Continuando sobre o tema rolhas. Incrível como um simples artefato usado para tampar uma garrafa pode gerar tanto interesse. Há muita literatura a respeito, registros históricos e um livro respeitável dedicado ao tema: To Cork or Not To Cork: Tradition, Romance, Science, and the Battle for the Wine Bottle (algo como Arrolhar ou Não Arrolhar: Tradição, Romance, Ciência e a Batalha pela Garrafa de Vinho), de George M. Talber, o mesmo autor do célebre O Julgamento de Paris. A preocupação se espalha nos fóruns e sites de vinho.
Mas a discussão faz sentido, pelo menos para quem é chegado em uma dose de rubros e brancos. Até se descobrir um método eficaz de selar, e conservar, o vinho dentro da garrafa, muito vinagre rolou goela abaixo dos nossos antepassados. Quando não existia a vedação da rolha, um dos métodos utilizados era preencher a garrafa com óleo, para evitar o contato do vinho com o ar. Diz a lenda que o primeiro gole servia para evitar que o óleo fosse despejado na taça dos convivas e não com o propósito atual, de provar a bebida. Há registros de que os romanos já conheciam a cortiça, mas ela de fato começou a ser usada lá pelo século XVIII e encontrou seu par perfeito na garrafa de vidro. A esta dupla devemos a conservação e distribuição da bebida pelo mundo e pelo tempo.
O problema é o oxigênio, estúpido!
Um dos maiores inimigos do vinho, como se sabe, é o oxigênio. Se você não sabe, experimente deixar aberta e destampada uma garrafa por vários dias, ou então prove um vinho com a rolha mal acondicionada, para checar o resultado. É só aquele aroma de papelão molhado e de ácido acético fluindo pela garrafa. Aí não tem jeito. Até mesmo o rótulo de100 pontos do Parker terá como destino, no máximo, o molho da salada. Ninguém merece. Por isso mesmo a humanidade vem tentando resolver a questão desde que começou a produzir mais vinho do que a sua capacidade de consumir.
A rolha é o leão-de-chácara do fermentado. Impede a entrada do oxigênio – ou libera de maneira tão espartana que ao invés de condená-lo, pode enriquecê-lo por um processo conhecido como micro oxigenação – e mantém o precioso líquido preservado até o momento de ser degustado. Na maioria das vezes esta decisão é ligeira: a garrafa sai da prateleira direto para a taça. Em casos raros, descansa na adega, e a bebida evolui com o tempo e se afina até ser desarrolhada.
Cortiça, sobreiro e Portugal
A cortiça, em seus mais variados extratos, é a solução mais conhecida, tradicional e charmosa para selar o vinho. A cortiça é um produto natural. É extraída da casca de uma árvore, o sobreiro, que atende nas universidades pelo nome científico de Quercus Súber. A casca do tronco só pode ser extraída a partir dos 30 anos de vida da planta e, depois disso, a cada 9 anos, o que não chega a ser um assombro para uma espécie que pode atravessar várias gerações em seus 200 possíveis anos de vida. Os portugueses, com sua enorme plantação de sobreiro, concentrada na região do Alentejo, podem ser considerados como os artesãos do enclausuramento da bebida. São lusitanas as cortiças mais resistentes, longas e festejadas. O país produz 51% das cortiças no mundo, seguido de Espanha (26%), Marrocos (6%) e Argélia (5%).
As rolhas de cortiça têm as mais variadas classificações, da mais simples, de compensado de cortiça, passando por aquelas que misturam o compensado numa extremidade e um material melhor na outra, que fica em contato com vinho, até aquelas mais sofisticadas e maciças, reservadas para os grandes vinhos de guarda. Aos defensores das rolhas de cortiça, um argumento, que também fica na esfera da cultura inútil. O material tem uma enorme capacidade de elasticidade: comprime 40% e descomprime mais do que 85% em segundos! Se não fosse assim, como a rolha do champanhe se descolaria da garrafa e entraria em órbita tão rápido?
O tal do TCA
Com o tempo a indústria foi buscando alternativas à dispendiosa e finita cortiça. Até por que a cortiça é guardiã e, muitas vezes, a vilã da história. A contaminação de TCA – o fungo que ataca os tampos de cortiça -, é o calcanhar de Aquiles das rolhas tradicionais. O bichinho é o responsável pelo desagradável aroma de papelão molhado, o tão falado bouchonée que os narizes mais sensíveis detectam de longe. É uma situação curiosa que transforma toda abertura de uma garrafa em uma loteria. O enólogo Michel Rolland, assim como muita gente ligada ao vinho, defende o uso de tampas alternativas. Não sei de onde vem esta estatística, mas é repetido por aí que pelo menos de 5 a 6% das garrafas com rolha de cortiça apresentam problemas de TCA. Para Rolland, isso não pode ser considerado normal. “Você aceitaria comprar um celular sabendo de antemão que talvez 5% dos aparelhos não funcionam?”, argumenta ele. A lógica é indefensável.
