“A técnica de beber é aprendida, o prazer não se situa no mesmo nível“
Émile Peynaud e Jacques Blouin, em O Gosto do Vinho
Toda vez que você depara com a descrição de um vinho feita por um especialista, com aquele texto cifrado, talvez passe pela cabeça o seguinte questionamento: para que servem as degustações de vinho?
Bom, a degustação de vinhos se situa naquela frágil fronteira do conhecimento que coloca um especialista e um apreciador da mesma bebida em trincheiras opostas. Para o primeiro trata-se de decifrar uma mensagem contida em uma bebida, revelada por sensações olfativas e gustativas e traduzidas em um vocabulário específico. Para o segundo trata-se apenas de uma questão de gosto, de encontrar um vinho que lhe agrade hoje e sempre. Para o degustador, o apreciador deveria prestar mais atenção no que bebe. Para o apreciador eventual, o degustador é uma afetado que não tem mais com o que se preocupar na vida.
É muito comum na área de comentários deste Blog do Vinho manifestações de leitores neste sentido, os exemplos abaixo são uma amostra deste universo
“Que coisa de fresco ficar discutindo isso…vão se preocupar com coisas mais importantes! Ficar falando de harmonização e entre vinho e comida é para quem já desistiu de fazer algo útil na vida!”
“É uma frescura mesmo, bom é beber cerveja, que harmoniza com qualquer comida e com mais cerveja. Coisa de fru-fru ficar vendo cor de vinho”
O critico de bebidas do New York Times, Eric Asimov, radicalizou o discurso em um artigo recente e propôs “uma abordagem simples e eficiente para orientar e libertar o consumidor em suas escolhas”. Para Asimov “uma descrição sucinta dos pontos marcantes, como densidade, textura, aroma e sabor podem ser muito mais úteis em determinar se você vai gostar daquela garrafa do que mil outros detalhes.” Pode ser um caminho para conciliar estas duas espécies que apreciam uma boa garrafa de vinho.
Olfato e sabor – as origens da degustação atual
A degustação atual, segundo os autores de O Gosto do Vinho, a bíblia dos degustadores, é uma interpretação de duas correntes francesas na arte da prova de vinhos, ou de uma forma um pouco mais poética, do encontro do humano com o vinho.
A escola de Beaujolais e da Borgonha trouxe o avanço na análise e na descrição olfativa, já que o julgamento é feito com vinhos de uma única variedade: pinot noir para os tintos da Borgonha; gammay para os tintos de Beaujolais (uma região é extensão da outra) e a chardonnay para os brancos. Portanto, os degustadores dão mais importância à olfação e à persistência aromática.
Já a escola de Bordeaux é mais atenta ao equilíbrio dos sabores e ao volume em boca, pois analisa cepas misturadas, o chamado corte bordalês com as uvas cabernet sauvignon, merlot, cabernet franc, petit verdot e malbec, esta última em menores proporções. Estes vinhos se qualificam pela qualidade dos taninos e da sua estrutura.
Como se sabe, hoje tanto olfato como os sabores em boca são igualmente relevantes na avaliacão de um vinho, ou seja a combinação das duas escolas acabou formando as bases da degustação atual.
Degustação profissional serve para alguma coisa?
Para início de conversa, uma verdade incômoda para os patrulheiros dos homens que cospem vinho (como esta coluna simpaticamente denomina a classe dos provadores). A degustação profissional é necessária, é um elo importante na cadeia da indústria vinífera. Os enólogos e produtores são os primeiros degustadores desta corrente. Eles vão provando os caldos desde o mosto – quando formam a primeira opinião sobre o potencial daquele vinho e de suas uvas – até o momento da seleção de uvas e tempo de maturação nas barricas. É um processo exaustivo e praticamente diário, quase uma degustação reversa, que exige muita técnica e conhecimento. O enólogo tem um vinho ideal desenhado na cabeça. O vinho deve expressar as principais características de sua terra, de sua região e/ou de sua uva. A degustação visa encontrar este ponto de expressão máxima possível do vinho e sua origem. Na mesma linha de ofício se encontram os técnicos dos países e regiões que exigem certificados de origem para atestar a autenticidade de um vinho.
Mais próximo do nosso dia-a-dia está outro profissional do gosto do vinho: o somellier. Seu leque de ação costuma ser limitado pela carta do restaurante que representa e pelos clientes que pode influenciar de alguma maneira. Mas seu conhecimento geral é importante para garantir uma recomendação adequada.
Por fim, aparecem as estrelas da degustação profissional atual. São os críticos, como o americano Robert Parker (sempre ele), com o poder de elevar o preço de uma garrafa com uma pontuação muito alta ou declarar sua desgraça no mercado com notas abaixo do esperado. Como a pontuação no geral usa a casa da centena, o número mágico que os vendedores começam a exibir nas prateleiras para vender mais um determinado rótulo começa em 90 pontos – você já deve ter visto etiquetas assim em catálogos e lojas -, o resto não interessa muito.
