Para vender, Borgonha com gougères
Para comprar, Borgonha com pão
(ditado dos négociants da região)
Provar um vinho bem elaborado da Borgonha é um experiência única. O que é melhor, então, do que um bom Borgonha na taça? É um bom Borgonha acompanhado de receitas típicas desta região situada no leste da França. Dá para melhorar este cenário? Sim, se você puder contar com a presença do négociant que elaborou o vinho à mesa e desfrutar das histórias sobre seus tintos.
Foi esta a experiência que transformou minha segunda-feira em um sábado de aleluia. Dominique Laurent é o négociant. O chef responsável pela harmonização atende pelo nome de Emmanuel Bassoleil e os vinhos gravados com o nome de Dominique Laurent na etiqueta são: Bourgogne Cuvée “Numero 1”, Chambolle-Musigny Vieilles Vignes 2005 e, para grand finale, Gevrey-Chambertin Vieilles Vignes 2003, em garrafa magnum, de 1,5 litro, por que o moço não atravessou um oceano para brincar!
Négociant não é atravessador
Um vinhedo da Borgonha é uma colcha de retalhos com inúmeros pequenos produtores: gente simples que por inúmeras razões históricas herdou um pedaço de terra abençoada, de solo calcário, e vende seus cachos de uva para cidadãos que tratam de vinificar, afinar os vinhos, criar uma identidade e por fim vender pelos olhos da cara. São os tais négociants.
Tem gente que pode ter a ideia errada de que o négociant é uma espécie de vampiro dos vinhedos que explora os humildes agricultores e só coloca a etiqueta e fica com a parte do leão. Na verdade este é um sistema tão antigo quanto a Borgonha, criado para resolver o problema de produção e comercialização do vinho em uma região de terrenos tão pulverizados. O négociant não é um atravessador, e sim um facilitador, mas obviamente, como em qualquer cadeia produtiva leva uma grana maior do que quem planta a uva.
Como tudo na vida, porém, há os négociants preocupados em produzir grandes volumes e acabam engarrafando um “pinóquio noir”, um vinho mentiroso, que não traduz o potencial da uva desta região. Outros, ao contrário, resgatam a qualidade desta uva refinada, e até um pouco pedante, com excelentes caldos, de variados níveis. Há mais do primeiro grupo do que do segundo, por isso é sempre necessário conhecer o produtor. Difícil, não é? Por isso, sempre que topar com um Borgonha que seja do agrado e caiba no orçamento é bom anotar o nome diretinho ou fotografar o rótulo pelo celular.
Dominique Laurent está na linha dos pequenas empresas, grandes negócios & ótimos vinhos. Também representa a simplicidade da região, antípoda em todos os sentidos da nobreza de Bordeuax. Mas é o simples que engana, pois não existe um Borgonha que valha a pena que seja barato. Ele iniciou sua carreira como chef pâtissier – se fosse no interior de Minas, seria chamado de doceiro mesmo – e em 1987 decidiu fazer o que mais gostava, e se transformou em négociant na subregião de Nuit-Saint-Georges (Cote d’Or, Borgonha), onde selou uma rede de relacionamentos com os pequenos produtores que lhe garantem a uva para seus quase 60 cuvées anuais. Todas de produção limitada.
E o que os vinhos de Dominique Laurent têm de tão especial?
Vieille Vignes – vieille vigne aqui não é só uma força de expressão, mas se traduz no tempo em que as raízes do vinhedo estão agarradas ao solo (pardon, terroir). Vinhas antigas são sinônimo de qualidade e de intensidade, na fruta e nos aromas. O Chambole-Musigny Vieilles Vignes 2005, por exemplo, é resultado da frutas de parreiras de 1902, 1920, 1930 e por aí vai; o Gevrey-Chambertin Vieilles Vignes 2003 tem plantas de 1910.
Barricas mágicas – é reconhecido o trabalho de Laurent com as barricas, que o marketing transformou em “mágicas”, mas que o próprio négociant simplificou como “nostálgicas”. “Trata-se de um trabalho de recuperar o que era feito no passado, dava certo, e foi esquecido”, resume ele, ao explicar o uso de madeiras com 300 e 400 anos de idade, que levam de 5 a 7 anos para secar. O mosto (o suco de uva) fica em contato com as borras por vários meses, “sem marcar o vinho com a madeira”, como gosta de enfatizar. Cada barril sai por 900 euros, contra 500 a 600 das barricas tradicionais.
