Um fantasma ronda a cabeça do enólogo Marcelo Papa, responsável há 10 anos pela linha Marques de Casa Concha – o fantasma dos vinhos menos potentes, mais frutados e com menos madeira. O Marques de Casa Concha é um clássico do “vinho bão” chileno, e um dos grandes representantes dos tintos e brancos varietais (de uma só uva) de grande expressão e potência. E foi esta mudança de rumo que Papa veio mostrar em seu último giro pelo Brasil, quando apresentou um Cabernet Sauvignon Edição Limitada de 2013 e um carignan que faz parte de um projeto dedicado à esta uva no Chile, o Vigno (Vignadores de Carignan).
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Time que está ganhando não se mexe, certo? Errado, mexe sim, mas com todo cuidado e paciência, afinal se trata de um ícone de uma gigante do vinho (Concha y Toro), com uma legião de consumidores fieis e, claro, sucesso de vendas (e de receita). Esta nova visão poderia ser resumida no clássico conselho do “menos é mais”: menos álcool, menos potência, menos doce, menos madeira. “Começamos a colher as uvas mais cedo, para obter teor alcoólico mais baixo, mas mantendo uma boa fruta e a usar tonéis (barricas maiores, de 5.000 litros)”, conta Papa.
Mas se o consumidor gostava dos vinhos como eles eram, por que mudar? “Há quatro anos eu percebi que não estava tomando mais Marques de Casa Concha em casa”, diz Marcelo Papa. Era um sinal claro que mudanças precisavam ser feitas. “Os formadores de opinião – especialistas e críticos – começaram a ficar cansados de um estilo muito potente de vinho, pois nem todos os vinhos têm de ser assim e apontaram uma tendência”. Os consumidores (ou parte deles) também começaram a seguir esta onda, a buscar vinhos mais gastronômicos, com maior presença da fruta, acidez e menos efeitos da madeira nova que marca muito a bebida “Acho que terá uma boa aceitação”, aposta Papa.
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E a mudança começou no uso da madeira. Ela não foi abandonada, mas seus efeitos aliviados com o recurso de recipientes maiores. Marcelo Papa testou tonéis de várias partes do mundo e acabou elegendo a matéria-prima do Piemonte, na Itália, usada na guarda dos barbarescos e barolos – o que já indica um caminho rumo à fineza. Em seguida, começou a misturar os vinhos em barricas tradicionais e nos tais tonéis. Foi uma maneira cautelosa de introduzir um novo estilo e ao mesmo tempo não assustar o consumidor acostumado à pegada do Marques clássico. O Cabernet Sauvignon 2013 tradicional de Puente Alto, no Vale do Maipo, continuará com 80% do seu caldo estagiando 18 meses em barricas francesas, mas 20% ficará nos tonéis; no Syrah os 14 meses de barrica serão divididos 50% em barricas e 50% em tonéis. Foram adquiridos 38 destes grandes barris para este primeiro momento, e o mesmo número já está encomendado para as próximas safras.
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Mais tensão e menos intensidade
O Marques de Casa Concha Cabernet Sauvignon Edição Limitada 2013, de Pirque, Puente Alto, sul do Rio Maipo, já é uma boa amostra do que vem por aí em termos de qualidade e frescor. O solo aluvial, com calcário, transmite uma certa “tensão ao vinho”, como defende Marcelo Papa. Como entrega o nome, a produção é mesmo limitada, principalmente para o nível Concha y Toro de ser. São apenas 6.000 garrafas. É um vinho meio “revival” no estilo dos anos 70, as uvas são colhidas mais jovens para obter menos álcool. Passou 22 meses em tonéis italianos e barricas francesas sem tosta, que também gera a tal tensão ao vinho, ou seja ele não é marcado pelas notas abusivas de chocolate, madeira, grafite. Não tem aquela opulência muitas vezes exagerada. A fruta, mais para a vermelha do que a preta mais comum no Marques clássico, é a expressão mais pura do vinhedo. Ganhou muito aberto mais de uma hora antes de servir e foi encontrando mais camadas aromáticas com um tempo na taça. Menos é mais aqui não é uma frase de efeito, mas um vinho elaborado com a intenção de ser menos intenso e com mais tensão.
