terrenos diversos: uma região mais quente de montanha e outra próxima de influências de brisas marítimas. Daí deve vir o frescor e a mineralidade que fazem deste vinho novo (é de 2011) uma agradável descoberta.
Gevrey-Chambertin 1er Cru Les Cazetiers 2009
Produtor: Louis Jadot
R$ 754,00 (U$ 238,50) – Importador: Mistral
Se você engasgou no preço e pensou “tá de brincadeira, né?” deixa-me explicar. Trata-se de uma joia rara da vinicultura. São apenas 5 barris produzidos por ano. A Borgonha não é para iniciantes, muito menos para quem procura custo benefício. A Borgonha é para quem procura pérolas nos vinhedos, e busca mais que um vinho, uma espécie de elixir da elegância. Este exemplar de Loius Jadot – que tem uma ampla linha de borgonhas, dos mais básicos aos mais inebriantes – vem de vinhedos da própria Domaine (outros rótulos da casa são de uvas compradas). A filosofia de Louis Jadot é deixar o vinho se revelar naturalmente; o estilo é sempre o resultado do lugar. Trata-se de um Pinot Noir em caixa alta e baixa. Um vinho para se conectar com a terra. Rico em aromas de frutas maduras, fino no aroma de rosas, elegante na boca, profundo no final. Os goles provocam uma ampla salivação, que revela a acidez presente. É uma experiência espetacular. Mais uns anos na garrafa deve trazer outros prazeres.
Publicado originalmente em agosto de 2013
O Brasil cultiva as melhores uvas do mundo, os nossos vinhos tambem são de exelente qualidade, porque os preços dos nacionais são tão caros?
Altíssimos impostos!!!!!
Amigo quando for escrever preste atenção no portugues, vc. escreveu 7 paises diferentes
diga apenas 7 vinhos de 7 paises.????
Luis Henrique,
grato por sua sugestão. É óbvio que são 7 países diferentes pois não existem países iguais. Foi só uma forma de reforçar, pela redundância, a diversidade.
abraço e apareça sempre
Apreciei suas referências e fiquei mais satisfeito por ter constatado que já havia experimentado pelo menos um da sua lista (Chaminé).
Pelo menos suas opções são de vinhos que são acessíveis mais que reunem alguma qualidade ao invés dos teríveis Canção, Sangue de Boi, etc…,
Faltou o San Tomé e o chapinha rsrsrs.
Eu acho que ele esqueceu dos vinhos italianos, australianos e um vinho de Portugal produzido pela vinicula Casa Santa Vitoria e com diversas premiações, que é o Inevitável.
BETO. MEUS PARABÉNS VOCÊ COLOCOU DOIS VINHOS DE ÓTIMAS QUALIDADES E BOM PREÇO NADA DEIXANDO A DESEJAR DE VINHOS CAROS, QUE SÃO O CHAMINÉ TANTO AO INTO DE PORTUGAL, ALENTEJO ( TODOS DE LÁ SÃO ÓTIMOS) E O TERRAZAS DA ARGENTINO ( DIGA-SE DE PASSAGEM OS MALBECS DE MENDOZA SÃO MRAVILHOSOS).
QUANTO AO QUE NOSSA AMIGO EDSON DISSE, SAN TOMÉ E CHAPINHA, ELE DEVE SER MINEIRO SÓ GOSTA DE VINHO SUAVE ( COM AÇUCAR ) OU CACHAÇA , POIS É DA TERRINHA, O RESTO É TREM FORTE. RSRSRSRSRSRSRS……….
Ótima a recomendação do colunista Beto Gerosa. Qualidade e acessibilidade (quanto ao preço do vinho francês, bem…).
A derrapadazinha na redundância a gente nem liga. Afinal, o povo faz a língua.
Espero novas e boas dicas.
Ótima seleção, somente faltou um vinho italiano e especialmente algum premiado da serra catarinense.
Todos os vinhos da Adega Cortes de Cima são muitos bons. O Chaminé, acima mencionado, é “discípulo” do INCÓGNITO.