A Wines of Argentina, a agência que promove o vinho hermano pelo mundo, veio demonstrar a qualidade e a diversidade do produto argentino. Trouxe um time estrelado de enólogos para uma série de três masterclass para bater bumbo sobre o que está acontecendo nos vinhedos do país. Vieram falar sobre vinhos brancos, malbec e novas regiões os senhores retratados na foto que abre este post: Alejandro Vigil (El Enemigo/Catena), Edy Del Pópolo (Susana Balbo Wines), David Bonomi (Norton), Sebástian Zuccardi (Zuccardi Valle de Uco), Alejandro Sehanovich (Manos Negras/Tinto Negro). Juntos comandaram com maestria as provas de vinho acompanhadas de explicações, power-points e bastante informação técnica.
Estavam afinados os rapazes (nenhuma mulher, uma pena). Um começava uma frase e outro complementava, uma versão de Baco dos personagens Huguinho, Zezinho e Luisinho (quem tem idade para ter acompanhado os gibis do Pato Donald entendem a comparação). Foi uma aula sobre influência do clima, do solo, da combinação entre latitude e altitude, da importância dos Andes para a formação geológica. São detalhes enológicos que fazem especialistas e enólogos “ovularem”, causam tédio nos consumidores normais mas são a chave do cofre para explicar as diferenças que acabamos sentindo entre cada vinho, a escolha dos enólogos e por que eles são daquele jeito (mais ou menos fresco, com maior potência ou acidez, mais doce ou até com toque salgado, com frutas mais frescas ou maduras, minerais ou com aromas disso ou daquilo, etc.)
É uma baita experiência provar vários rótulos com seus criadores, que além de profissionais gabaritados também são apaixonados pela enologia, pela busca de solos pouco exploradas, por experimentar novas técnicas de fermentação ou amadurecimento dos vinhos (ânforas, ovos de concreto, barricas grandes, pressurizadas etc.).
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Há anos a Argentina é uma espécie de Rubinho Barrichello das importações de vinho no Brasil, sempre em segundo lugar. No primeiro semestre de 2018 deu uma derrapada e foi ultrapassada por Portugal. Logo reconquistou a vice-liderança. Já teve 30% de participação; hoje abocanha 15% do total. Mesmo assim o volume é grande, o Brasil é o quarto mercado de exportação do vinho argentino.
Os consumidores brasileiros estão acostumados aos rótulos do vizinho. E curtem. Mesmo aqueles que pouco conhecem do tema já ouviram falar da uva malbec e associam a um vinho argentino que podem comprar com maior chance de acerto. É o vinho argentino da galera! Especialistas e bebedores do velho mundo têm lá suas restrições à uva. Para os esnobes que torcem o nariz para a uva malbec, não é o caso deste blog, é importante destacar que a variedade não é tão monocromática assim. Há mais de 50 tons de malbec espalhados pelas diversas regiões e solos da Argentina. O país ainda oferece boas oportunidades de brancos e outras variedades tintas.
Assim como Chile, os argentinos também trabalham na divulgação de seus produtos com maior valor agregado. Traduzindo: os rótulos mais caros, mas também os mais bacanas. Nesta masterclass foram apresentados alguns deles. Abaixo, uma seleção com 6 tintos de malbec de alta gama (para alegria da torcida) e muita grana (para vaia geral) e 4 brancos de diferentes uvas. São 10 rótulos representantes desta nova enologia, ou da continuidade de uma tradição, que apontam uma tendência do vinho argentino que sempre acaba refletida nos rótulos de menor valor.
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As uvas tintas e principais regiões da Argentina
57% dos vinhedos argentinos são ocupados por variedades tintas. A malbec, evidentemente, se destaca. São elas:
1- malbec com 37%
2 – bonarda 16%
3 – cabernet sauvignon 13%
4 – syrah 11%
Entre as principais regiões produtoras o acachapante domínio de Mendoza, mas fiquem atentos aos tintos de San Juan:
1 – Mendoza 80%
2 – San Juan 11%
3 – La Rioja 3%
4 – Salta 2%
Leia também: 50 vinhos argentinos que vale a pena conhecer. Parte 1 – Salta e Patagônia
A malbec, não por acaso, é a varietal que mais tem crescido nos últimos 15 anos. Expressa rapidamente um lugar, desde as primeiras colheitas. Só em Mendoza, onde as tintas predominam, 88% de novos hectares foram plantados. Quando o corte de região é feito pela variedade de uva, Mendoza ganha de lavada: 85% da malbec é cultivada ali. Ou seja, se você for um fã da uva e estiver pensando em enoturismo, a Malbeclândia fica em Mendoza (e há voos diretos!)