Assemblage – parece estupidez falar de assemblage (mistura de uvas) em um vinho varietal (de uma só variedade de uva). Não custa lembrar aos incautos, Borgonha tinto é da uva pinot noir e c’est fini. Mas é isso que Laurent faz, desde seu vinho mais básico. Ele seleciona uvas de diferentes perfis e parcelas de terreno para compor uma palheta de sabores mais rico para seus vinhos. “Assemblage é um vinho mais de alta-costura onde várias parcelas compõem o perfil de um vinho”, explica.
Outra ousadia do négociant é “rebaixar” seus vinhedos. Explica-se: na cadeia alimentar das regiões e subregiões da Borgonha (um prêmio para quem souber o nome de todas de cor, sua localização no mapa e importância) os terrenos ainda sofrem a divisão de quatro grandes apelações (AOC). São elas: regional (23 apelações, responsáveis por 65% da produção total); comunal ou village (44 AOC, 36%); premier cru (635 climats classé, 10%); grand cru (33 AOC, somente 2% da produção, o crème-de-la-crème). Pois Dominique Laurent, a fim de aportar mais qualidade aos seus pinot noir de classificações inferiores, comete e heresia de usar uvas de premier cru em garrafas que não ostentam esta classificação no rótulo.
Os vinhos
Bourgogne Cuvée Numero 1 2005 (R$ 144,00) – não, não tem número 2, 3 etc. O número 1 aqui é sinônimo de melhor couvée (colheita). Seguindo o preceito de assemblage, trata-se de uma seleção das melhores parcelas criando um Borgonha mais simples – que lá fora tem preço de vinho mais simples mas aqui é preço de gente grande mesmo -, mas já com alguma complexidade e que vai melhorando bastante descansando na taça. Curioso que Laurent prefere bebê-lo mais frio, quase gelado. Perguntei a razão, e ele respondeu: “Por que é assim que se bebe”. Definitivamente, sem frescuras o sujeito.
Chambolle-Musigny 2005 (R$ 368,00) – trata-se da seleção de uvas de diversos terroir. Aqui Laurent “rebaixa” seus premiers crus para aumentar a qualidade dos vinhos. Permanece por 20 meses na barrica e sua palheta aromática inicia com flores, cedro e revela um forte café no fundo da taça. Bastante complexo e intenso. Um vinho respeitável.
Gevrey-Chambertin Vieilles Vignes 2003 (R$ 1.153,00 a magun, R$ 464,00 a garrafa de 750 ml). Année Exceptionnelle. É assim que Dominique Laurent define o vinho em seu rótulo. Aqui vai a mão de mestre do négociant. 2003 foi o ano da canícula que matou os velhinhos na França e rendeu vinhos medíocres na Borgonha, pois as uvas foram colhidas em agosto, antes do tempo, prejudicando a acidez da safra. Dominique Laurent pagou para ver e colheu as uvas somente em setembro. Ok, teve a sorte de ser agraciado por uma mudança no tempo que refrescou a temperatura e permitiu colher uvas de imensa extração de cor, aromas e taninos. Mas foi ousado. Ou seja, ele é uma exceção à regra. A garrafa comprovou sua tese.
Para quem está costumado a um Borgonha de cor mais pálida, este aqui é mais musculoso, como são em geral os Gevrey-Chambertin. Apresenta cor intensa, aromas que lembram um porto, um toque de especiarias e é muito longo. A boca aveludada
tem sabor de frutas (cerejas mais doces), sempre com uma potência mais fina, se é que dá para definir algo desta maneira. Um Borgonha de macho com diploma. Detalhe, Laurent produziu uma edição especial em garrafas de 1,5 litro, magum, só vendida aqui no Brasil e na França.
Para comprar e vender
Bom, Borgonha não é para amadores, mas para amantes. E endinheirados. Mas tudo bem, cabe aqui neste blog uma extravagância de quando em vez, afinal não se discute uma obra pelo seu preço – é uma conseqüência – mas pela capacidade de atingir o seu público. E Dominique Laurent nem é dos mais caros, apesar de estar um degrau acima na alas dos négociants.
O ditado que inicia este texto é recorrente entre négociants da Borgonha. Gougères são uma espécie de pão de queijo da região e sua textura mascara, como todo queijo, alguns defeitos do vinho. Por isso é o melhor acompanhamento no momento da venda, do ponto de vista do négociant. Quem quer provar – e comprar – um autêntico Borgonha, com seus aromas e sabores multifacetados, deve escolher um pedaço de pão, que não engana o palato, mas mostra a verdade do vinho. Os rótulos de Dominique Laurent foram servidos com gougères e fatias de pão.
Saiba mais sobre a Borgonha
Site oficial (em inglês)
(em francês)
Onde comprar:
World Wine
ainda vamos conhecer os melhores… hehehe bjs,FT
Boa tarde. Gostaria de saber se você profere palestras.Atenciosamente,Ana Paula Menezes
lindooooo