Há dois produtos da Nova Zelândia que são emblemáticos. O kiwi e o vinho. Sem desprezar o kiwi, eu prefiro o vinho. É sobre ele o tema desta coluna. A Nova Zelândia fica um bocado longe. É um país sem fronteiras, duas ilhas cercadas pelas águas do Oceano Pacífico. São 16 horas de avião para percorrer 12.221 quilômetros. Muito provavelmente não é sua primeira opção de férias – a não ser que seja apaixonado por esportes radicais (ou kiwi…). Mas os vinhos da Nova Zelândia percorrem todo este trajeto até você. Apesar da tímida presença nas prateleiras brasileiras – o volume de importação no Brasil é pequeno –, não são tão difíceis de encontrar. O barato do vinho, um chavão sempre pertinente, é esta diversidade: o legal é experimentar vinhos de diferentes países.
O que que é que a Nova Zelândia tem
Se você nunca provou um rótulo da Nova Zelândia, está perdendo a oportunidade de conhecer brancos e tintos comprometidos com a qualidade e o frescor. Se já bebeu um rótulo neozelandês, provavelmente foi um Sauvignon Blanc, a clássica uva branca de Bordeaux que encontrou na Nova Zelândia um solo para chamar de seu. Não é à toa que tenha topado com uma taça de Sauvignon Blanc: 86,4% das garrafas exportadas pelo país são desta variedade de caráter fresco e acidez competente.
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Sem preconceitos, tá? Se você é daquele tipo que torce um pouco o nariz para a Sauvignon Blanc, está aqui a oportunidade de mudar esta visão. Tem gente que acha que Sauvignon Blanc é sinônimo de um vinho meio aguado. De fato, alguns rótulos pecam pela timidez olfativa ou pela baixa intensidade em boca e criam esta aversão. O inverso é verdadeiro, o excesso de exuberância dos maracujás e cítricos forçam a barra e cansam as narinas.
Mas aqui o bicho é outro. A uva criou um estilo próprio no país dos kiwis, virou referência. E são muito bons. Desde os rótulos de base até aqueles que levam parte substancial do seu salário. A Sauvignon Blanc da Nova Zelândia tem um perfil no geral identificável: aromas de frutas tropicais, cítricos, pimentão, toque herbáceo, verde (até aí tudo bem), melão, abacaxi (não muito comum) e trazem um conjunto harmônico de boa acidez, boca limpa e final fresco e intenso. Resultado do clima e do lugar. A Nova Zelândia tem um clima influenciado pelo oceano, com brisas marítimas e noites frescas, repleto de planícies próximas do Pacífico e cercadas de cadeias de montanhas. E daí? Daí que este padrão de clima mais fresco e influência do oceano permite um longo processo de amadurecimento das uvas gerando acidez alta e boa fruta. O solo em geral é de areia, pedregulhos e sedimentos. Estes detalhes fazem a diferença. A foto que abre este blog é o padrão dos vinhedos de lá… Já começou a repensar a possibilidade de umas férias na Nova Zelândia? Vamos em frente!
Duas ilhas e regiões
O país é constituído de duas ilhas: do Norte e do Sul. É emoldurado por paisagens lindas, natureza exuberante (filmaram Senhor dos Anéis ali), renda per capita alta, população contida (4,7 milhões de habitantes espalhado em todo território), cidades organizadas, economia arrumada. E, naquilo que nos interessa, bons vinhos. As exportações crescem nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Holanda e China. Os vinhedos ocupam 10 regiões, compostas de 2040 vinícolas. Nenhuma delas muito extensa. Para completar o cenário, 98% dos vinhedos têm certificado de produção sustentável. Dá até raiva, né não? Vai ser correto assim lá… na Oceania!
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A maior e mais famosa região vinícola é de Marlborough, que tem apenas 24.356 hectares e representa mais de 70% da área plantada com vinhedos – para efeito de comparação: só em Mendoza, na Argentina, são 160.000 hectares de vinhedos. Fica a dica. Se tiver de memorizar uma região da Nova Zelândia, é a de Marlborough. Como o Blog do Vinho não tem vocação para Wikipédia, não vale a pena listar todas. As mais representativas, aquelas que você vai achar uma garrafa para comprar ou provar, são: a já comentada Marlborough, Central Otago, Nelson (Ilha Sul), Wairarapa/Martinborough; Hawke’s Bay (Ilha Norte).
