“As próprias sensações visuais devem traduzir-se imediatamente em pensamento”
Giulio Carlo Argan, critico de arte italiano
O quadro reproduzido acima é do pintor Francês Henri de Toulouse-Lautrec. Trata-se da tela A toalete (1896), atualmente exposta no Musée d’Orsay, em Paris. Como você descreveria esta singela tela? O autor Giulio Carlo Argan, um dos últimos representantes de uma escola crítica que procurava o sentido da arte na sua história, analisava da seguinte maneira:
“A Toalete é um quadro no sentido tradicional do termo; nele, porém, cada signo, seja gráfico seja cromático, vale não por si, mas por sua capacidade de transmitir uma energia que logo se comunica com todo o espaço. Impossível isolar uma bela cor, um belo arabesco linear em sua composição densa e animada. O espaço não é profundidade nem tela de projeção: é um plano fugidio, movediço, onde, ao invés de permanecer, as figuras e coisas deslizam (…) A figura não está em primeiro plano (…) A perspectiva tem um desenvolvimento irregular (…) A matéria da cor é parca e árida (…) Não há nenhuma caracterização psicológica explícita nessa figura sem rosto, seu significado humano transparece no modo de sentar no chão (…) Tem-se a impressão que o artista evitou deliberadamente tudo o que atrai a vista, para isolar o que, através dos olhos, penetra e desperta uma reação, uma resposta do pensamento.”
Agora volte ao quadro. Seria esta a sua descrição do que se passa nesta tela? As pinceladas te provocam esta análise acurada? Estimulam uma resposta do pensamento que, de acordo com o critico, era a pretensão do artista?
Provavelmente não. Mas um olhar atento ao quadro, com algum rigor, com tempo para reflexão e pausa para a imersão vai revelando um detalhe aqui, uma percepção ali e até que a visão de Argan faz algum sentido e pode ser incorporada à sua avaliação pessoal da tela. Agora, nos aproximamos um pouco da visão do crítico, e também do artista. A bagagem cultural do resenhista e seu olhar treinado permitem, é claro, esta série de ilações que certamente falta aos leigos em artes plásticas para quem o belo é um conceito muitas vezes intraduzível.
O dialeto do vinho
Um paralelo pode ser traçado com o vocabulário usado para descrever os vinhos. Ou pelo menos certos rótulos mais refinados, que pedem uma reflexão mais acurada, uma análise mais profunda. Assim como uma obra de arte pode proporcionar diversas reações, inclusive nenhuma, o vinho também tem sua compreensão em diversos níveis: do mais simples (gostei/não gostei) ao mais elaborado. Compõem esta avaliação a cor, o olfato, o gustativo e a experiência. Este mosaico de sensações provoca as mais variadas elucubrações dos degustadores.
Enrico Bernardo, sommelier consagrado de restaurantes estrelados como George V, de Paris, comenta assim a prova de um Romanée-Conti, um ícone da Borgonha:
“A taça transportou-me a outro mundo. Seu buquet é atraente desde os primeiros segundos. Ele libera instantaneamente o frescor de uma fruta vermelha acidulada, perfumes de bastões de alcaçuz, húmus e erva recentemente cortada. Na boca, o encontro é acanhado, mas muito intrigante em sua mistura de sutileza e profundidade. Os taninos são finos e de uma sedosidade notável. A safra 1996 confirma a classe natural e a beleza desse terroir único. Uma recordação inesquecível…”
Aqui se repete o fenômeno do crítico de arte. Se por um lado as notas de Enrico Bernardo apartam o neófito do fermentado de uva engarrafado, por outro revelam um profundo respeito à dedicação de um produtor pelo seu trabalho. Um produtor de vinho nada mais é que um profissional que extrai da terra um fruto milenar que macerado e fermentado se transforma em suco alcoólico de uva que revela a força de seu solo, a tipicidade de seu clima e o caráter de sua origem.
Este sentimento de plenitude, expresso nas últimas palavras de Bernardo, é o que une e move tantos seguidores do vinho. A busca de todo apaixonado pela bebida é encontrar o néctar inesquecível, que provoque a mesma reação que a tela de um grande artista: o despertar de uma resposta do pensamento.
A poesia é necessária?
Claro, nem sempre cabe tanto salamaleque para descrever um vinho. Os rótulos mais simples, os tintos e brancos de menos expressão, são como textos do noticiário: precisam ser corretos, bem apurados e honestos, mas nem por isso concorrem a algum prêmio. Mas, não há como negar, é farto o besteirol impresso ou digitalizado com descritivos incompreensíveis até pelo mais calejado bebedor de vinho. É muita poesia para pouca rima. O sempre citado – e criticado – Robert Parker é mestre nas figuras de linguagem rebuscadas, o que dá uma oportunidade e tanto para a sátira desenfreada dos detratores de plantão. Coisas como: cerejas crocantes, groselha sexy, feno empoeirado e folhas outonais caramelizadas são descrições recorrentes nas degustações de Parker e companhia. Quem não estranha?
