Lojas e adegas especializadas de encher os olhos, delicatessens que misturam gastronomia e rótulos selecionados, espaços virtuais lotados de informação e grande apelo de preço. Este é o mundo que a maioria dos consumidores de vinho frequenta, certo? Errado. Pode ser que este seja o espaço que conhecedores de vinho estejam habituados. Mas são os supermercados os maiores vendedores de vinho do Brasil, e para ampliar esta dominação e a receita com o consumo de tintos, brancos e espumantes apostam em marcas próprias e importação exclusiva.
Duvida? Então vamos aos números. Segundo dados fornecidos por André Svartman, do setor de Desenvolvimento de Marcas e Produtos do Grupo Pão de Açúcar, 86% das vendas de vinho no Brasil se concentram em supermercados (68%) e hipermercados (18%), ocupando o primeiro e terceiro lugares deste ranking. O segundo lugar é ocupado pelas adegas, lojas e delicatessens.
Este mesmo estudo revela dados interessantes do mercado de vinho no Brasil. A despeito de toda choradeira, dificuldades, proibições e avalanches de impostos e taxas sobre o produto o mercado de vinho cresceu, entre 2006 e 2012, 14% para os vinhos espumantes e frisantes e 11% para os tintos, brancos e rosés. Do mercado consumidor brasileiro, apenas 20% consomem vinho – ou seja há um universo de 80% a ser explorado. Destes 20% consumidores, 69% compram vinho apenas uma vez por mês, sendo que 52% compram vinho apenas em ocasiões especiais – mais um espaço de crescimento do consumo para o vinho do dia-a-dia. Não é à toa que produtores do mundo inteiro enxergam um enorme potencial num país de dimensões continentais como o Brasil. Há números que colocam o negócio como uma oportunidade no futuro, um mercado que ao contrário de estar saturado ainda pode ser muito explorado por todo tipo de vinho: desde aquele de entrada (é preciso cada vez mais vinhos de qualidade desta linha), passando pelos vinhos de qualidade média até rótulos premiados ou nichados, como os orgânicos e biodinâmicos.
Leia mais Quinze sugestões para aproveitar melhor o vinho
Segundo análise realizada pela consultoria Nielsen, e publicada na revista Exame, os consumidores estão propensos a pagar mais por produtos mais sofisticados. De 85 categorias analisadas em supermercados, a proporção de consumidores dispostos a gastar mais por produtos mais elaborados aumentou em 51%. Na mesma publicação, dados da Boston Consulting Group mostram que o consumo deu um salto de 1 trilhão de reais em 2003 para 2,6 trilhões em 2013, e que a sofisticação do consumo, claro, apresenta comportamento diferente de acordo com o nível de renda. Por exemplo, na faixa dos brasileiros que ganham de 30.000 a 45.000 dólares por ano, há uma tendência a gastar mais o salário em itens mais caros como café, lazer e… vinho! Não é à toa que os supermercados estão de olho neste consumidor que está refinando seu gosto.
Leia mais: 10 dicas de como escolher e comprar o seu vinho
Comprar vinho em supermercados
Talvez nem precise tanto de números. Basta olhar o espaço dedicado aos vinhos em lojas como St. Marché, Carrefour, WalMart, Záfari e o próprio Pão de Açúcar. Quem percorre com mais atenção as prateleiras e corredores vai notar a existência de rótulos exclusivos, geralmente com preços convidativos, e/ou rótulos próprios.
O St Marché, por exemplo, que tem um público de poder aquisitivo um pouco mais elevado, tem em seu portfólio 100 rótulos de importação própria – são vinhos de todo estilo e faixa de preço – e pretende alcançar 300 rótulos até 2016.
A Walmart chegou a importar diretamente o argentino Argento Malbec, Cabernet Sauvignon e Chardonnay para uma ação do seu clube de relacionamento, o Sam’s Club, e inaugurou uma área exclusiva para vendas de vinho no seu site em parceria com a loja virtual FastVinhos .
O Carrefour também aposta numa linha de marcas próprias, como a linha Sellecion, e importação exclusiva de vários países.
O Pão de Açúcar explora há muitos anos este nicho tendo à frente o consultor de vinhos Carlos Cabral que formou um exército de atendentes de vinho para orientar seus clientes em 600 pontos de venda. Cabral, um dos maiores conhecedores de Vinho do Porto do mundo, autor de livros sobre o tema, foi um dos responsáveis pelo negócio de vinho tomar o atual dimensão no Pão de Açúcar. A rede tem 90 rótulos próprios do Club des Sommeliers – e o objetivo é chegar a 200 em 5 anos – e mais 50 etiquetas exclusivas.
Leia Mais: Porto e Comida, por Carlos Cabral
Rótulos exclusivos
Se você tem preconceito em comprar vinho em supermercado imagine escolher um rótulo exclusivo, com marca própria, e levar para a boca do caixa! Ok. O preconceito não é à toa, é preciso ficar atento nas condições de armazenamento e no preço. Muitas vezes o preço praticado em rótulos de outras importadoras está inflacionado e só vale a pena quando os vinhos entram em oferta.
Mas quanto aos vinhos exclusivos é um preconceito bobo, como todos os preconceitos, aliás. Primeiro é preciso escolher o vinho certo para cada ocasião e ficar atento na relação preço/qualidade. E depois provar. A alegria, como dizia o escritor Oswald de Andrade, é a prova dos noves.