Sobre uvas e ovelhas
A fama da Sauvignon Blanc é relativamente recente. Se engana quem pensa que a uva branca está plantada nas principais regiões desde o início dos tempos. Ledo “uva” engano. Durante muitos anos predominou em solo neozelandês as uvas de garrafão de lá, depois substituídas pela superprodução da nefasta Müller-Thurgau (aquela do vinho da garrafa azul que proporcionou muito porre nos anos 80 e 90), que viveu seu apogeu e decadência na década de 1980 também na Nova Zelândia. Passou.
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A Sauvignon Blanc começou a ser cultivada na década de 1970, mais precisamente 1973, e os vinicultores adotaram a vinificação em tanques de aço inox. A razão é mais prática do que teórica: sobravam tanques de aço inox nas ilhas por conta da produção de laticínios de ovelhas, bicho abundante naquela parte do planeta (há mais ovelhas do que gente por lá). O resultado foi surpreendente. Sucesso de crítica e público. A Sauvignon Blanc virou sinônimo de vinho de boa qualidade da Nova Zelândia e dominou o cenário. Dos 36.000 hectares de vinhedos plantados, 21.000 são da Sauvignon Blanc, que desbancou a Chardonnay que chegou a ter seus 5 minutos de fama e hoje é a segunda variedade branca mais cultivada.
Outras uvas
Mas a Nova Zelândia não é só Sauvignon Blanc. Os rótulos de Pinot Noir da Nova Zelândia também são conhecidos e reconhecidos. Os muito bons rivalizam com bons exemplares da Borgonha, e o preço é mais amigável. Os apenas bons já proporcionam um prazer imenso para os apreciadores desta uva tinta de casca fina e personalidade grossa. Mas há outros tintos que também brilham, em produções menores ainda, mas de qualidade bem bacana.
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Recentemente fui apresentado a um Syrah e um corte bordalês de regiões da Ilha do Norte. Outra dica: quem quiser arriscar um Merlot, um Syrah procure aquelas garrafas que têm estampado no rótulo a região de Hawke’s Bay e Auckland & Northland, ambas da Ilha Norte.
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Tampa de rosca
Outra característica que diferencia os vinhos da Nova Zelândia é a tampa de rosca. Mais de 90% das garrafas são tampadas assim. Sem muita polêmica: é legal, fácil de abrir, conserva melhor os vinhos, e é mais sustentável. Se perde na liturgia ganha na eficiência. Nada contra a cortiça. Mas evitar um vinho por conta da tampa de rosca é um erro tão estúpido quanto desprezar o charme da cortiça por que agride as cascas dos sobreiros – que são plantados com este propósito.
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BRANCOS
Sauvignon Blanc e Gewürztraminer
Peter Yealands 2016
Uva :100% Sauvignon Blanc
Produtor: Yealands Estate
Região: Marlborough
Importador: vários importadores
Preço: R$ 79,90
Uma historinha. O primeiro Sauvignon Blanc que provei da Yealands Estate foi às cegas, como jurado da TOP Ten da Expovinis 2010. Era o Sauvignon Blanc Yealands Estate 2008 – e eles faturaram o prêmio de melhor branco importado. De lá para cá negociaram com importadores e grandes redes, como o Pão de Açúcar, e são fáceis de encontrar. E muitas vezes entram em oferta. São dois destaques que fazem a diferença: logística e preço. Por isso começamos com o Sauvignon Blanc da Yealands. Fácil de encontrar e acessível. Vinícola de grande estatura e pegada sustentável (tem o certificado de Carbon Zero), é um bom começo para conhecer a tipicidade e potencialidade da uva na Nova Zelândia. Aqui tem aquela sensação agradável de frescor, boa acidez, e frutas como maracujá e o toque herbáceo.
Kim Crawford Sauvignon Blanc 2014
Uva: 100% Sauvignon Blanc
Produtor: Kim Crawford
Região: Marlborough
Importador: Interfood
Preço: R$ 207,00
Vinícola criada em 1996 (tradição não é o forte da Nova Zelândia, né?). Ganhou prêmios e reconhecimento. Na nariz e na boca um cítrico, um pimentão verde (que os especialistas chamam de pirazina), grama (é a forma de indicar algo vegetal) e a esperada acidez correta que estimula ao próximo gole.
Framingham Sauvignon Blanc 2014
Uva:100% Sauvignon Blanc
Região: Marlborough
Importador: Zahil
Preço: R$ 238,00
Aqui a complexidade aumenta, o investimento traz como retorno um vinho mais intenso nos aromas e sabores. A acidez é mais marcante, a persistência final em boca também. O herbáceo (o vegetal) é agradável e típico. Um toque de mineralidade, por mais difícil que seja definir isso, chega junto.
