Uma minissérie nacional da Globo gravada no Nordeste não chega a ser uma novidade. Aquele sotaque mezzo carioca mezzo bainês, sempre motivo de hashtags nas redes sociais, também não é surpresa. Novo é o núcleo da trama girar em torno de uma vinícola encravada no Vale do São Francisco.
Logo no primeiro capítulo parreiras, adegas e vinhos em profusão serviram de cenário para a história que tem como protagonistas Cauã Reymond (Leandro) e Isis Valverde (Antônia). Cauã faz o papel de um sommelier pegador e de raiz; Isis Valverde protagoniza a herdeira da vinícola que foi estudar o tema na Itália. O resto dos personagens gravita em torno do ambiente do vinho e do casal principal e as primeiras cenas e anúncios da TV dão a entender que a maioria do elenco feminino vai degustar o galã principal em algum momento da história.
Pode ser surpresa para muita gente uma vinícola em pleno Nordeste, às margens do Rio São Francisco. Mas este “terroir” especialíssimo do vinho brasileiro, localizado no paralelo 8,5 – completamente fora da zona onde o resto do mundo cultiva vinhedos, também chamado de nova latitude – já tem história. Em 1984 a Vinícola do Vale do São Francisco, que produz os rótulos Botticelli, iniciou a plantação de seus vinhedos no local e apostou no vinho regional. Juntaram-se a ela, anos mais tarde, o grupo Miolo (no ano 2000), que produz espumante Terra Nova, na Fazenda Ouro Verde e a ViniBrasil, que tem no Rio Sol seu maior porta-estandarte do Vale do São Francisco.
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A Globo escolheu como cenário para a fictícia vinícola Vieira Braga a Fazenda Santa Maria, onde o grupo português Global Wines/Dão Sul trabalha a marca ViniBrasil desde 2002 (assim o logo VB que por vezes aparece no fundo da cena não cria um problema de edição). O Rio Sol começou como uma parceria do proprietário da importadora Expand, Otávio Piva de Albuquerque, e este grupo português que é responsável por rótulos consagrados do lado de lá do Atlântico como Quinta do Cabriz, Casa do Santar, Herdade Monte de Cal. Em 2008, Piva saiu do negócio e os portugueses se tornaram os únicos donos da marca.
Localizada às margens do rio São Francisco e com mais de 200 hectares de vinhas onde são plantadas as uvas das castas internacionais como cabernet sauvignon e syrah, e as tipicamente portuguesas como touriga nacional, tinta roriz, tinto cão e vinhão, a ViniBrasil é uma vinícola com características que fazem enólogos e entendidos de todo o mundo reverem seus conceitos. Ali são elaboradas até duas safras e meia por ano, graças à maneira de irrigar os vinhedos (por gotejamento) e ao clima quente e seco e com muitas horas de exposição ao sol.
Seus espumantes são mais leves e fáceis que os concorrentes do sul do país, muitas vezes mais doces também, o mesmo pode-se dizer dos tintos, feitos para consumo rápido e com orientação para o mercado exportador. Mas a região também produz vinhos de mais alta gama, desafiando ainda mais o gosto dos entendidos que têm preconceito pelos vinhos da região.
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O Rio Sol Cabernet Sauvignon e Syrah (ViniBrasil) e o Testardi Syrah (Miolo) já foram premiados pelo concurso Top Ten da Expovinis – a megafeira de vinhos anual de São Paulo – como melhores tintos nacionais, respectivamente nos anos de 2008 e 2012. Ou seja, submetidos a júri de especialistas atropelaram concorrentes de maior prestígio e preço.
Se as cenas dos vinhedos causou alvoroço no mundo do vinho que viu na oportunidade uma maneira de valorização da bebida no país da cerveja os telespectadores talvez estejam mais tentados a experimentar uma degustação às cegas à la Amores Roubados, que deu o que falar.
No primeiro capítulo a degustação às cegas promovida pelo sommelier-pegador foi um tanto literal. Além de esconder o rótulo das garrafas (é só isso a degustação às cegas, ok?) os próprios participantes estavam vendados enquanto eram estimulados a descrever as sensações que o vinho proporcionava. O que abriu espaço para o personagem vivido por Cauã Reymond exercitar seus conhecimentos de textura com a fogosa personagem vivida pela atriz Dira Paes.
Enquanto os especialistas de vinho comemoravam o destaque dado ao tema na minissérie da Globo nas redes sociais, o público feminino preferia salientar em seus comentários as qualidades gustativas de Cauã e começavam a imaginar na rede degustações às cegas com a mesma pegada.
Eu, que participo há anos de degustações às cegas, agora tenho de explicar em casa que não é assim que acontece. Por mais que a minissérie ajude a imagem dos nossos tintos, brancos e espumantes, o vinho na ficção tem sempre um retrogosto diferente, né não?
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Publicado originalmente em janeiro de 2014
Boa Noite!
Sou paraense e moro em Manaus, e gostaria de saber, por favor, onde comprar vinhos do vale do São Francisco?
Muito agradecido
Wellington Barbosa