O Vigno, é outra boa surpresa para aqueles que gostam de experimentar e valorizam o vinho mais franco e com maior “bebabilidade”. O rótulo faz parte de uma associação de pequenos produtores, algo como Vinhateiros de Carignan, que produzem o varietal desta uva na região sul de Maule, em variadas vinícolas (entre quinze e vinte) com o propósito de divulgar a Carignan chilena. Todos os produtores identificam no rótulo o vinho com o nome de Vigno. “Um dos fundadores da associação foi o Gilmore, há 4 anos. Hoje tem Vigno na Undurraga, do Montes, e agora da Concha y Toro”, explica Marcelo Papa. As uvas são originárias de parreiras de 70 anos e 10% delas sofrem o processo conhecido como fermentação carbônica (a transformação do açúcar em álcool se dá dentro da fruta), que resulta num tinto de muita, mas muita expressão de fruta negra, e uma acidez marcante e frescor em boca que pede mais um gole. Um vinho agradável de beber e ótimo para acompanhar pratos mais leves.
Esta belezinha deve aportar ao Brasil no final do ano. Também nesta linha de privilegiar uvas menos conhecidas e até originais do Chile, estão as garrafas do Cinsault e Pais, infelizmente longe do mercado brasileiro. São algo como os vinhos alternativos da Marques da Casa Concha.
Tradição e inovação
Mas se existe uma mudança anunciada com orgulho e cautela por seu criador e mentor (era visível sua satisfação com os resultados obtidos e com a carta branca da empresa para seguir adiante) é por que existe também uma história bem-sucedida dos rótulos do Marques de Casa Concha, lançados em 1976. Trata-se de um vinho de autor, nas versões atuais e que estão por vir.
Aqui no Brasil são encontradas as versões: Chardonnay e Pinot Noir, do Vale do Limarí; Merlot e Carmenère, do Vale do Cachapoal, Vinhedo Peumo; Cabernet Sauvignon e Syrah, Vale do Maipo.
Confesso que este novo estilo era algo que eu colocava um pouco em dúvida: não por que não concorde com esta vertente do “menos é mais”, mas por que me parecia que poderia descaracterizar um pouco o tradicional Marques de Casa Concha, mudar seu caráter e desagradar seu consumidor, afinal de contas para quem é feito o vinho. O Marques “tradicional” – podemos já chamar assim – sempre me agradou dentro do seu estilo e potência, valorizando comidas mais fortes numa harmonização por “paridade”. Mas colocando lado a lado os dois caldos ficou clara a diferença que faz o nível alcoólico, a fruta vermelha versus a negra, a influência mais sutil da madeira contra a potência das barricas nos aromas e no paladar menos doce e mais gastronômico. E fiquei com vontade de ter um gole a mais da edição limitada em minha taça.
Marcelo Papa adiantou ainda uma novidade, fruto de uma curiosidade deste colunista, que tem uma certa predileção pela uva cabernet franc. Com tantas varietais por que não tem um Marques de Casa Concha Cabernet Franc? Ah… Não tinha, mas terá, de pequena produção. A Safra 2014 chega ao mercado no segundo semestre de 2016. Nós, devotos do cabernet franc aguardamos ansiosos.
32 milhões de caixas
A Concha y Toro é uma potência. Produz vinhos de vários estilos e preços. Além da vinícola que dá nome à empresa a holding controla a Cono Sur, Vina Maipo, Palo Alto, Canepa, Maycas del Limari (no Chile), Trivento (na Argentina) e Fretzer (Estados Unidos). Juntas produziram uma bagatela de 33,2 milhões de caixas de 12 garrafas de vinho em 2014, distribuídas em 145 países. Só a Vinícola Concha y Toro é responsável por 14,2 milhões de caixas. A Viña Concha y Toro coleciona prêmios, rótulos e um resultado inédito de 1 bilhão de dólares em vendas. Carrega também as virtudes (uma legião de consumidores fieis) e as mazelas (o mimimi dos puristas que criticam a estandardização de seus vinhos) que acompanham as grandes marcas de sucesso. Por isso mesmo é com alguma surpresa que experiências como esta defendida por Marcelo Papa na linha Marques de Casa Concha apontam que o mercado está mesmo mudando, que tudo que é sólido pode mesmo se desmanchar no ar.
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Publicado originalmente em setembro de 2015