Mauro Von Siebenthal é suíco, proprietário da Viña von Siebenthal e idealizador do tinto Cabrantes. Angela Mochi é brasileira, e produz os vinhos Tunquen. Fernando Atabales é enólogo da Starry Nights Wines. Sergio Avendaño une sua paixão pela bateria e pelo vinho com os tintos da Trabun. Todos são produtores de rótulos chilenos, e provavelmente você nunca ouviu falar deles, nem jamais bebeu um de seus vinhos, mesmo sendo um fã dos tintos e brancos dos Andes. Eles fazem parte do Movi, o Movimento dos Vinhateiros Independentes do Chile.
Não, não se trata de mais um grupo revolucionário da América Latina que resolveu pegar em armas e combater as gigantes da indústria vinícola chilena propondo um boicote aos seus rótulos com piquetes nas lojas ou adulterando suas barricas na calada da noite. A proposta do grupo é mostrar que existe vinho além dos gigantes Concha y Toro, Santa Rita, Santa Helena e San Pedro, que preenchem as prateleiras dos supermercados e catálogos online da importadores. E vinhos de qualidade, que tentam refletir a identidade do local em que foram produzidos e traduzem a interpretação do enólogo do seu vinhedo, seja lá o que isso signifique na prática para os consumidores.
Nada contra os blockbuster dos fermentados. Desde os rótulos de base até seus ícones são no geral vinhos bem feitos, de alta tecnologia, que buscam a excelência em cada linha de atuação. Minha geração, com certeza, se iniciou nos caldos bebendo vinhos destes produtores, sempre confiáveis. Eu, particularmente fico muito feliz com uma taça de Dom Melchor (Concha y Toro), Don (Santa Helena), Casa Real (Santa Rita) ou Cabo de Hornos (San Pedro), na mão, ou mesmo seus primos mais pobres, a linha do dia a dia.
O Movi só existe, diga-se de passagem, pois está inserido em uma indústria madura, de alta capacitação técnica, muita pesquisa e presente no mercado internacional. Parte dos membros do Movi fizeram carreira nas grandes empresas vinícolas do Chile, outros são diletantes que se aventuraram pelos vinhedos com uma ideia de vinho na cabeça e uma taça vazia na mão. O objetivo é esvaziar a cabeça e encher a taça. Criada em 2009 por 12 sócios fundadores, atuamente conta com 21 membros. São eles: Armidita, Bravado Wines, Bustamante, Clos Andino, Flaherty, Garage Wine Co., Gillmore, I-Wines, Lafken, Lagar de Bezana, Meli, Peumayen, Polkura, Reserva de Caliboro, Rukumilla, Starry Night, Trabun, Tremonte, Tunquen Wines, Villard e Von Siebenthal.
O símbolo do Movi já é uma bela sacada que define um pouco seu caráter iconoclasta e diferenciado: um barril alado. No catálogo que apresenta cada vinícola os enólogos-idealizadores mostram suas criações em fotos descontraídas, o vinho tratado como um objeto alegre e hedonista, feito para dar prazer, e não um ícone embalado em uma caixa de veludo exibido em um gabinete inglês. Nas fichas técnicas, algumas harmonizações fazem fronteira com a poesia. O Trabun, por exemplo, combina bem com… uma “boa música”, segundo seu enólogo.
O movimento, por ter uma proposta artesanal, independente e de respeito à natureza também tem as suas idiossincrasias. E tome nomes de línguas nativas como mapuche (Rukumilla, significa “seios de ouro”; Polkura, “pedra amarela”; Peumayen “lugar sonhado”) e mapundungun (Lafken, significa “terraço”; Trabun, “lugar de encontro”). Sei não, a despeito de todo simbolismo, me parece que estas línguas nativas só servem para dar um toque de raiz nos rótulos dos vinhos chilenos. Além de exótico para o mercado externo fica bacana no material de apresentação, né não? Trata-se do movimento inverso ao das importadoras que insistem batizar suas empresas com nome em inglês no Brasil.
Os 21 produtores do Movi juntos engarrafam 40.000 caixas por ano, na média são 2.000 por vinícola, mas há aquelas, mais artesanais, que não passam de 200 caixas. Independência, identidade, vincultura orgânica e conceito de origem, no entanto, tem seu preço: os rótulos vendidos no Brasil (os que têm representantes) estão na casa dos 100 reais. Ou mais. Não são ampolas para iniciantes, talvez mais indicado para aquele tipo de consumidor que procura o novo, a diversidade, e está em constante busca de sabores diferenciados.
