Dez entre dez especialistas de vinho reconhecem que a qualidade dos vinhos brasileiros vem aumentando e – principalmente – se diversificando. Hoje temos experiências em diferentes regiões do país, e o mapa de produção inclui latitudes inimagináveis tempos atrás como Minas Gerais, Goiás e Pernambuco. Santa Catarina, com seus vinhos de altitude, mostram caldos de valor, além é claro do Rio Grande do Sul, avançando cada vez mais para os terrenos mais próximos da fronteira com o Uruguai. Também há experiências com diferentes variedades de uvas, métodos, cultivos orgânicos, biodinâmicos, pequenas parcelas, produtores experimentais e diferentes concepções de espumantes.
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Dez entre dez especialistas também são unânimes em bater na mesma tecla. O preço. O vinho nacional é muito caro, dizem, e muitas vezes também digo. Seguido do preconceituoso axioma “Para um vinho nacional até que é bom”, junta-se o “Por este preço eu tomava um bom vinho italiano ou argentino”, por exemplo. Será que esta máxima é sempre válida? Então vou contar uma historinha recente.
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Um grupo de degustação do mais alto gabarito do qual tenho a honra de participar promoveu recentemente uma prova às cegas – para quem é novo aqui eu explico, trata-se de uma degustação na qual os rótulos são revelados apenas no final, para não influenciar a avaliação – cujo tema era a uva italiana sangiovese. A sangiovese é a uva-símbolo da Toscana, responsável pelo vinho Chianti, Chianti Riserva, Chianti Classico, o Brunello di Montalcino e também parte da receita de alguns supertoscanos, onde a sangioveses é misturada às internacionais cabernet sauvignon ou merlot. A sangiovese é, enfim, uma uva que fala italiano, e tem sotaque dos habitantes da Toscana!
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Nove participantes marcaram presença e a mesa do restaurante escolhido exibia nove taças dos tintos na frente de cada degustador, para espanto dos demais clientes do estabelecimento que contornavam a mesa de olhos arregalados. O nível dos goles estava excepcional. Alguns caldos se destacavam dos demais, eclipsando seus concorrentes, pois apresentavam maior talento para desenvolver aromas e sabores deliciosos, sempre escoltados por uma acidez característica. Alguns incautos arriscavam um palpite, este aqui trata-se de um Chianti, aquele tem uma pegada mais concentrada, pode ser um Brunello. E por aí vai. É um grupo que reveza comentários mundanos com pitacos sobre a bebida. Rodada de goles completa, anotações feitas, pontuação finalizada, os rótulos começam a ser revelados, dos menos apreciados aos mais votados.
Vale destacar que entre os bebedores sempre há um provocador que resolve levar um curinga, que geralmente é um vinho que obedece o critério do tema e/ou país e região mas é uma surpresa pelo preço, pelo produtor, pela região ou mesmo pela uva. Nosso grupo não foge à regra e um doutor renomado cumpre este papel. Dito isso, voltemos ao rótulos. O grande vencedor (as notas não foram todas compiladas) foi um Ceparello, Isole e Olena do ano 2000, um toscano mais evoluído, com grande expressão em boca e aromas muito elegantes. A lista completa está abaixo.
- Col D’Orcia, Brunello di Montalcino, 1991
- Fontalloro, 2008, Toscana
- Le Potazzine, Gorelli 2011, Rosso di Montalcino
- Fonterutoli, Mazzei, 2009, Chianti Classico
- Berandenga, 2008, Fèlsina, Chianti Classico
- Badia a Passignano, 2008, Antinori, Chianti Classico
- Cepparello 2009, Isole e Olena, IGT
- Michelli, 2003, Villa Francioni, Brasil
- Cepparello 2000, Isole e Olena, IGT
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Se você leu a lista com atencão, já reparou uma intromissão. Pois é, a grande surpresa, um dos vinhos que ficou entre o segundo e terceiro rótulos mais apreciados pelo coletivo, ombreado por outros sangiovese importados da Itália, foi o Michelli, da Villa Francioni, que apesar do nome é um tinto verde-amarelo de Santa Catarina. Surpresa na mesa (para ser honesto um dos integrantes da mesa não gostou do vinho). Confesso que foi meu segundo melhor vinho, entre as tais nove garrafas. Bom salientar que ele é 80% sangiovese, o restante cabernet sauvignon e merlot. Belo vinho, equilibrado, muito saboroso. Sangiovese brasileiro, mas com sotaque italiano. Bom pra caramba, belo!
Diante da incredulidade de alguns veio a questão do preço: “mas quanto custa?” É um vinho de mais de 250 reais. O quêêêêê?!?! Um vinho nacional custando mais de 250 reais?!?!?! Pois é, mas às cegas foi elogiado por todos, bebido com rigor e prazer. O que nos permite uma reflexão, que é mais uma provocação e nos remete ao título deste post: vinho nacional pode ser caro? Por que não? O que vale não é o teste da taça? Se é um vinho bom, de produção limitada, ótima qualidade, qual o problema de ser caro? Apenas por que é brasileiro? Se fosse italiano, de mesmo preço, portanto caro, não seria bom seguindo apenas um critério gustativo? Alguém iria reclamar do preço se o Michelli fosse um rótulo do Antinori? Basta comparar que o mesmo Cepparello Isole e Olena, este da safra de 2009, estava à mesa, custa 450 reais, e ficou atrás do Michelli…
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Esta mesma discussão vale para vários bons exemplares nacionais de baixa produção, excepcional qualidade, que podem vir de pequenos e audaciosos produtores como Marco Danielle, Era dos Ventos, Domínio Vicari ou mesmo grandes vinícolas, em safras excepcionais ou selos comemorativos. Não se trata de defender preços altos, nem de ter uma postura ingênua. Eu duvido que desembolsaria 250 reais pelo Michelli se não conhecesse, como raramente desembolso 250 reais por uma garrafa de vinho qualquer. Há vinhos realmente muito caros pelo que oferecem: nacionais e importados. A questão é mais de poscionamento. Quando é bom e é importado então vale pagar caro? É bom, mas é nacional, então não vale? Qual a régua para medir a relação preço e qualidade: a bandeira ou o vinho? Fica aqui a provocação. Atire a primeira garrafa quem nunca parou para refletir sobre o assunto…
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Publicado originalmente em junho de 2014
Achei equivocada a comparação de preço entre o vinho ceparello e o de santa catarina que e muito caro para o que oferece o italiano custa lá aproxima. 50 euros e o nosso o equivalente a 75 euros esta a meu ver e a comparação correta.
Caro Beto,
Acho que o vinho nacional é caro sim, mas por um único motivo: o importado também é caro. O posicionamento de preço de um vinho nacional sempre terá como referência os importados, e sabemos muito bem que pagamos cerca de 3 vezes mais por esses produtos aqui do que em seus países de origem. A má notícia é que isso não é privilégio dos vinhos.
Um abraço,
Daniel