Seis malbecs
Matervini Finca Malbec Perdriel 2016
Uva: malbec
Produtor: Matervini
Região: Perdriel, Luján de Cuyo, Mendoza.
Observação: Os vinhos Matervinni não são exportados para nenhum país do mundo. Para adquiri-los é preciso se associar ao wine clube da Matervini ou comprar direto na própria adega.
Voz do vinho: Os enólogos Santiago Achával e Roberto Cipresso venderam sua bem-sucedida operação do Achával Ferrer e partiram para o projeto Matervini em 2008. “O que vem depois do malbec”, se perguntaram neste momento de vida. A resposta foi: “Mis malbec, de diversos lugares, com caráter diferente”. Traduzindo, malbec de solos conhecidos do Vale do Uco e outros ainda não explorados, como a pré-Cordilheira. Este malbec veio de um vinhedo em Perdriel (o mesmo do Pyros,) plantado em 1938, localizado a 980 metros acima do nível do mar. Terreno aluvial arenoso, com camadas de argila e pedregulhos. 100% barrica nova francesa.
Por que escolhi: Um clássico malbec Mendocino, mas de qualidade: perfumado, com muita fruta , mas com elegância e um toque mineral.
Leia também: Pyros: um malbec que é pau, é pedra
Flintstone Malbec, Fuego Blanco Valle del Silex 2015
Uva; malbec
Produtor Fuego Blanco
Região: Vale del Pedernal/San Juan
R$ não é importado para o Brasil
A voz do vinho: O Vale del Pedernal não leva este nome à toa. Os vinhedos de Fuego Blanco ficam na parte mais alto do vale, entre 1.200 e 1.700 metros ao nível do mar. Neste caso os 2 hectares dos vinhedos de malbec ficam a 1.500 metros Tem solo de pedras, boa amplitude térmica e uma montanha que protege dos ventos. 50% do vinho é envelhecido em barricas de carvalho francês de 225 litros de primeiro e segundo ano de uso. São 3.000 garrafas.
Por que escolhi. É uma região nova que vem produzindo um malbec novo, mineral, com boa fruta (aqui percebi uma groselha), concentração de sabores e fineza.
Malbec Noemía 2017
Uva: malbec
Produtor: Bodega Noemía
Região: Vale do Rio Negro, Patagônia
R$ 700,00
A voz do vinho: Os conhecedores, conhecem. O Noemía não é uma novidade no Brasil. O empreendimento da condessa Noemía Cinzano (um personagem, parece que adormece numa câmera de luz e mantém aquele tom de pele queimado de esquiador da elite europeia) e do enólogo Hans Vinding-Hers chegou causando furor. Um projeto na então pouco comentada Patagônia de um vinhedo de 3.000 parreiras, quase centenário, plantado em 1930 em pé franco, sem enxerto e com uma produção de uma garrafa por videira. A diferença entre o dia e a noite na época de maturação das uvas é de 19 graus (28ºC e 9ºC). Um malbec diferente na origem, com menos extração e mais sutil no sabor. E que colocou a Patagônia no mapa dos vinhos de excelência.
Por que escolhi: Beber uma das 3900 garrafas atualmente produzidas de Noemía é uma experiência em forma de fruta franca, delicada, de longa presença no fim de boca
Malbec Argentino 2014, Catena Zapata
Uva; malbec
Produtor: Catena Zapata
Região: La Consulta, San Carlos/Lunlunta, Maipu Mendoza
R$ 700,00
A voz do vinho: Se você gosta de malbec e chegou até aqui, muito provavelmente já tomou um Catena, nem que seja o mais simples, da linha Alamos. A malbec e Catena Zapata estão conectados quase como nome e sobrenome. Nicolás Catena elevou a malbec para status que se encontra hoje em dia. O consultor Paul Hobbs puxa a brasa para sua sardinha. Ele conta que Nicolas Catena apostava na cabernet sauvignon e na branca chardonnay para conquistar o mercado americano no início dos anos 1990. Mas Hobbs enxergou em um vinhedo de 100 anos da propriedade, em Lunlunta, o potencial para desenvolver a variedade malbec. Pediu então permissão para Nicolás Catena para arrumar financiamento para cultivar a uva. Catena receava o problema de filoxera que afetara a malbec na França e negou, mas Hobbs teve o apoio do chefe de viticultura e o resultado foram 10 barricas de malbec de vinhedos antigos. O vinho foi levado para uma apresentação à imprensa nos Estados Unidos. Um jornalista do Seattle Times se encantou com a bebida e o resto é história. Este Malbec Argentino é proveniente dos vinhedos ícones do Catena, Nicasseia e Angelica, de 1925. Cada parcela da uva é colhida individualmente e vinificada com os cachos inteiros separados. É envelhecido por 18 meses em barricas de carvalho francês.