Cloudy Bay
Uva: 100% Sauvignon Blanc
Produtor: Cloudy Bay
Região: Marlborough
Preço: R$ 303,00
Um exemplar neozelandes bem conhecido no Brasil, presença frequente em feiras, e em alguns restaurantes. A salada de frutas aqui fica mais complexa: abacaxi (uma fruta que aparece na Sauvignon Blanc da Nova Zelândia), maçã verde, notas de limão, ervas frescas e toque floral. Acidez marcante, mineralidade, boa presença em boca e saboroso final.
Vinoptima Ormond Gewürzutraminer 2006
Uva: Gerwüstraminer
Produtor: Vinoptima Ormond
Região: Gisborne (Ilha Norte)
Importador: Premium Wines
Preço: R$ 341,00
Um pirata no meio da onipresente Sauvignon Blanc! E trazida pela importadora, a Premium, que começou seu portfólio em um ousada estratégia de privilegiar os vinhos da Nova Zelândia! Trata-se de um Gerwüstraminer de enciclopédia. O enólogo deu uma de chef de cozinha e encheu garrafa de temperos e especiarias, destaque para o gengibre. E ainda salpicou baunilha e notas de lichia. É menos exibidão aromaticamente, não tem aquele floral excessivo típico da variedade. O adocicado (tem 13 graus de álcool) é contrabalanceado pelo frescor que é a impressão digital, como já vimos, dos vinhos da Nova Zelândia. Uma untuosidade envolve a boca antes de descer goela abaixo. Show de bola, mas tem seu preço.
TINTOS
Pinot Noir, Syrah e Corte Borldalês
Peter Yealands Pinot Noir
Uva: 100% Pinot Noir
Produtor: Peter Yealands Estate
Região: Marlborough
Importador: vários
Preço: R$ 79,90
Do mesmo produtor da Sauvignon Blanc, um vinho de base para quem quer começar a navegar pelos Pinot Noir de Marlborough. Você desembolsa menos e começa a entender a pegada de frescor, leveza e fruta fresca também nos tintos, influência que o clima aporta nos rótulos da Nova Zelândia. Aquela típica cor mais clara, uma delicadeza em boca que vai conquistando. Uma cereja de menor ou maior intensidade vai aparecendo. Bem-vindo à Pinot Noir!
Sileni Cellar Selection
Uva: 100% Pinot Noi
Produtor: Sileni Estates
Região: Hawke’s Bay
Importador: Mistral
Preço: R$ 135,00
Um Pinot Noir correto, um patamar (ou dois) acima. Vinho é isso aí. Bom quando traduz as características da uva e aí vai acrescentando camadas de aromas e sabores. Aqui percebe-se a fruta madura, a maciez em boca e final elegante de um produtor de vinhos de excelência.
Villa Maria Private Bin Pinot Noir 2013
Uva: 100% Pinot Noir
Produtor: Villa Maria
Região: Marlborough
Importador: Winebrands
Preço: R$ 277,00
Vinícola de respeito de Marlborough, apesar do nome estranho para um vinho da Nova Zelândia. Um Pinot Noir de intensidade média, como uma boa fruta, aquela cereja aguardada que é porta-bandeira da variedade e toques de especiarias. Um bom exemplo da capacidade em domar esta uva difícil e entregar delicadeza e refinamento.
Wild Rock Gravel Pit Red 2008
Uvas: 71% Merlot, 25% Malbec, 4% Cabernet Franc
Produtor: Wild Rock Wine Company
Região: Hawke’s Bay
Importador: Decanter
Preço: R$ 176,00
Um vinho de corte é sempre uma escolha do enólogo, que combina as uvas como um artista mistura tintas. Aqui a Merlot predomina, acompanhada de Malbec (viu, não tem só na Argentina!) e um toque da Cabernet Franc. O vinho mais antigo da lista (2008), mas sem sinais visíveis de evolução na cor (o bicho aguenta muito tempo), mas com alguma evolução na fruta, que lembra ameixa doce, fruta negra madura. Os 14 meses de madeira estão marcados no nariz e no final de boca. É Wild Rock: potência e elegância em três acordes.
Crossroads Milestone Series Syrah Hawke’s Bay 2013
Uva: 100% Syrah
Produtor: Crossroasd Milestone
Região: Hawke’s Bay/Gimblett Gravels
Importador: Vinho & Ponto
Preço: R$ 224,00
Opa! Um inesperado Syrah da Nova Zelândia. Uma surpresa apresentada pelo especialista Arthur Azevedo numa degustação da ABS-São Paulo. Multo legal. Syrah com muita fruta negra, tostados, especiarias (como todo syrah deve ter), eu achei ali um cravo, algo assim. Para completar, aquela característica de identifica os vinhos da Nova Zelândia, acidez que embala o conjunto da obra.
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