Tem gente que desdenha este modelo, mas produtores de mente aberta, como o revolucionário italiano Ângelo Gaja, reconhecem seu valor. Para Gaja, Parker tem uma enorme importância para a difusão do vinho, pois ao contrario da resenha literária da escola inglesa dominante até o fim do século passado, a escala Parker é quase binária: “Qualquer cretino reconhece que 100 é melhor que 80”, resume. Gaja defende a arte dos artesãos, dos pequenos produtores, dos tintos e brancos de excelência, afinal é um de seus maiores representantes, mas sabe também que o vinho não deixa de ser um negócio.
A sua (e a nossa) degustação
Entre o brucutu que não tem sensibilidade de diferenciar uma garapa de uva de um rótulo mais elaborado e um especialista que traduz suas avaliações em sânscrito e não consegue transmitir conceitos acessíveis ao consumidor existe a degustação de quem simplesmente aprecia vinho, se encanta com sua variedade de uvas e que também foi fisgado pela beleza de uma bebida de sabores ricos, prazerosos e às vezes surpreendentes.
Para quem faz parte deste time (nós?), degustar é a arte de medida e bom senso. Trata-se de um processo de conhecer melhor para apreciar melhor; uma busca pela expressão dos sentidos. É uma delícia falar do vinho que apreciamos, descrevê-lo de alguma maneira, assim como fazemos com naturalidade diante de um prato de comida. O degustador casual busca a memorização do gosto, um aprendizado que só faz sentido se trouxer recompensas sensoriais e até materiais – uma das vantagens de conhecer mais é poder escolher vinhos não tão caros que proporcionem um bom índice de satisfação. É saber comprar pelo vinho e não pelo rótulo premiado e bem pontuado.
Voltando ao início do texto e tentando responder a provocação: para que servem as degustações? As profissionais para estabelecer critérios de produção, qualidade e consumo. As amadoras para você beber melhor e curtir mais o seu vinho. Sem jamais, no entanto, se transformar em uma caricatura de um conhecedor de vinho, como mostra o vídeo abaixo.
Vídeo do grupo humorístico espanhol Martes y Trece (1978-1997) encontrado nos arquivos do Youtube
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Adoro um bom vinho, meu conhecimento limita-se a curiosidade, pelo simples fato de apreciar a bebida procurei saber mais sobre ela , e aprendi que realmente não é preciso ser degustador, critico ou outro especialista qualquer para apreciar um bom vinho, basta saber que estamos escolhendo para beber uma bebida nobre, que merece que saibamos no minimo sua origem e que por traz daquele rotulo tem toda uma estória que não começou com aquele fabricante, e sim, (podemos até exagerar) com a humanidade. Abrindo uma garrafa de vinho com esse respeito com certeza ao degustalo vamos dar mais atenção aos detalhes e vamos perceber a infinidade de sabores,cores e aromas que ele tem a oferecer, e ai começamos a descobrir que os especialistas teem razão ao falar da uva, da terra, da região, clima e das casas que os elaboram, mas vou dar a minha modesta opinião;
Os vinhos ja veem com suas particularidades mas se completam com OCASIÃO MOTIVO AMBIENTE E COMPANHIA.
Abraços.
Não sei sobre decifrar o vinho por isso pretendo fazer um curso rapido na associação de vinhos, em São Paulo, por que nestes ultimos 10 meses , consumi que um grande amigo me deu, varias garrafas do porto da colheita de 1946, 47 , alguns Bordeaux, dos anos 1947 , inclusive um Porto da colheita de 1895, incrivel um vinho ainda adocicado, que delicia, já vão 40 garrafas tomadas, , tenho ainda 25 ,em breve acabarão,
Degustar um vinho é o convite a apreciar detalhes quase imperceptíveis(outros nem tanto), dedicar o momento a fazer algo muito prazeroso, principalmente se tivermos ao lado alguem que também tenha a sensibilidade e que possa dividir suas impressões, é um momento fantástico, eu diria único, além de nos proporcionar uma viagem sem sair do lugar pelo mundo dos sentidos.
Olá Beto,
Sou jornalista e estou divulgando uma degustação de vinhos portugueses em BH. Gostaria de seus contatos e do geral da página de vinhos do IG para enviar-lhe um convite e sugestão de pauta. Grande abraço
Muito bom!
Adorei seu texto. Parabéns.
Também sou uma fã da arte de degustar vinhos e já rodei muitas vinícolas sul-americanas (Argentina, Chile, Uruguai) atrás daquele aroma especial.
Ontem no meu blog postei a receita de um antepasto de beringela para acompanhar um Pinot Noir que ficou divino!
Passe por lá e copie a receita!
http://ropertile.blogspot.com
Belo texto, Gerosa.
Abraços,
Pagliari
Pagliari, vindo de você, mais que um elogio é uma aprovação
abs