Por que escolhi: Se Nicolás Catena abriu o mercado, Hobbs descobriu o potencial da malbec, ou seja lá onde estiver a verdade, Vigil é quem hoje comanda a produção do Catena (e da maravilhosa linha El Enemigo) e mantém a qualidade do Malbec Argentino como um legítimo representante da elite do malbec de Mendoza. É clássico, que não perde o pódio; é sempre tendência.
Zuccardi Finca Piedra Infinita
Uva: malbec
Produtor: Zuccardi
Região: Vale do Uco, Paraje Altamira
R$ 1.290,00
A voz do vinho: O vinhedo Pedra Infinita tem um nome autoexplicativo, quando a família Zuccardi chegou ali não havia parreiras plantadas, mas muita pedra e solo calcário. O solo tem a espessura de 20 a 50 centímetros apenas, “o resto é pedra coberto de carbonato de cálcio”, informa o Sebástian Zuccardi, o maestro do rótulo que há muitos anos defende que a “Argentina precisa comunicar o lugar.” Colheita manual, fermentação com leveduras indígenas e estágio em barricas de carvalho.
Por que escolhi: Apesar de ser infinito no preço também, é um malbec que expressa as escolhas de um jovem enólogo estudioso da uva e de suas variações. O vinho é de fato reflexo de seu lugar. Muita estrutura, fruta expressiva, acidez e mineralidade, que é o que se espera de um vinho de pedra
BenMarco Sin Limites El Pedernal Malbec 2017
Uva: malbec
Produtor: Susana Balbo Wines
Região: Gualtallary Vale de Pedernal, San Juan
R$ não encontrei à venda no Brasil
A voz do vinho: Gualtallary é uma das regiões mais frias do Vale do Uco, com vinhedos situados a mais de 1.500 metros de altura. Solo arenoso com pedras calcárias. Pedra, como se pode notar ao longo deste texto, não é problema para as parreiras, e sim solução. Aqui a procura por terrenos extremos para vinhos mais puros encontra sua resposta. O enólogo responsável pela linha BenMarco, Edy Del Pópolo, defende uma viticultura que não seja intervencionista e uma enologia menos protagonista. A ideia é elaborar um malbec que seja um reflexo de seu lugar (percebe-se que as propostas se repetem, não à toa). O SIn Limites passa 12 meses em barricas de carvalho francês de segundo e terceiro uso e ainda descansa mais 12 meses em garrafa antes de sair para o primeiro cliente. São 4.000 rótulos à venda.
Por que escolhi: O estilo antigo da linha BenMarco, mais abraçado à potência, era mais over no passado. Isso mudou bastante em várias linhas, com o Expressivo. Este Sin Limite adota a filosofia de um malbec do lugar com louvor. Macio, generoso, mineral e puro.
Uvas brancas e principais regiões
Na década de 80, o vinho branco era o mais consumido na Argentina. Para recuperar o espaço já ocupado, os enólogos apresentaram algumas tendências:
1) Recuperar e recondicionar vinhedos antigos (torrontés e semillón)
2) Cultivar em novas regiões (de grande altitude, com solos calcários de grande drenagem e diferentes microclimas)
3) Tratar os vinhos brancos como se fossem tintos, quanto à maceração e tempo de guarda
19% dos vinhedos na Argentina são plantados com uvas brancas. As principais são:
1 – torrontés riojano 21%
2 – chardonnay 16%.
3 – sauvignon blanc 5%
As principais regiões produtoras meio que se repetem em relação às tintas. São elas:
1 – Mendoza 63%
2 – San Juan 24%
3 – La Rioja 7%
4 – Salta 3%
- Leia também: Vinho branco: você ainda vai beber um
4 vinhos brancos
Zaha Semillón 2018
Uva: semillón
Produtor: Tinto Negro/Zaha e Teho
Região: La Consulta – San Carlos
R$ sem importador no Brasil
A voz do vinho: Jeff Mausbach e Alejandro Colo Sejanovich (um dos apresentadores da masterclass) trabalharam nas principais vinícolas argentinas antes de partirem para um projeto pessoal, há 9 anos. Eles tocam as marcas Tinto Negro e Zaha e Teho e buscam explorar microterroirs argentinos. Zaha significa coração na língua do povo indígena Huarpe, que viveu na Argentina aos pés da Cordilheira dos Andes. Pois é, enólogos têm essa mania de usar língua indígenas do passado para batizar rótulos e marcas: no Chile o mapuche é usado constantemente com este fim. A semillón começou a ser plantado no Vale do Uco, em La Consulta, no final do século XIX. Colhidas em vinhedos de 50 anos, o vinho resultado de dois processos de fermentação. Parte é fermentado em barricas grandes por um mês, permanecendo nestas mesmas barricas por mais sete meses após terminada o processo. Outra parte é fermentado em tanques de inox por 16 dias e se conservou por mais nove meses em contato com suas borras.