- St Marché
Do St Marché o espanhol 100% da uva tempranillo, Pinuaga Salazar, é um achado por R$ 32,90, já em um nível mais elevado, para levar um Bordeaux para casa e não ficar arrependido (o que tem de Bordeaux ruim por aí não é brinquedo, não) o Château Poujeaux (R$ 109,09) entrega um tinto de corte bordalês (53% cabernet sauvignon, 43% merlot, 4% petit verdot) muito digno, com 12 meses de barrica com uma fruta agradável e boa intensidade.
- Pão de Açúcar e Extra
A linha Club des Sommeliers tem um portfólio de 90 rótulos de onze países: Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Portugal, Itália, Espanha e França. Eles são encomendados a grandes vinícolas destes países e ganham a etiqueta do Club des Sommeliers e distribuição exclusiva do Grupo Pão de Açúcar, o que inclui o Extra Hipermercado. Carlos Cabral é o responsável pela seleção dos rótulos da linha. Ele trabalha com foco na qualidade do produto e no interesse de seu cliente: o que ele quer, o que pode pagar e o que deve experimentar. As linhas são divididas em vinhos de entrada (R$ 10,00 a R$ 15,00), standard (a partir de R$ 16,00), reserva (que passam por envelhecimento em barrica, a partir de R$ 28,00) e agora, consequência da evolução de seu consumidor, um gran reserva (com preço médio de R$ 70,00). O lançamento da linha Club des Sommeliers Gran Reserva reflete um pouco a tentativa de alcançar este consumidor disposto a gastar mais com vinhos, identificado no estudo de consumo do Boston Consulting Group.
Há de tudo, de espumantes brasileiros (produzido sob encomenda pela Vinícola Miolo), passando por brancos (um ótimo exemplo de boa relação qualidade e preço é o riesling, produzido pela Yealands, da Nova Zelândia), tintos (os carmenère e cabernet sauvignon são chilenos e vêm da Vinícola Carta Vieja; os malbec e o cabernet franc são argentinos da Penaflor) até chegar no Porto, produzido pela Poças Junior, que já elabora um rótulo exclusivo para o grupo, o Comenda.
Da nova linha Gran Reserva, há boas surpresas. O destaque fica por conta de um saborosíssimo e perfumado cabernet franc de Mendoza, na Argentina, que bebido na temperatura certa revela-se um vinho de primeira: intenso, aromas de frutas e madeira equilibrada. Também agradou bastante o carmenère, este um chileno na região do Maule, com uma fruta mais madura, mais encorpado e evoluído com seus 14 meses de contato com a barrica. E vale ainda apostar no Porto Tawny (há também um Ruby, ambos a R$ 49,31), afinal é a especialidade do Cabral, e o Porto que ele me indicar eu tomo de olhos fechados. Cabral fala deste Porto Tawny no final do vídeo, melhor deixar ele comentar com a simplicidade e conhecimento que são sua marca.
Leia Mais: Os vários estilos de Porto
Outros rótulos encontrados nas prateleiras do Pão de Açúcar são de importação exclusiva e merecem uma atenção. Por exemplo a sempre honesta linha Felipe Edwards, do Chile – eu prefiro o mais simples deles, quando começam a colocar madeira exageram um pouco. O Montado, um português criado exclusivamente para a rede pela importante José Maria da Fonseca, do não menos famoso Periquita, e já comentado aqui Porto Comenda.
Vídeo – Carlos Cabral fala ao Blog do Vinho
Nesta entrevista, gravada durante o lançamento do Club des Sommeliers Gran Reserva, Carlos Cabral revela
- O tipo de vinho que o brasileiro gosta de beber: “vinho leve, para conhecer”
- Qual o objetivo da linha Club des Sommeliers: “conquistar o iniciante com vinhos fáceis de beber e que cabem no bolso do consumidor”
- Como são escolhidos os vinhos: “ele próprio, Carlos Cabral, seleciona os vinhos em viagens a vinícolas e tem como critério relacionar o perfil da linha que está procurando com o melhor custo-benefício”
- A importância da linha do Club des Sommeliers:“foi responsável por 22% das vendas de vinho em 2012 no Grupo Pão de Açúcar e o objetivo é chegar a 50% em 5 anos com um crescimento de oferta dos atuais 90 rótulos para 200 etiquetas próprias.”
Atenção: aumente o volume do áudio do seu computador pois a gravação foi prejudicada pelo som ambiente e inabilidade deste que vos escreve, que para completar gravou na horizontal prejudicando também a imagem… Mas vale pelas palavras do mestre Carlos Cabral.
hoje em dia os vinhos brasileiros são muito bons, particulamente gosto muito de vinho tinto.
um bom vinho e sempre bem vindo!
Caro Roberto,
Legal a postagem. Eu não tenho preconceito contra vinho de supermercado. Se acho um legal, coloco na cesta e pronto. Várias redes estão melhorando o portfólio. No sul, o Muffato tem bons rótulos e a bons preços. Há uns meses comprei algumas garrafas no Super Nosso, de Belo Horizonte, que tem bons italianos e franceses a bom preço. E aqui no interior de São Paulo algumas redes mais locais estão adotando a prática. Recentemente comprei em um supermercado um ótimo Barolo de Luigi Einaudi a um preço muito convidativo. É garimpar…rs.
Abraços,
Flavio