“Nunca vi uma boa amizade nascer numa leiteria”.
Vinícius de Moraes
Gastronomia vem do grego antigo e significa “conhecimento do estômago”, mais precisamente do alimento e da bebida endereçados a ele, eu suponho. A etimologia grega da palavra economia vai na linha de “administração da casa”, o que pode ser traduzido no controle suado do dinheirinho que a gente ganha e gasta ao longo da existência. A baixa gastronomia, portanto, pode ser definida como a confluência destas duas definições, ou seja, a gastronomia que não pesa no bolso mas afaga o paladar.
E foi para comprovar a tese de que a boa culinária não precisa estar necessariamente associada ao preço proibitivo praticado por alguns restaurantes que um grupo de amigos, entre os quais eu me incluo, criou a Confraria da Baixa Gastronomia. Dois anos depois de vários encontros, a grata satisfação: comemos bem, levamos nossos vinhos e estreitamos nossa amizade. É, os gregos sabiam o valor das palavras…
Nossa confraria – seis marmanjos e uma moça de fino trato – faz um trabalho de garimpo da boa gastronomia de baixo preço que é praticada em São Paulo e uma vez por mês levamos nossas taças e garrafas embaixo do braço e experimentamos as harmonizações possíveis. A baixa gastronomia, portanto, longe de ser um termo depreciativo, é uma exaltação à qualidade sem extorsão. É uma incursão por pratos regionais ou típicos, com um grau de sofisticação variado, mas com uma característica em comum: são diferenciados e representativos de sua culinária.
A boa gastronomia
Um pequeno apanhado de deliciosos sabores e o vinhos que mais me marcaram – ou melhor harmonizaram – com a comida nestes dois anos.
Amazônia – Bixiga
Pratos
Pato no tucupi (assado e cozido servido com farinha de mandioca)
Pirarucu na chapa guarnecido de arroz de jambu.
Vinho
Sol de Sol 2006, Viña Aquitania, Traiguén, Chile
Carlinhos – Pari
Pratos
Arais (cafta prensado em pão árabe)
Cordeiro recheado com arroz e amêndoas na manteiga, guarnecido de brócolis ao alho e óleo e batata corada (para grupo mínimo de doze pessoas)
Vinho
Cabo de Hornos 2001, Viña San Pedro, Valle de Lontué, Chile
Dona Onça – Centro
Pratos
Frango com quiabo, polenta e verdura refogada
Costela de tambaqui frita
Mini-Churros com doce de leite
Vinhos
Barbera d’Asti Camp du Rouss 2005, Luigi Coppo, Itália, Piemonte
Scala Dei Negre Garnacha 2006, Scala Dei, Priorato, Espanha
Empório Nordestino – Freguesia do Ó
Prato
Carne de sol paraibana
Vinho
Vinha do Fojo 1999, Quinta do Fojo, Douro, Portugal
Galinhada do Bahia – Carandiru
Pratos
Galinha ao molho pardo, pirão de galinha, feijão-tropeiro, carne-de-sol, mandioca frita sequinha, salada verde, maxixe, batata-doce, banana-da-terra, jerimum e quiabo
Vinho
Viña Salceda Reserva 2000, Viña Salceda, Rioja, Espanha
Mocotó – Vila Medeiros
Pratos
Queijo-de-Coalho dourado na manteigade garrafa com melado de cana
Atolado de Bode – cabrito ensopado com mandioca
Sorvete de Rapadura artesanal, preparado com meladode cana e pedaços de rapadura
Vinho
Salton Talento 2002, Salton, Serra Gaúcha, Brasil
Pasquale – Pinheiros
Pratos
Sopressata, embutido artesanal produzida com carne porco e temperos
Rigatoni ao ragu de cordeiro
Vinho
Barbera d’Asti Pomorosso 1993, Luigi Coppo, Piemonte, Itália
Templo da Carne Marcos Bassi – Bixiga
Prato
Bisteca fiorentina (filé mignon, contrafilé e alcatra)
Vinhos
Châteu Tour de Mirambeau Couvée Passion Blanc 2003 Despagne, Bordeaux, França
Carruades Chateau Lafite 1996, Lafite, Paulliac, Bordeaux, França
Voilà Bistrô – Jardins
Prato
Pombo dourado na moelle com mini legumes
Vinhos
Champagne Henrriot Rosé 2002, Henriot, Champagne, França.
O nosso mapa do vinho
O vinho entra pela porta da frente e muitas vezes com um elemento estranho ao habitat, pois nem sempre é visto nas mesas nestes restaurantes. É uma experiência curiosa, por exemplo, juntar a toalha xadrez, a mesa e as cadeiras rústicas de uma casa como a Galinhada do Bahia, no bairro paulistano do Canindé, com nossas taças e garrafas de vinho de todo o mundo.
