Você já tomou vinhos da Campanha Gaúcha? Pode ser que muita gente não associe o nome à garrafa, mas se você já provou vinhos brasileiros da Almadén, do Bueno Wines, alguns rótulos específicos da Miolo e da Salton ou já desarrolhou garrafas de vinícolas menores como Dunamis, Cordilheira de Sant’Ana, Guatambu, Vinhetica e outras 10 empresas, então a Campanha Gaúcha é parte do repertório dos vinhos que já passaram por sua taça. E talvez você não sabia.
- Quer ir direto aos vinhos da Campanha Gaúcha da foto? Role até o final da página e saiba mais sobre os rótulos. Mas volte para ler todo o texto, ok?
A Campanha Gaúcha não é uma novidade, pois. Muito pelo contrário, registros comprovam a existência de uma Cantina Marimon em 1888. A região é produtora de vinhos há mais de 40 anos. A Almadén está ali desde 1973 (em 2009 foi adquirida pela Miolo), a Cordilheira de Sant’Ana desde 1999. Nos anos 90/2000 atraiu novos empreendedores. E por que então a Campanha Gaúcha está na mídia e vamos aqui comentar algum de seus vinhos? Simples, a Campanha está em campanha, e tem como chamariz a conquista de uma indicação de procedência (IP) para chamar de sua.
O que é uma IP, uma IG? Pra que serve?
Provavelmente você, leitor qualificado do Blog do Vinho, já reparou em rótulos italianos as siglas DOC (denominazione de origem controlata) ou DOCG (denominazione de origem controlata e garantita), ou então já ouviu falar de AOC (Appellation d’Origine Contrôlée). No mundo das siglas que regulam a produção vinícola elas representam um reconhecimento de origem e da qualidade dos vinhos baseados em características de cada região e estabelecem algumas regras, como tipo de uva permitida e em alguns casos técnicas de vinificação.
No Brasil temos dois tipos de Indicação de Geográfica (IG): IP (Indicação de Procedência) e DO (Denominação de Origem). E qual a diferença entre as duas siglas? Segundo de definição da Embrapa “A I P se aplica às regiões que se tornaram reconhecidas na produção de vinhos. Já na DO, os vinhos apresentam qualidades ou características que se devem essencialmente ao meio geográfico, incluídos os fatores naturais e os fatores humanos.” Ou seja, numa IP o vinho tem um CEP conhecido, numa DO tem o diploma auferido.
Estão registradas atualmente IPs apenas nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. São elas: Vale da Uva Goethe (Santa Catarina), Farroupilha, Monte Belo, Altos Montes, Pinto Bandeira, e Campanha Gaúcha (Rio Grande do Sul), esta a mais recente (veja o mapa acima). A região mais famosa, a do Vale dos Vinhedos, é a única a receber até o momento o selo de DO. Outras regiões estão em processo de pesquisa e desenvolvimento (outra sigla, PD&I) para estruturação de Indicações Geográficas: Altos de Pinto Bandeira, Região do Planalto Catarinense e Vale do São Francisco.
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As 18 vinícolas que compõem esta nova IP, reunidas em torno da associação de produtores “Vinhos da Campanha Gaúcha”, atuam numa área de mais de 44.000 metros quadrados, com 1.560 hectares de vinhedos plantados em 14 municípios com 36 variedades de uvas viníferas e produzem 31% da produção de vinhos finos no Brasil. Ocupa o segundo lugar em volume de vinhos finos – comprovando que de nova a região não tem nada. Muito número, né? E no tocante à questão da qualidade dos vinhos? O que a região tem de diferente das outras?
Para início de conversa a localização. Sabe aquele famoso mapa dos paralelos ao redor do globo que localizam as principais regiões produtoras de vinho que você foi apresentado na sua primeira aula do curso de vinho? Pois é, a Campanha Gaúcha encontra-se entre os paralelos 29 e 32 Sul, fazendo companhia à África do Sul, Austrália, Argentina, Uruguai. Aliás alguns terrenos se confundem com o vizinho Uruguai país que faz fronteira com toda parte sul do Rio Grande do Sul. Em seguida, o clima: os invernos são rigorosos e os verões quentes = uvas com maior teor de álcool. Um índice pluviométrico menor que da região do Vale dos Vinhedos – a tal chuva na hora errada, o pesadelo dos produtores de vinho do sul. Estas duas características climáticas soam como música para viticultores e são parte responsável pela qualidade da uva e por consequência do vinho.
Então é só ali que produz vinho bão?