Vinhos Indicado pelo Gerosa (ViG)
O Movi, apesar de independente, está longe de rasgar dinheiro – e rótulos. O marketing da diferenciação é muito eficaz. E funciona, olha eu aqui escrevendo sobre o grupo e seus vinhos. Como parte da proposta de divulgação é realizado um road-show para apresentar os vinhos aos críticos, especialistas, virtuais importadores, enfim para os homens que cospem vinho – e depois escrevem sobre eles. Na última rodada promovida pela Movi em novembro de 2012 em São Paulo, foram provados 21 rótulos, com uma forte predominância da uva syrah (eram 12 deles, sendo que 4 100% da varietal). Os vinhos indicados pelo Gerosa (ViG) deste painel foram os seguintes:
Vinos Bustamante, Bustamante Mantum 2007 – um assemblage (mistura de várias uvas) com predominância de cabernet sauvignon (65%), carmenère (22%) e com pitadas de syrah (8%) e merlot (5%). Me encantou o bom entrosamento das uvas, de vinhedos centenárias, com um final persistente e elegante, com taninos firmes, um belo estilo Bordeaux chileno, com o auxílio da carmenère, uma uva que na minha opinião é melhor aproveitada em cortes do que em vôo-solo.
Importador: La Charbonnade
Garage Wine Co, Carignan Lot #27 2010 – de vinhedos antigos de mais de 70 anos de idade, esta deliciosa carignan, com 11% de grenache, desce macia, se amplia na boca e tem um ótimo final. Duas curiosidades, o Lot # 27 é uma homenagem à resistência do lavrador do Maule, já que as uvas foram colhidas logo em seguida ao terremoto que devastou o solo chileno. E os cascos são de garrafas recicladas de champanhe.
Importador: Premium
Starry Night, Starry Night 2010 – um puro sangue, 100% syrah. Uma baita cor violeta, toques florais, frutas vermelhas, desce macio e tem na boca uma fruta excepcional com um fundinho herbácio elegante. Talvez o mais surpreendente vinho do painel.
Pena, não tem importador no Brasil. Alguém se habilita?
Villard, Tanagra 2009 – outro 100% syrah do Valle do Maipo, uma fruta madura e elegantes notas de especiarias. São produzidas apenas 2820 garrafas desta belezura daquela que é considerada a primeira vinícola-boutique do Chile, fundada em 1989.
Importador: Decanter
Von Siebenthal, Cabrantes 2009 – 85% de syrah, escoltada por 10% de cabernet sauvignon e 5% de petit verdot. Tem uma pegada intensa mas com finesse, uma tipicidade chilena com um amentolado sutil. Seus vinhedos ficam colados ao mais conhecido e comercializado Errazuriz e o cultivo é orgânico.
Importador: Terramater
Três curiosidades
O Movi, apesar de defender a autenticidade do solo chileno, não é uma república nacionalista, pelo contrário, é uma espécie de ONU dos vinhateiros no Chile. Há representantes dos Estados Unidos, Suíca, França, Italianos e até mesmo um casal de brasileiros, Angela Mochi e Marcos Attilio, da Tunquen Wines. Até onde eu saiba os únicos brasileiros que se aventuraram a produzir vinho nos Andes. Para completar o ineditismo, arriscaram na uva e apresentaram um malbec chileno do Vale de Casablanca, variedade pouco comum na região. Trata-se do Tuquen 2011 Malbec (sem importador no Brasil). Quem está acostumado aos densos, doces e maduros malbecs pode se surpreender. Aqui a pegada é outra. Por estar numa região mais fria a potência dá lugar a notas mais frescas. Sim, tem aquela violeta característica dos malbecs, mas é mais fresca e sutil. E um toque mineral que mesmo para quem não sabe do que se trata se traduz numa leveza na degustação do vinho. Vale provar, e comparar com um exemplar argentino.
Um dos tintos exibidos é mais conhecido no mercado. E faturou em 2012 o prêmio do Guia Descorchados, uma das publicações mais conceituadas da América Latina. O Erasmo 2007 (importado pela Franco Suissaa) é um corte bordeaux por excelência e que sempre me agradou ao paladar. Continuou agradando, é classudo, com uma boa madeira integrada à fruta, mas… comparado aos seus colegas de Movi, deixou o encanto um pouco de lado na prova. O que demonstra que a degustação é um exercício que comprova a qualidade – ou não – daquela garrafa e não necessariamente de um determinado vinho.