Outro dia deparei com uma ficha de degustação de uma importadora em que um determinado tinto espanhol era descrito com uma cor “rubi impenetrável, um aterrorizante equilíbrio e infindável persistência”. Um desavisado que lê uma coisa dessas é até capaz de evitar o vinho.
Direto ao ponto
Mas há deliciosas exceções. O jornalista especializado em gastronomia, Mauro Marcelo Alves, presenciou o seguinte diálogo entre um vendedor de uma adega do Mercado Municipal e seu cliente:
– Este vinho é bom? – pergunta o comprador.
– É o bicho! – indica o vendedor.
– Então embrulha pra mim – decidiu o cliente.
Quem está certo? Creio que tanto o crítico parnasiano que carrega nas tintas como o vendedor pragmático que vai direto ao ponto. A mensagem, afinal, tem vários caminhos para atingir o pensamento do público-alvo, como perceberam Toulouse-Lautrec, Giulio Argan, Robert Parker ou mesmo nosso simpático balconista do Mercado Municipal.
A opção maluco-beleza multimídia
Gary Vaynerchuk, para quem ainda não conhece, é uma espécie de metralhadora giratória da degustação. A velocidade e a quantidade de aromas e sabores que ele enumera em cada episódio de seus programas de vídeo na web é espantoso. O TV Wine Library é a versão mais multimídia do discurso da bebida.
No episódio abaixo (frenéticos 30 minutos de discurso), Gary prova uma variedade de produtos (de pipoca a geleias) para demonstrar como é importante treinar o paladar para conseguir identificar certos aromas e sabores em uma taça de vinho. É uma outra maneira de decifrar o vinho: verbalizando-o.
Caro Gerosa, nos encontramos no estande do Marco Danielle ano passado e esse ano em frente à sala de degustações. Gostaria de parabenizá-lo pela analogia da crítica de arte com o vinho, ficou muito boa. Se tiver tempo dê uma olhada no meu blog: http://www.decantandoavida.com
Um abraço,
Eugênio Oliveira.
Prezado Gerosa, pela primeira vez estou esta coluna ou a sua coluna, fiquei tão empolgado que estou lhe cumprimentado pela esta bela analogia.
A arte a pintura descrita eu já conhecia, mas, a sua analogia demonstra que tudo que saboreamos num bom vinho é fruto de uma marqavilhoso imaginação que é infinita, por esta razão é maravilhoso degustar um bom vinho e o restante é fruto da imaginação somada ao olfato,ao visual e as
papilas gustativas que inpulsionadas fazem a gente sonhar ao lado de bacon. Parabéns.
Prezado Gerosa, Parabéns por feliz Analogia. reunir as duas artes numa só pilastra do prazer. celso
Beto, veja este vídeo. Simples mas informativo. Que acha?
No meu caso, vi e fui atrás do vinho. Ótimo,por sinal.
http://www.youtube.com/watch?v=iFI6lfPOdR0&feature=channel
abs
gosto do Xêiro(cheiro feminino) que ele me induz a imaginar(o cheiro pode ser imaginado??? sim, pode ser materializado em pensamentos distintos de paisagens e momentos vividos!) gosto do sabor que pode ser lembrado num proximo momento especial. Adoro Vinho, um bom vinho!!
Belissíma analogia, que traduzida nas palavras reflete o extardionário explendor da arte e o prazer da degustação de um bom vinho.
Não entendo nada de vinhos. Tenho um bom estoque que ganhei de alguns aniversários. Quando faz frio aqui no sul, abro uma dessas garrafas acompanhado de massas com frango ao molho de shoyo e prefiro quele que tem o gosto da uva.Estou certo. Por favor me responda.
Excelente!
Adorei esse post porque muitas vezes as análises estritamente técnicas me angustiam. Sem enochatice, um toque de poesia e subjetividade são bem vindas nas avaliações.
Abraços,
Claudia
ola!li seu post e adorei sua otima colocaçao sobre vinhos.em nossa casa ele tem destaque principal pois somos apreciadores dessa bebida fantastica.um grande abraço
Agradeço a visita de todos e os elogios de Mari de Mello, Claudia Holanda, Natagel, Celso Rogerio Costa, Eugënio Oliveira.
Grande abraço
Beto Gerosa
Olá Gerosa.
Tenho (apenas) 40 anos e me envolvi com vinho há 7.
Tenho uma adeguinha (40 garrafas) lotada e já provei dezenas (ou centenas) de néctares.Acredito que apenas provando com atenção e vários vinhos diferentes podemos ter a capacidade de descrição de aromas e sabores tão diferentes que estão guardados nessas maravilhosas garrafas.
Evitar o preconceito e provar vinhos tintos , brancos , rosés , espumantes , fortificados , doces , enfim todos os tipos de todos os produtores de todos os países , abrindo o leque de percepção e sensibilidade. Bons Vinhos e um abraço!