Até hoje, já derrubamos 85 garrafas, devidamente registradas em uma planilha, com a seguinte distribuição geográfica
21 – França
11 – Portugal
10 – Espanha
8 – Brasil
8 – Argentina
8 – Chile
6 – Itália
5 – Alemanha
2 – Austrália
2 – Nova Zelândia
2 – Hungria
1 – Líbano
1 – Índia
Assim ditribuídos:
51 Tintos
28 Bancos
6 Champanhes/espumantes
Nossa modesta lista revela, antes de tudo, como a diversidade é uma das bases do mundo do vinho. Revela também a preferência do grupo e a adega, e as possibilidades, de cada um. Provamos de Borgonhas refinados, como um Clos Vougeot 2004, a tintos argentinos. Mergulhamos o nariz tanto em champanhes safradas como em refrescantes espumantes nacionais. Enchemos nossas taças com elegantes brancos alemães e típicos exemplares de vinho verde Português. Já fizeram parte da farra preciosidades como o espanhol Viña Tondônia tinto 1985 (na sequência de fotos) e curiosidades como um tinto da Córsega e outro da Índia, este com a assinatura do onipresente enólogo-consultor Michel Rolland. Tudo vale a pena, se a garrafa não é pequena, não é mesmo?
A experiência da Baixa Gastronomia
E sem frescuras. Nós estamos ali para experimentar, para pôr à prova a combinação desta comida tão cheia de sabor com os espumantes, tintos e brancos que carregamos nas sacolas. O resultado é sempre surpreendente, revelando que o vinho não precisa ser caro e o restaurante não precisa ser estrelado para a mágica da harmonização dos sabores acontecer. E que a combinação vinho caro e comida simples e bem-feita também dá samba. Tentamos fazer com que estes dois mundos se completem. Quando não funciona, e isso acontece, aproveitamos o melhor de cada um.
Claro que vez ou outra rompemos esta regra e nos reunimos em casas mais estabelecidas e conhecidas, mas sempre com propostas originais ou qualidade certificada. Mas longe do roteiro para ver e ser visto. Nestes momentos tentamos montar outra estratégia, com uma proposta qualquer de rótulos aliado ao menu do restaurante. Se o destino é um bistrô, rótulos franceses são bem-vindos, biên sur.
As bodas de 2 anos da Baixa Gastronomia
Nossa confraria completou dois anos, como já foi dito aqui. Toda primeira terça-feira do mês temos um compromisso com nossas taças e nossa fome de experimentar novos pratos e vinhos. Ao contrário do que possa se imaginar não é uma reunião de enochatos que ficam tricotando a história de cada rótulo ou discutindo se a fermentação malolática tem ou não seu valor. Trata-se, antes de tudo, de um encontro entre amigos com uma paixão em comum: o vinho. Simples assim. Repito um pouco a definição do post anterior: uma confraria é um relação de camaradagem, de troca de experiências, um fórum vivo de sensações e avaliações. É um dos momentos mais aguardados do mês.
O almoço de comemoração da confraria da Baixa Gastronomia foi realizado no Fiorana. Um lugar especial, com cardápio também especial, elaborado pelo atencioso e simpático chef Mario Santoni, que no passado já conduziu as caçarolas da família Matarazzo.
MENU
Antepasto
Berinjelas e abobrinhas
Olivi ascolani (uma azeitona recheada com uma mistura de carne de boi, de porco e de frango misturadas a presunto, queijos parmesão, pecorino)
Salada verde com tomate
Primo piato
Malfatti (levíssima massa de nhoque, recheada com espinafre e ricota)
Secondo piato
Ganso com cogumelos salteados
Sobremesa
Degustação de tortas da casa, elaboradas por Dona Rita, proprietária da casa.
OS SETE VINHOS
- Grande Sendrée 2002, Drappier, Champagne, França;
- Pêra Manca Branco 2007, Fundação Eugênio de Almeida, Alentejo, Portugal
- Churchill 2005, Cabernet Franc, Bento Gonçalves, Brasil
- Viña Tondonia 1985, Viña Tondonia, Rioja, Espanha
- Comte de M 2004, Château Kefraya,Líbano
- Clos de Vougeaut 2004, Jean Grivot, Borgonha, França
- Tokaji Szanirodn 2004, Hungria
Terça-feira, dia 4 de agosto, tem mais. Eba!
Prezado Roberto,
Compartilhamos de sua visão, caso sua confraria decida por uma visita ao interior, será um prazer recebê-los. Temos uma campanha que estimula exatamente isto. http://www.twitpic.com/b66b1 .
Abraços.
Dalmo
É por aí que o rio corre,
comida de respeito que satisfaz ao estomago e
vinho que inebria o espirito
Schiffini
rt @blogdovinho – Bons vinhos, baixa gastronomia e grandes amigos – http://tinyurl.com/m39nxk
Surpreendente o seu passeio vinicolo pelo mundo, 85 garrafas, (uma ate mesmo do Libano!!!) e vc nao experimentou nenhum vinho romeno. Que coisa?!?! Creio que vou ter que lhe enviar um. Me de um endereco ou caixa postal, e assim que eu renovar o meu estoque, vou ter o prazer em lhe reservar ao menos uma garrafa.
Olá, Roberto, vc tem como fornecer o preço dos vinhos tintos que citou, por aproximação?
Grato:
Henriques