A cantora e compositora Adriana Calcanhotto é apaixonada por Portugal e pelos vinhos portugueses. Este interesse a levou a produzir uma série vídeos onde ela percorre as regiões do Douro e do Dão e vai de encontro com os vinhedos, os produtores e, claro, os vinhos portugueses. São três episódios inéditos filmados em 2016, muito antes portanto de o mundo se fechar em copas por conta da Covid19. Calcanhotto registra suas impressões, seu aprendizado e suas conversas com as pessoas ligadas ao vinho português. Com o enólogo Dirk Niepoort, percorre os mistérios da vinificação e as belezas do Douro. No Dão é entronizada como embaixadora dos vinhos da região. Um papo delicioso com o arquiteto Siza Vieira, criador de taças para o vinho do Porto, finaliza o roteiro que nos brinda, em alguns momentos, com composições de sua autoria executadas entre novos amigos, sempre em torno do vinho.
Como surgiu seu interesse pelo vinho? E em especial pelo vinho Português?
Meu interesse pelo vinho português na verdade vem do meu encontro com a arqueologia em Coimbra. Eu fui ficando mais e mais interessada quando descobri que o vinho português começa a ser produzido com a intenção de abastecer os exércitos romanos, pois o vinho chegava em Portugal de Roma. Isso me aproximou da cultura do vinho, de tudo que envolve a feitura de um vinho. Os anos que um vinho leva para estar feito, ter personalidade. Eu fiquei muito fascinada. É uma parte importante da cultura portuguesa e a minha porta de entrada para a cultura, para o Portugal profundo é a poesia, mas depois o espectro se abriu e eu acabei nos vinhos. Eu cheiro os vinhos eu não sou uma provadora, sou apenas uma curiosa.
Quando você teve a ideia de produzir esta série de vídeos? Foi um convite da Vinhos de Portugal ou uma iniciativa sua que eles abraçaram?
Foi uma produção independente. Em um das minhas viagens a Portugal, conversando com a jornalista Simone Duarte, que conheci quando fui editora do Público por um dia. Conversando surgiu esta ideia de ir em duas ou três quintas em busca das histórias, da mão do homem lidando com a natureza para produzir vinho. Aí conheci o Douro e o Dão e fui ao Porto encontrar o Alvaro Siza Vieira que eu gosto muito. Eu fiquei fascinada com esta história de ele ter desenhado um copo do vinho do Porto e fiquei curiosa para saber como tinha sido, por onde ele começou a pensar e tudo. Inclusive falamos muito da questão do tamanho do copo do vinho Porto, que foi aumentando. Eu sempre simpatizei muito com o fato de o copo do vinho do Porto ser pequeno, por que aquilo parece ser uma coisa tão preciosa… mas hoje em dia não é mais assim. É um vinho como qualquer vinho e é tomado em copos maiores.
Nos dois primeiros vídeos da série, você teve a companhia do Dirk Niepoort, um visionário e polêmico produtor que ajudou a colocar o vinho do Douro de mesa no mapa com o Douro´s Boys e está sempre trazendo algo novo. O que você aprendeu com ele que te ajudou a compreender ou sentir melhor os vinhos do Douro?
O Dirk Niepoort foi um santo, paciente comigo, explicando tudo, contando tudo como é feito e tal. Nós fizemos algumas provas, mas ele abriu um vinho da Madeira de 1795. E aí a gente está bebendo história. Eu acho ele muito inquieto, interessante, ele movimentou o mundo do vinho em Portugal. Ele é uma peça muito importante, além de ser uma pessoa queridíssima, um amor mesm.; Eu fiquei louca por ele. Muito o Portugal profundo, eu diria.
“Eu cheiro os vinhos eu não sou uma provadora, sou apenas uma curiosa.”
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O ritual do vinho pode afastar um pouco os iniciantes – muitas vezes há exagero – mas traz riquezas e história. Na entrevista com o arquiteto Alvares Siza Vieira, que desenhou uma taça para beber o vinho do Porto, a bebida ganha uma outra dimensão, que une beleza, usabilidade e as características do Porto. Como foi esta experiência? Beber um porto nesta taça depois de conhecer sua história ganha outra dimensão?