Isso significa que regiões que não carregam o carimbo de indicação geográfica não são confiáveis? E o fato de não ocuparem o tal paralelo são um atestado de baixa qualidade? Não é bem assim. Nunca antes neste país (opa!) o Brasil teve a viticultura desenvolvida em regiões tão diversificadas como o interior do Estado de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Espírito Santo, Mato Grosso e por aí vai. E são vinhos surpreendentes. O processo de indicação geográfica leva um tempo de maturação e obedece regras. O primeiro IP foi concedido apenas em 2002, justamente no Vale dos Vinhedos, que subiu de categoria em 2012 quando passou a ser denominada uma DO. É fruto de um trabalho de produtores e especialistas de universidades coordenado pela Embrapa. O registro é concedido pelo INPI .
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Existe um estilo dos vinhos da Campanha?
Bacana, já sabemos o significado das siglas, a importância da conquista da IP e algumas características da região. Mas e na taça, como se comportam os vinhos da Campanha Gaúcha? Como eles se identificam? Well, algumas regras têm de ser seguidas:
1. todas os vinhedos são plantados no sistema espaldeira (hein? É o sistema de plantio mais difundido no mundo atualmente; a videira assume um formato de pequena cerca e facilita seu manejo, incluindo a mecanização),
- são classificados de varietais no rótulo aqueles vinhos elaborados com no mínimo 85% da variedade indicada no rótulo;
- a safra mencionada também precisa ter 85% do volume do caldo em sua composição do ano indicado na garrafa.
Mas vamos combinar que 36 tipos de variedade de uva (14 são brancas) autorizadas em uma região com diferentes tipo de solo não fazem um estilo.
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Enfim, não existe exatamente um perfil de vinhos da região. O melhor da Campanha Gaúcha, na minha modesta opinião, é diversidade de estilos. A própria degustação com os produtores promovida pela associação “Vinhos da Campanha Gaúcha e organizada pela Winext — que em tempos de pandemia e distanciamento social se deu via aplicativo Zoom com o envio das garrafas para a casa de cada participante — evidenciou esta marca da diversidade. Chamaram atenção, por exemplo, as safras antigas da Cordilheira de Sant’Ana, as opções por variedades pouco conhecidas e o álcool moderado da Vinhetica, a elaboração de um blend de várias safras da Guatambu, a aposta no Riesling Renano da Miolo.
Pode-se argumentar que a tannat (junto com a marselan, na minha opinião) poderia ocupar um papel protagonista ali, já que a região é vizinha ao Uruguai. Mas é uma meia verdade pois no extenso território da Campanha, com 1.560 hectares de vinhedos, há áreas quentes e planas (Livramento, Dom Pedrito), onde a tannat brilha, e zonas mais altas (Bagé), onde esta variedade não desenvolve todo seu potencial. Ou seja, há terroirs diversos espalhados pela nova IP. Prova disso é que a cabernet sauvignon é a uva tinta mais plantada, e não a tannat, que é a segunda.
No conjunto, fica a percepção de que as vinícolas têm estilos individuais e a Campanha vende qualidade e diversidade mas não um estilo que a defina.
Seis vinhos de estilos diferentes da Campanha Gaúcha!
Dos mais frescos, leves e fáceis de combinar com comida aos mais potentes, alguns dos rótulos que passaram recentemente pela taça deste Blog do Vinho
Miolo Single Vineyard Riesling Johannisberg 2019
Uva: riesling renano
Produtor: Miolo – Seilval State
Origem: Santana do Livramento
Enólogo: Daniel Alonso
R$ 70,00
No Brasil é mais comum uso da uva riesling itálico, em especial na mistura dos espumantes. Aqui um vinhedo da Almadén do final dos anos 70 fornece a matéria-prima para este surpreendente riesling renano. O nome Johannisberg que aparece no rótulo remete à Scholoss Johannisberg, vinícola alemã da região de Rheingau que desde o ano 1720 cultiva apenas riesling. O branco queridinho dos enófilos se mostra aqui com a tipicidade da uva, graduação alcoólica de 11%, aromas de flor, um sutil mineral e um toque pontiagudo no final da boca. Da mesma linha Single Vineyard o suculento e aromático tinto Touriga Nacional é outro vinho que mui me gradou. Também da Campanha Gaúcha, mais especificamente na Campanha Meridional, o rótulo dividiu o título de melhor vinho tinto nacional no concurso da feira Wine South America (veja no link abaixo).
Vinhetica Terroir de Rouge 2017
Uvas: cabernet franc e arinarnoa
Produtor: Vinhetica
Enólogo: Gaspar Desurmont
Origem: Bagé e Santana do Livramento
R$ 70,00
O Vinhetica é um vinho marcado pela ousadia de francês radicado na Campanha, Gaspar Desurmont, originário da região do Loire, na França. No blend, a cabernet franc (“diplomata no corte com outras uvas”) domina, mas a arinarnoa (rara casta francesa que traduzido do idioma basco significa vinho leve) surpreende pelo inusitado; na vinificação parte do caldo passa pelo processo de maceração carbônica, o mesmo método usado em Beaujolais, o que traz frescor e uma deliciosa baixa graduação alcoólica (12,5%). Resultado: fruta, equilíbrio, leveza, acidez. Ideal para acompanhar massas e a pizza. Para beber numa temperatura mais baixa, entre 14 e 16 graus. Para Desurmont trata-se do seu “vinho brasileiro mais francês”. Este vinho tem uma proposta sem madeira, mas Desurmont, quando faz uso de barrica, usa madeira brasileira, como amburrana, balsamo, jequitibá rosa, accacia, castanha do portugal, cedrinho e grapia.