Foram apresentados neste painel apenas dois exemplares brancos, o Armidita (sem importador no Brasil), um moscatel de caráter mais doce, uma espécie de vinho-arqueologia, pois recupera o branco conhecido como “pajarete”, cultivado pelos monges jesuítas como vinho de misssa. É produzido no Deserto do Atacama, 100% da uva moscatel colhidas e selecionadas a mão. O outro vinho branco, um chardonnay com toques de baunilha e dez meses de barrica francesa (alada?) da I-Wines traz no rótulo um nome que deve trazer alguma dificuldade na indicação nas lojas e restaurantes: Qu Chardonnay 2011 (Berenguer Imports). É inevitável imaginar a ginástica do sommelier na indicação do vinho…
Publicado originalmente em novembro de 2012
Bom trabalho esse. Essa Barrica ate da ASAS em nossas papilas gustativas……pronto…..ja estou de porre……tomara que a barriga (sera barrica) nao caia na minha cabeça.
Você já ouviu falar deles?Bjo!
Beto, muito legal a tua percepção do MOVI, vc entendeu exatamente o que estávamos buscando transmitir em SP. E com relação ao Tunquen Malbec, foi quase como se o vinho tivesse se transformado em palavras. Muito bacana, um texto realmente primoroso. Abçs deste lado dos Andes, Angela Mochi
Oi Angela
Bom saber que a descrição do Movi é representativa.
Espero que o Tunquem encontre um importador no Brasil para os consumidores poderem ter oportunidade de comparar os estilos e tomar sua decisão.
O IG precisa de conteúdo urgente ! O que um BLOG DE VINHO pode agregar a vida de um povo que na sua imensa maioria não tem um prato decente de comida todos os dias ?
Bem Fabrício, o sol nasce para todo mundo. Então, esse espaço é reservado aqueles que se dão ao direito de consumir um vinho quando podem. Sorte de que pode! E isso não desprestigia os que não podem.
Seja mais tolerante!
Esse blog é de um nível mesmo superior, talvez seja este o motivo por não ter se encontrado aqui.
Com um abraço por dias melhores,
Guilherme.
Caro Beto,
Estava sumido! Bem, mas voltou com mais uma ótima postagem. Gosto muito dos vinhos de Von Siebenthal e Villard (o Tanagra me agrada muito). Também gosto muito do Erasmo. Mas sempre que o bebemos ao lado de vinhos mais potentes ele sente o baque. Mas quando ele é bebido sozinho, faz sempre sucesso.
Preciso experimentar os outros que você citou.
Abraços,
Flavio
Caro Flavio
Obrigado pelos elogios. A questão do Erasmo é mesmo curiosa. Interessante saber quqe você compartilha esta mesma impressão.
Vou atualizar mais o blog, prometo.
abs
ESTES VINHOS TEM UMA QUALIDADE ACEITAVEL MAS O CUSTO NÃO É LEGAL.
CONHEÇO VINHOS MELHORES COM UM CUSTO MAIS BAIXO UM VINHO DA BORGONHA
RAZOAVEL TEM UM CUSTO IGUAL A ESTE ENTÃO NÃO VEJO A VANTAGEM NISTO.
por favor me indique um branco seco bom, pois a maioria e tipo alemao e sao meio doces, brasileiro ou nao
oi Hosny
apesar de os preços estarem desatualizados, dê uma conferida nos vinhos brancos indicados nesta coluna
http://vinho.ig.com.br/2008/11/26/brancos-bons-e-nem-sempre-baratos/
e dicas sobre vinho branco nesta outra coluna
http://vinho.ig.com.br/2008/11/10/vinho-branco-voce-ainda-vai-beber-um/
abraços
Recomendo um vinho do Valae San Antonio se não me falha a mémória:” Matitice”
Caro Manoel
Creio que o vinho seja o Matisse, da Casa Marin, é este?
abraços
Gostaria de estar no Chile, para provar todos.
Excelente texto. Entretanto, senti falta do Tatay de Cristobal da Von Siebenthal na lista … Na minha opinião o melhor Carmenere do Chile (especialmente a safra 2007)!