Tem coisas na vida que não adianta inventar moda. Por exemplo, comida italiana combina com vinho idem. Uma massa com molho ao sugo e suas variações clama por um tinto com boa acidez, corpo médio, fruta moderada e madeira sem excesso. E qual vinho de bandeira verde-branca-vermelha atende estes requisitos? Madonna mia, aquele elaborado com a sangiovese! Sem desmerecer outras uvas nativas de grande representatividade regional – nebbiolo, barbera, aglianico e mais 400 outras variedades -, a sangiovese é a uva que melhor representa o conceito de identidade italiana em um vinho, secondo me (expressão roubada do Didu Russo).
Família Bulgheroni
E sangiovese é sinônimo da região da Toscana, um lugar que eu passaria fácil, fácil o resto dos meus dias. É ali, na Toscana, que é produzido o Chianti (e suas variações, classico, riserva), o Rosso e o Brunello de Montalcino tendo a sangiovese como estrela principal. Foi ali também que o milionário argentino de ascendência italiana Alejandro Bulgheroni resolveu estabelecer parte de seu império vinícola, iniciado há apenas 10 anos. Adquiriu terrenos e criou do zero marcas na região: Dievole (Chianti Classico, aquele do Galo Nero); Podere Brizio (Montalcino) e Tenuta Maraviglia (Bolgheri).
Como fazer história no secular mundo do vinho e criar um grupo importante em apenas 10 anos? Simples, basta realizar um aporte de 1 bilhão de dólares, cercar-se de profissionais competentes (o enólogo italiano Alberto Antonini, o chef argentino Francis Mallmann, por exemplo), selecionar as melhores regiões vinícolas do mundo e estabelecer critérios de qualidade e autenticidade aos vinhos. O grupo Bulgheroni está presente também nos Estados Unidos (Napa), França (Bordeaux), Austrália, Argentina (Vistalba, Argento), Uruguai (Garzón). Ah, o 1 bilhão vem dos negócios com petróleo, fica mais fácil assim.
Tem um CEO na minha mesa
CEO do grupo Bulgheroni na Itália, Stefano Capurso é um representante, de certo modo, de um clássico italiano. Um homem elegante, discreto, de boa prosa. Sua missão é transmitir os valores da empresa. São eles: recuperação das uvas nativas toscanas, cultivo de agricultura orgânica, uso exclusivo de leveduras indígenas (é possível comprar leveduras de todo tipo para dar esta ou aquela característica a um vinho, maquiando a bebida, algo descartado em seus vinhos) e práticas sustentáveis de produção (por exemplo uso de um tipo de rolha produzida com fibra de cana de açúcar, garrafas menos pesadas para maior segmento dos rótulos, etc).
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Capurso veio mostrar e vender seu peixe para um grupo de formadores de opinião e palpiteiros do vinho. Esta é a lógica do negócio, para opinar é preciso conhecer, portanto divulgar. Enfrentou com galhardia uma gangue de carcamanos do vinho (Gerosa, Russo, Tomasi, Carrara, Merguizzo e Miwa, um japonês infiltrado) e fiel ao seu estilo low profile ressaltou as principais características de seus rótulos — uvas nativas, fermentação natural e envelhecimento em barricas grandes (4.000 a 5.000 litros) — e deixou os adjetivos para a mesa. “Não posso dizer que os nossos vinhos são melhores que os outros. Eles são diferentes. Quem tem de julgar é o consumidor”, afirmou.
Aqui a sangiovese brilha
Não são vinhos baratos, ficam naquele pelotão de médio-alto nível, onde o prazer é, geralmente, inversamente proporcional ao orçamento disponível. Vale a pena? Mamma mia! São representantes autênticos do potencial natural da sangiovese, uma uva de colheita tardia, em solo toscano. Destaco aqueles vinhos provados em que a sangiovese é a prima-dona. Salute!
Dievole Chianti Classico DOCG 2015
Região – Chianti Classico (Vagliali, próximo a Siena), Toscana, Itália
Uvas: 90% sangiovese, 6% canaiolo, 4% colorino
Importador: World Wine
Preço: R$ 210,00
Dievole é uma corruptela de Dio, Voglio (Deus quer). E Deus quis que o rótulo mais barato dos Bulgheroni fosse aquele com maior voltagem de prazer em boca para este humilde palpiteiro. Coloração mais leve, perfumado com flores e cerejas e com uma acidez prazerosa que proporciona muito frescor em boca, corpo médio e bom final. Não tem frutão, tem elegância. Envelhecido por 14 meses em barricas grandes (bottis de 4100 e 4300 litros) de carvalho francês sem tostagem, a madeira não marca o vinho, afina o caldo. Prontíssimo para beber. Derrubo uma garrafa com um bom papo e um prato de macarrão ao sugo.
Dievole Novecento Chianti Classico Riserva DOCG 2015
Região – Chianti Classico (Vagliali, próximo a Siena), Toscana, Itália
Uvas: 95% sangiovese, 3% canaiolo, 2% colorino
Importador: World Wine
Preço: R$ 360,00
Um degrau acima na cadeia alimentar do Chianti Classico, o Riserva passa mais tempo curtindo em bottis de carvalho francês também sem tostagem e outros 6 meses em garrafa. O nome Novecento está relacionado aos 900 de história da sangiovese na região. É um vinho mais complexo. Mais escuro no visual e mais carnudo na boca, tem um final mais longo e mais potência, sem no entanto ser bombadão. Se o Classico é um sangiovese de bermuda e mocassim o Riserva é o sangiovese de cachecol. Comparando os valores, prefiro investir em dois Chianti Classico. Mais indicado para consumidores que prezam um sangiovese com mais estrutura mas sem abandonar a finesse.
Podere Brizio Brunello di Montalcino DOCG 2013
Região: Montalcino, Toscana, Itália
Uva: sangiovese 100%
Importador: World Wine
Preço: R$ 649,00
Confesso que tenho um certo trauma com Brunellos di Montalcino em geral. A expectativa quase nunca se concretiza. Em geral são vinhos caros e muitas vezes não estão prontos ou não proporcionam a riqueza de aromas e sabores esperado. Avancei na taça com receio. Grata surpresa! Aqui temos uma sangiovese à capela, sem acompanhamentos. São 11,5 hectares de plantio da uva. Os conceitos de agricultura sustentável, fertilizantes naturais, fermentação sem uso de aditivos químicos e leveduras naturais entregam ao vinho aquilo que a natureza e o trabalho do homem são capazes de criar: um vinho encorpado mas sutil, persistente mas com elegância, com fruta suculenta misturada a toques terrosos, uma acidez que envolve todo o caldo de uma maneira marcante e que potencializa todas as demais sensações gustativas . São 36 meses (4 gestações!) de bottis de carvalho francês sem tosta de 5400 litros e seis meses de espera na garrafa. Está com 6 anos, vai longe mas dá um prazer enorme já. Se é para desembolsar 650 reais que seja uma experiência para ficar na memória.
Gostaria muito receber matérias relacionadas de vinhos italianos deste autor.
Muito boas e atualizadas as informações.
Bem legal esses vinhos Italianos, a gente da Carpe Vinum também comercializa alguns Brunellos no nosso site. https://www.carpevinum.com.br