Não é só de cortiça que é feita a rolha
Conheça outras alternativas à cortiça que existem no mercado:
rolha sintética – maldita rolha sintética. É aquele material meio emborrachado, meio látex que costuma ficar engastalhado no saca-rolha depois de retirado da garrafa. Mas é eficiente no seu propósito básico. Preservar o vinho intacto no interior da garrafa. E não transmite a contaminação do TCA. Mas atenção verdes bebedores de vinho, o material não é biodegradável como a cortiça.
rosca (screw cap) – muita gente torce o nariz, mas a tampa de rosca é comprovadamente eficiente, prática e resolve a vida, imagino, de 90% dos vinhos produzidos pelo mundo. É aquela cápsula que se abre girando em rotação invertida a tampa do vinho. E melhor, também não passa para o vinho problemas típicos da rolha que causam (muitos desavisados tratam de enfiar o saca-rolhas neste tipo de tampa antes de perceber o tipo de material. Confesso que já cometi tal atrocidade).
vidro – fabricada pela Alcoa, é conhecida como Vino Seal nos Estados Unidos e Vino Lock na Europa. São mais caras, e mais raras. Eu nunca topei com uma delas. Mas estão por aí.
maestro – esta é a novidade tratada no post anterior. Uma rolha constituída de plástico reciclável e alumínio e com uma espécie de alavanca que permite abrir um espumante de forma segura. Foi desenvolvida pela multinacional Alcan. Algo na linha de um screw cap adaptado para os espumantes.
Pois bem, as opções existem. Outras devem surgir. Talvez a única coisa chata é para aquelas pessoas que enchem vasos de vidro com as cortiças, um costume que é mais um lance exibicionista (“olha só quanto eu já bebi!”) do que um item de colecionador. Ninguém vai querer juntar tampinhas de alumínio ou rolhas pretas sintéticas e exibir na sala em um vaso imenso, né não?
Ok, a substituição da cortiça ainda é terreno minado. Muito produtor ainda tem receio de perder mercado com o preconceito do consumidor. E com razão. Muito bebedor fica de nariz empinado quando um garçom ou vendedor oferece um vinho com tampa de rosca ou sintética. Bobagem. Tome tenência, rapaz! O vinho pode ser tão bom – ou melhor – que aquele selado com uma rolha de cortiça! Experimente, você não vai se arrepender.
boa tarde!gostei muito da reportagem…mas venho apenas enfatisar que muitas vez a rejeicao das novas roscas, n vem só da cultura , mas tb da falta de informação.paulianne araujo
Gerosa, se opor às mudanças decorrentes da tecnologia é como malhar em ferro frio, mas a verdade é que a troca da rolha de cortiça por outros tipos de fechamento tira um bocado do charme associado à abertura de uma garrafa.Quem trabalha com venda de vinhos, entretanto, deve adorar os novos métodos de fechamento, pois não há necessidade de se deixar as garrafas deitadas, o que facilita a armazenagem e a exibição do produto aos consumidores.Uma pequena correção: “O tal de TCA”, ou 2,4,6-tricloranisol, não é um fungo, e sim um metabólito (composto resultante do metabolismo)produzido pelo fungo.Ao que parece, já foram isolados vários fungos que atacam a casca do sobreiro, e de cuja atividade deriva o “cheiro de rolha” (detalhes em “http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S0254-02232006000200001
Não tenho nenhum preconceito quanto aos vedantes feitos de outro material que não a cortiça.Como sempre digo, eu bebo o vinho e não a rolha.
Um problema com a rolha sintética é que ela é muito mais permiável que a cortiça natural, screw-cap, etc., e por isso, serve apenas para vinhos correntes. Se guardados por mais de um ano, a maior parte dos vinhos fechados com rolhas sintéticas oxidará. Quanto mais barata a rolha, pior a performance (leia-se rolhas que não são fabricados nos EUA). As rolhas muito ruins, nem dão para sacar da garrafa – nada romântico.
Beto,
Tenho necessidade de adquirir cortiças para tampar garrafas de uma bebida feita com leite
de cabra mel de abelha pólem e outros ingredientes, uso tampa metálica roscavel em garra
fas long neck de 300 ml, porém algumas não tampam bem e a bebida exala deixando o la-
cre plástico molhada com a cor do produto.
Peço-lhe ajuda para indicar-me aonde posso comprar as cortiças, agradeço-lhe desde já e
coloco-me à sua disposição.
Tilson Prates.
Gostei muito da matéria !!!
Parabéns!!!Adorei a matéria,poi,tirei dúvidas!!!