Por que escolhi: Um vinho da uva semillón da Argentina já é uma surpresa. São apenas 1,86% de vinhedos plantados. Quando ele vem embalado num caldo com bom volume em boca, longo e com uma fruta saborosa (maçã) e ótima acidez, é uma ótima surpresa.
- Leia também: Chablis, um chardonnay com gosto de pedra;
Susana Balbo Signature Barrel Fermented Torrontés 2018
Uva: torrontés
Produtor: Susana Balbo Wines
Região: Altamira, San Carlos, Vale de Uco
R$ 240,00
A voz do vinho: Há três tipos de torrontés, riojano (mais aromático), mendocino e sanjuanino. A uva é uma mistura da criolla chica e moscatel de Alexandria (algo que deve ter acontecido em meados dos século XVII). A torrontés é aquela uva dos vinhos enjoativos, aromáticos em excesso, certo? Depende. Susana Balbo iniciou sua carreira de enóloga em Cafayate (Salta), que é a terra do torrontés, e sabe extrair da variedade elegância e estrutura. Como o nome sugere, passe 3 meses de carvalho francês, o que é mais raro nesta variedade que costuma entregar vinhos mais leves e jovens .
Por que escolhi: É um torrontés com assinatura. Ao mesmo tempo que mantém seu caráter floral entrega um caldo mais cremoso em boca e com notas cítricas e boa acidez.
Matervini Blanco 2017
Uvas: marsanne, roussanne, viognier
Produtor: Bodega Matervini
Região: Los Chacayes, Vale do Uco, Mendoza
Obs: Os vinhos Matervinni não são exportados para nenhum país do mundo. Para adquiri-los é preciso se associar ao wine clube da Matervini ou comprar direto na própria adega.
Voz do vinho: Assim como na tinta malbec, o projeto de Santiago Achával e Roberto Cipresso encantou também nesta versão branca de uvas pouco comuns em solos argentinos. Para aqueles que dão importância às notas dos guias, levou 93 pontos no Descorchados, 92 no Robert Parker. São 2.500 garrafas de uvas que nasceram de solo pedregoso e foram refinadas em ovos de concreto e barricas de carvalho por 11 meses.
Por que escolhi: Um corte típico do Rhone, na França – marsanne, roussanne, viognier – com sotaque argentino. Uma delicia com pura expressão mineral, frescor e bebilidade
Catena Adrianna Vineyard White Bones 2015
Uva: chardonnay
Produtor: Catena Zapata
Região: Gualtallary, Tupungato Alto, Vale de Uco, Mendoza
R$ 567,00
Voz do vinho: Nicolás Catena encontrou em Gualtallary, na zona de Tupungato, no Vale do Uco o terreno ideal para plantar a uva chardonnay. O solo é rico em calcário e fósseis marinhos Com altitude de 1.450 metros e de clima frio. Nicolás Catena foi dos primeiros a incentivar as pesquisas em torno da influência da altura dos vinhedos para a lenta e completa maturação dos cachos. Encontrou o que procurava em Gualtallary, zona de Tupungato, no Vale de Uco, lugar frio (mais frio que na Borgonha) e árido, a 1.450 metros acima do nível do mar. Trata-se do vinhedo Adriana. Pesquisas identificaram após muitos anos de estudo um microterroir dentro do vinho, o White Bonnes, de onde vem esta belezura selecionada aqui. O vinho que impressionou o importador Ciro Lilla, que assim iniciou uma longa relação comercial com o Catena, foi um chardonnay, e não um malbec, vejam só. O chardonnay é fermentado em barricas de carvalho francês, ganhando mais cremosidade (uma característica do caldo), passa mais 16 meses em madeira.
Por que escolhi: Um chardonnay de contemplação. O enólogo Alejandro Vigil costuma dizer que “Vinhos brancos são transparentes na taça”, no sentido de que mostram o que são. Este é chardonnay gordo, untuoso, complexo na boca com um toque de mel, um leve toque oxidativo.
- Leia também: Bons goles argentinos: o conhecido Luigi Bosca e o menos conhecido Familia Cassone
Nada como um Malbec argentino. Aqui em casa não pode faltar.
Se um deietive curte um malbec, o mistério está resolvido, não é? Obrigado pelo comentário, apareça sempre. Abs Beto Gerosa