A revista de vinhos inglesa Decanter, colecionada pelos enófilos, respeitada pelo mercado e invejada pelos concorrentes, estampa em sua edição de abril, lançada dia 3 de março, a escolha do produtor Aubert de Villaine como homem do ano de 2010. A eleição é feita pela revista desde 1984 e pela primeira vez um representante da Borgonha, na França, é agraciado com o título. Veja lista completa no final do post.
Para quem não sabe, Aubert de Villaine é ninguém menos do que o proprietário da Domaine de La Romanée-Conti (DRC), um pedaço abençoado de terra de apenas 250.000 metros quadrados, onde se concentram seis grand crus — a mais alta categoria que um vinhedo pode alcançar na região da Borgonha. Ali são elaborados os rótulos Grands Échézeaux, Romanée-Saint-Vivant, La Tâche, além da estrela da casa, o Romanée-Conti. Para quem fica especulando o valor de um vinhedo desta qualidade, De Villaine é curto e elegante, como sempre: “A DRC não tem preço”. Mais comentado do que bebido, o Romanée-Conti é um desses vinhos que ultrapassa sua natureza de produto e ganha status de obra de arte.
Sexta geração à frente dos vinhedos, Aubert de Villaine é adepto da prática orgânica desde 1986 e mais recentemente da biodinâmica, aquela prática que rejeita o uso de defensivos químicos e acredita na influência dos astros sobre as vinhas. “É uma importante ferramenta para fazer vinhos”, justifica De Villaine, que mantém uma equipe permanente de 25 funcionários no campo que fazem uso da tração animal no tratamento do solo. Para ele, a melhor maneira de lidar com um terroir perfeito como a Domaine de la Romanée-Conti é a menor interferência possível: “Este pedaço de terra tem sido dedicado à excelência em fazer vinho há séculos. Meu trabalho é de guardião deste terreno”, diz.
Tive a oportunidade de entrevistá-lo no final de 2007, quando De Villaine veio ao Brasil apresentar a safra 2004 de seus vinhos. Abaixo reproduzo alguns trechos:
Blog do Vinho – Como se sente sendo o responsável pelo vinhedo onde são produzidos os melhores vinhos do planeta?
De Villaine – Sou um privilegiado, mas também muito consciente de minha responsabilidade. Este pedaço de terra onde eu faço vinho tem se dedicado à excelência há séculos. Minha missão não é colocar uma marca pessoal, mas manter uma tradição.
Blog do Vinho – O que faz o Romanée-Conti ser um vinho cultuado pelos especialistas e desejado pelos milionários do mundo?
De Villaine – A principal razão é que ele é um vinho de terroir. O Romanée-Conti é uma espécie de símbolo desta ideia. Seu vinhedo está localizado num local privilegiado, um grand cru de apenas 1,8 hectare (18.000 metros quadrados), no centro nervoso de nossa Domaine, em Vosne-Romanée. O resultado é um vinho elegante, suave, feminino e com grande personalidade e finesse, qualidades que já eram observadas pelo príncipe Conti, no século XVIII, quando ele adquiriu o vinhedo. Outra explicação é a escassez. A produção é muito pequena e a demanda alta. São cerca de 5.500 garrafas por ano, que são disputadas em todo o mundo. E esta produção não vai se alterar nunca, ela é determinada pelo tamanho do vinhedo.
Blog do Vinho – Seus vinhos alcançam preços estratosféricos nos mercados de investimento e na internet. O que acha disso?
De Villaine – Isso é algo completamente fora de nosso controle e que lamento profundamente. São valores tão altos que transformam os vinhos em item de colecionador, em troféus. Quando um produto atinge esta faixa de preço, eu acredito que as pessoas temem abri-los. Isso é um erro. Vinho não é para colecionar, nem para especular, mas para beber e dividir entre os amigos.
Blog do Vinho – Como explicar, para um leigo, o significado de terroir e sua influência?