Eu concordo que ganha outra dimensão uma taça feito pelo Alvares Siza Vieira que faz edifícios, museus, coisas incríveis. Mas conversando com ele, deu para entender que para ele é um desafio tanto quanto levantar um prédio é fazer um copo. E ele é muito observador, ele fala no vídeo que ele ficava olhando como os provadores mexem e manuseiam o copo e tudo. Isso é muito imteressante no Siza Vieira, ele dá outras dimensões para as coisas, não apenas com as obras dele, mas com o olhar dele. Eu me lembro que logo que eu o conheci, ele estava lançando um relógio Swatch que se chamava Rio Douro Cor de Prata, por que de onde ele vê o Douro, do ateliê dele, o rio realmente pela inclinação da luz é prateado. É uma coisa tão bonita, tão poética…
Provar um vinho do Douro, no Douro, diante daquela paisagem, é uma experiência única. O que vai ficar mais marcado para você nesta visita na região?
Beber um vinho do Douro, no Douro, é muito diferente de beber um vinho do Douro aqui no Rio de Janeiro. E ali no meio daquelas pessoas que vivem isso e tal. E tem a coisa muito interessante que é a coisa dramática do Douro. São anos de história, de pesquisa, fazendo vinhos em socalcos, na pedra, é uma ligação da força da natureza e da força do homem inventando uma coisa e o rio cortando a paisagem. É realmente uma experiência única. Eu fui no inverno, mas se a gente continuar eu gostaria muito de voltar na primavera ou mesmo no outono.
São três vídeos e no terceiro tem um convite vambora. Terá continuidade? Outras regiões?
Eu adoraria, a ideia seria continuar… por exemplo, reencontrar o Luis Pato na Bairrada, os vinhos da ilha do Pico, nos Açores. É interessante para mim quando eu descobri que Portugal, sendo um país pequeno tem tanta diversidade, tantas paisagens. Eu tinha uma ideia de que o Brasil é que é diverso, por que somos de tamanho continental, mas mudei este pensamento conhecendo Portugal mais a fundo.
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Você disse no primeiro vídeo que estava “a cheirar vinhos”. Qual a importância do cheiro para você na sua relação com o vinho, na memória que fica dele?
Os provadores todos disseram que 80% da experiência do vinho tem a ver com o aroma e eu achei muito interessante a ideia de dissecar um vinho pelo aroma, de entender a estrutura, a origem. Alguns vinhos nessas provas eu bebi… por curiosidade, mas meu interesse mesmo é por esta dissecação de uma coisa viva pelo aroma. Eu gostei muito da experiência, tenho muito o que aprender mas é como você diz, beber estes vinhos no lugar de onde eles vêm, né? Na origem é uma experiência completamente diferente de pedir um vinho desses, sei lá, num restaurante.
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Qual música de sua autoria harmoniza melhor com um vinho do Douro, e do Dão?
Eu não sei. Por que tanto vinho como música é uma questão de momento. Mas teve uma coisa bacana nos vídeo que eu pude estar perto, me comunicar com as pessoas que trabalham na cozinha, que fazem o almoço, fizeram o jantar. Estas pessoas que conhecem minha música lá em Portugal. Então a gente teve esta comunhão de eu cantar canções bem conhecidas que as pessoas cantavam junto comigo. Combina muito, né, vinho e música, é uma coisa tipo perfeita.
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Vinho é compartilhamento. Nos vídeos você está sempre na companhia de pessoas brindando e aprendendo sobre vinhos. Neste mundo ainda limitado pela pandemia tivemos de aprender a conviver com os brindes mais solitários e/ou virtuais. O próprio evento dos Vinhos Portugueses foi virtual este ano. Como está sendo esta experiência para você? E quando acabar, o que na sua opinião vai ser diferente?
Eu encarei a pandemia, desde o começo, como uma grande oportunidade. O planeta respirou, aconteceram coisas que se não tivesse a pandemia não aconteceriam. E eu encaro como uma oportunidade para a gente pensar e repensar o mundo e tá claro que o mundo está em rede. As coisas estão acontecendo online. Eu mesma fiz lives, shows, do teatro, de casa. Isso tudo é novo a gente está inventando e o próprio evento o Vinho de Portual virtual é novo, é interessante. O que será para a frente eu não sei. Eu vejo pessoas dizendo que quem não era muito interessante não vai passar a ser interessante por causa da pandemia. Mas acho que as pessoas que encaram como uma oportunidade de rever os valores, o mundo as ideias. Eu encaro assim. Como será é a peregunta de milhões… de euros, no caso….
- Assista aos três episódios da série: Ando pelo mundo a cheirar vinhos