ReD Routhier & Darricarrère
Uvas: cabernet sauvignon (80%) e merlot (20%)
Produtor: Routhier & Darricarrère
Origem: Rosário do Sul
Enólogo: Anthony Darricarrere
R$ 50,00
O ReD e o Vinhetica de alguma forma se conversam em sua proposta ligada a um estilo mais velho mundo. É um vinho que conheço faz algum tempo. Um cabernet sauvignon de corpo médio, amaciado com 20% de merlot, 12,8% de álcool, com uma pegada mais gastronômica, perfeito para comida do dia a dia, pra pizza, portanto um vinho ideal para ficar em casa nesses tempos de distanciamento social. O caldo equilibrado é fruto da filosofia dos proprietários, os irmãos franceses criados no Uruguai Jean Daniel e Pierre Darricarrère e o canadense Michel Routhier. Para eles um vinho “não deve se impor a um prato, mas valorizá-lo”. Conhecido como vinho da Kombi – o rótulo é autoexplicativo – é o tipo de bebida que traz simplicidade ao ato de beber vinho. E como recomenda na etiqueta, “se beber, vá de carona”.
Domenico Salton Campanha 2016
Uvas: marselan (76%) e tannat (24%)
Produtor: Salton
Origem: Santana do Livramento
Enólogo: Gregório Salton
R$ 100,00
A marselan tem jovialidade, e por isso amadurece em tanques de inox; a tannat, estrutura, o que exige um mergulho por 15 meses em barricas novas de carvalho francês. São duas uvas que se dão bem na região e juntas se completam e provocam sensações de boa fruta com acidez idem. Uma linha comemorativa da empresa, fruto do trabalho de jovens enólogos e chego a arriscar que é um dos melhores lançamentos da Salton dos últimos tempos.
Cordilheira de Sant’Ana Tannat 2007
Uvas: tannat (91%) e merlot (9%)
Produtor: Cordilheira de Sant’Ana
Origem: Santana do Livramento
Enóloga: Rosana Wagner
R$ 100,00
A produtora e enóloga Rosana Wagner e Gladistão Omizzolo são defensores da região desde 1999, quando fundaram a vinícola aos pés do Cerro de Palomas onde plantam 24 hectares de vinhedo. Uma das características da Cordilheira de Sant’Ana é lançar safras mais antigas no mercado. A tannat aqui é uma referência. Brasil e Uruguai se misturam. Um tannat de 13 anos, ainda com potencial de envelhecimento. Muita cor, potência e aromas de baunilha influência da madeira perceptível, mesmo depois de tanto tempo em garrafa. São 30 meses em carvalho americano e francês. Um tannat de respeito e para quem aprecia caldos mais fortes, acompanhado de carnes vermelhas e de caça.
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Guatambu Épico V
Safras: 2016, 2017, 2018 e 2019
Uvas: tannat, cabernet sauvignon, merlot, tempranillo
Produtor: Guatambu
Origem: Don Pedrito
Enólogos: Gabriela Pötter, Alejandro Cardozo e Amélia Leite
R$ 205,00
A proposta do Épico, que teve apenas 4000 garrafas lançadas no mercado, é mostrar o potencial das uvas de diversas safras da Guatambu. É um blend de uvas de diversos anos. Cada lote de vinho estagiou em barril de carvalho francês (80%) e americano (20%) desde a fermentação malolática (vixe! é aquela que transforma o ácido málico em lático. Humm… Tradução da tradução: deixa o vinho mais macio) até o corte final. O afinamento durou dois anos. A vasilhame pesa quanto vale. E indica o estilo da bebida engarrafada. O que se espera de um vinho destes é potência, calor na boca, camadas aromáticas, frutas mais para compota e a presença da madeira integrada. É isso que ele entrega. Vinho ícone da Guatambu, exige um momento especial e acompanha bem a friaca que chegou com tudo.
Nossa que sensacional esse artigo! Parabéns, amor ler sobre vinhos nacionais de qualidade!
Oi Diogo, obrigado por sua visita e pelos elogios. Apareça sempre! abs Beto Gerosa
Gostei do seu blog, gosto de vinho, vou seguir suas dicas, abs
Vinho brasileiro é muito caro
Caríssimo
adorei o blog, virei leitor dos artigos, amo vinho!