De Villaine – Terroir é um pedaço de solo delimitado pelo homem, com certas condições climáticas, ideal para um certo tipo de vinho. É uma alquimia entre o homem e a natureza estabelecida pela história. Os monges começaram este trabalho, no século XI ou XII, ao delimitar os vinhedos da Borgonha e as uvas que seriam plantadas: a pinot noir, para os tintos, e a chardonnay para os brancos. Este conceito alcançou o nível mais elevado na Borgonha. Um bom exemplo da influência do terroir vem de dois vinhedos nossos: o Grands-Échézeaux e o Échézeaux. Mesmo sendo vizinhos, há diferenças de solo entre eles. Em Échézeaux, há muitas pedras; no Grands-Échézeaux, o solo é mais profundo, nunca serão encontradas grandes pedras saltando para fora da superfície — ou seja, em Échézeaux é possível caminhar usando sapatos finos, já no Grands-Échézeaux é necessário calçar botas. O vinho que resulta de cada um desses solos tem a sua personalidade. O aroma e o paladar não são as coisas mais importantes — isso se altera a cada safra —, mas sim esta personalidade, que vem da terra. Uma energia que percebemos quando provamos, a cada ano, um Échézeaux e um Grands-Échézeaux.
Blog do Vinho – A propósito, os especialistas costumam descrever uma infinidade de aromas, alguns meio esquisitos, nas taças de vinho. Isso não intimida um pouco os consumidores que não conseguem distinguir estas coisas?
De Villaine – Não fico surpreso que as pessoas não identifiquem estes aromas todos nos vinhos que compram. Eu mesmo não sou capaz de reconhecê-los. Aliás, acho muito aborrecido. Não estou interessado nisso, e sim na personalidade do vinho. Até admiro quem tem esta capacidade. Mas para mim, não há interesse algum.
Blog do Vinho – Como o senhor avalia a influência do megacrítico americano Robert Parker e de seu critério de avaliação de 100 pontos?
De Villaine – Eu acho que ele é um dos maiores responsáveis pelo crescimento do consumo de vinhos no mundo — é claro que o fato de as pessoas estarem mais ricas também ajudou. Quanto às notas, me parece bizzaro. Nós achamos impossível justificar uma avaliação com números. O que Parker diz sobre a bebida é mais interessante que suas notas. Mas é o jeito que funciona, e não podemos fazer nada contra isso. Eu espero que os consumidores aprendam que isso não é importante.
Blog do Vinho – O presidente Lula, quando eleito para seu primeiro mandato, em 2002, comemorou sua vitória com uma garrafa de Romanée-Conti 1997. Era uma boa safra?
De Villaine – Não é uma grande safra, mas eu me sinto muito orgulhoso que seu presidente tenha escolhido este vinho para celebrar sua vitória. Eu espero que tenha sido porque ele ama vinho e não por conta do rótulo.
Blog do Vinho – Nem uma coisa nem outra, a garrafa foi um presente de seu marqueteiro de então, Duda Mendonça, e a notícia gerou muita polêmica na opinião pública.
De Villaine – O curioso, me contaram depois, é que foi criado uma página na internet com o nome “romannecontiparatodos”, que defendia que o objetivo dos socialistas era tornar todos ricos, para que também pudessem beber o vinho. É divertido, mas impossível. Nunca haverá Romanée-Conti para todos. Como eu disse, são só 5.500 garrafas por ano.
Todos os homens do ano da Decanter
2010 Aubert de Villaine – Borgonha, França
2009 Nicolas Catena – Mendoza, Argentina
2008 Christian Moueix – Pomerol, França
2007 Anthony Barton – Bordeaux, França
2006 Marcel Guigal – Rhône, França
2005 Ernst Loosen – Mosel, Libano
2004 Brian Croser – Adelaide Hills, Austrália
2003 Jean-Michel Cazes – Bordeaux, França
2002 Miguel Torres – Penedès, Espanha
2001 Jean-Claude Rouzaud – Champagne, França
2000 Paul Draper – Califórnia, EUA
1999 Jancis Robinson MW – Londres
1998 Angelo Gaja – Piemonte, Itália
1997 Len Evans, OBE AO -Austrália
1996 Georg Riedel – Áustria
1995 Hugh Johnson – Londres
1994 May-Eliane de Lencquesaing – Bordeaux, França
1993 Michael Broadbent – Londres
1992 André Tchelistcheff – Califórnia, EUA
1991 José Ignacio Domecq – Jerez, Espanha
1990 Prof Emile Peynaud – Bordeaux, França
1989 Robert Mondavi – Califórnia, EUA
1988 Max Schubert – Austrália
1987 Alexis Lichine – Bordeaux, França
1986 Marchese Piero Antinori – Florença, Itália
1985 Laura and Corinne Mentzelopoulos – Bordeaux , França
1984 Serge Hochar – Líbano
Muito boa entrevista, impressionante a simplicidade de uma pessoa tao importante para quem aprecia vinhos.
adoro esse blog