Você sabe o que é um Jerez? Nunca vi, nem bebi eu só ouço falar… Se você está na turma que se identifica com esta versão oportunista do samba “Caviar” de Zeca Pagodinho, talvez este texto te interesse. De uma maneira muito simplificada pode se dizer que o Jerez é vinho fortificado produzido no sul da Espanha com uvas brancas, a palomino fino, envelhecido em barricas de carvalho e que usa a mistura de várias safras na sua elaboração. Mas não é tão simples assim. O Jerez é também um vinho de muitas facetas com famílias bem distintas e com particularidades na elaboração e nos níveis de doçura que definem cada estilo da bebida (a foto dos copos acima são um exemplo desta variedade). SImples ou complicado, o importante é que o Jerez é um vinho com muita história, versátil na harmonização, em especial entradas, tapas, embutidos, e que pode ser mais uma opção para você que curte vinhos e quer ampliar o repertório (para quem já conhece, fica o convite para manter o hábito).
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O Brasil importou, no ano passado, somente 1000 caixas de 12 garrafas por ano. 50% do volume no seu rótulo mais famoso, o Tio Pepe. Em termos de participação no volume dos importados, é ínfimo. Se fosse um partido, teria a representação de um daqueles nanicos na Câmara dos Deputados, esbarraria na cláusula de barreira. Por aqui ainda é um vinho para iniciados, apaixonados pela bebida, espécies de ativistas (ops, designação com potencial perigoso para o Brasil de 2019) que batalham por sua divulgação ou simplesmente curtem a bebida.
A diversidade de estilos, cores, sabores e complexidade entre os jerezes de fato não facilita um neófito a entrar no seu mundo. Uma rápida consulta em enciclopédias e sites especializados desanima os incautos e afugenta os potenciais interessados com tanta explicação e diferenças de estilos. Parece uma planilha de vinho. O Jerez se divide nos seguintes estilos e famílias:
Secos – Manzanilla, Fino, Amontillado, Oloroso, Palo Cortado.
Doces: Pale Cream, Medium, Cream.
Doces naturais: Moscatel e Pedro Ximenez.
O Jerez também atende pelos nomes de xérès e sherry. Se fosse um filósofo, o Jerez seria uma espécie de Wittgenstein do Baco, o pensador austríaco que questionou a representação do mundo através da linguagem, difícil de compreender mas fácil de se encantar depois de apresentado ao núcleo de sua lógica.
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Ativista do Jerez
Compreender todos os estilos portanto além de inútil é bastante tedioso: é como tentar entender Wittgenstein lendo seu perfil no Wikipédia. E ninguém aqui quer ficar consultando enciclopédia antes de desfrutar um vinho, certo?
O ativista e embaixador do Jerez no Brasil, Bernardo Pinto (foto), sommelier homologado pela Denominação de Origem da região e diretor técnico da importadora Zahil, tem um pegada de simplificar sem banalizar o entendimento do Jerez. Modestamente copio aqui suas definições. Didaticamente separa duas grandes famílias dos jerezes importados no Brasil e que são um primeiro caminho para entender e desfrutar a bebida:
Fino, que são vinhos pálidos, leves, delicados, refrescantes e secos
Oloroso, mais estruturados, complexos, intensos, saborosos e volumosos.
São fáceis de identificar na taça, um é branco e outro mais escuro (âmbar).
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Como uma flor de lis…
Mas se têm a mesma uva como geram vinhos tão diferentes? A graduação alcoólica é o divisor de águas.
Fino
O Fino é fortificado a 15 graus. Nesta graduação o vinho mantém a flor. Hein? A flor (foto) é o kinder ovo do processo de vinificação exclusivo do Jerez. Trata-se do nome que se dá para a camada de leveduras e bolor que protege o vinho da oxidação durante a fermentação. As barricas não são totalmente preenchidas e o ar fica separado do líquido por esta manta natural que atual como espécie de envelhecimento biológico. A tal da flor é um fenômeno que só se materializa na região do sul da Espanha, no triângulo que forma entre as cidades de Jerez de la Frontera, Sanlúcar de Barrameda e Puerto de Santa Maria. Para ser 100% assertivo, a flor também aparece na região francesa do Jura, na produção dos vinhos laranjas, mas não vamos complicar demais, ok?
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O fino é no geral bastante seco, com uma certa salinidade (em especial o Manzanilla) e boa acidez. Frutas secas, mais para o lado das amêndoas, estão mais ou menos presentes. A recomendação é servir numa temperatura entre 6º e 8º C.
Oloroso
Já o oloroso é fortificado a 17 graus, para tanto é necessário adicionar álcool. Nesta temperatura o vinho não forma a flor. A bebida então sofre o contato com o oxigênio e passa por um processo de oxidação de um envelhecimento tradicional. Muitas vezes resulta num vinho de 20º de álcool por conta da evaporação da água durante a vinificação.
O oloroso é mais espesso, com maior volume em boca, as características oxidativas mais presentes, formando um arcabouço de aromas e sabores que lembram nozes, tostados, couro. Uma espécie de primo distante do tawny e do madeira envelhecido, com a vantagem de que dura mais tempo depois de abertos e conservados em geladeira. Recomendação de serviço entre 12º e 14º.
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Deu ruim e ficou bom
Uma curiosidade. Tem um tipo de Jerez, o Palo Cortado, que não fossem estes tempos bicudos, poderia ser denominado de transgênero sem medo de sofrer retaliações. Ele começa fino com flor e em dado momento da vinificação perde a flor e se transforma num Oloroso. É vinho raro e caro. Raramente chega ao Brasil. Homem de sorte que sou, provei um exemplar, o Cardenal Palo Cortado Valdespiano, que era de tomar ajoelhado. Segundo consta até por que custa os olhos da cara e só mesmo de joelhos para arcar com a conta.
- Saiba mais sobre o Jerez no site Sherry Wines
Toda esta riqueza, aliada até uma certa mística no processo da formação da flor, resulta num vinho inimitável. Em um esforço para manter viva esta tradição, uma legião de seguidores criou um movimento para tornar a bebida mais conhecida, mais simples de entender e prazerosa de beber. Iniciada em 2013 por uma australiana que batalhava pela qualificação do produto, a Semana do Jerez (Sherry Week, no original) completa seu quinto ano. Realizada entre os dias 8 e 14 de outubro, a Sherry Week organiza eventos, degustações, encontros, discussões em 30 países ao redor do mundo. Um movimento que só cresce e que este ano deve bater a casa dos 3.000 encontros. A força da rede nem sempre está aí para dividir, mas também para somar esforços para as mais variadas causas. Em São Paulo foram realizados vários eventos. No Museu do Vinho, em São Paulo, foi realizada uma apresentação e degustação com apoio do Governo Espanhol, representantes do vinho espanhol e importadoras que trazem garrafas para o Brasil.
ATUALIZAÇÃO: em 2019 a Sherry Week está acontecendo entre de 4 a 10 de novembro. Clique neste link e acompanhe os locais no Brasil onde acontecem cada evento.
Fino, Oloroso, Palo Cortado e Cream
Os vinhos provados no encontro da Semana Internacional do Jerez em São Paulo foram os seguintes e aparecem rapidamente no vídeo abaixo. Cada um cumpre seu papel de mostrar o estilo de cada família.
Manzanilla La Guita – (importador Zahil)
Ojo de Gallo – (Zahil)
Navazos 2014 Nieport –
Fernando de Castilla Manzanilla (Casa Flora)
Fernando de Castilla Fino (Casa Flora)
Fino de Añada 2010 Gonzalez Byass – Fino (Inovini, exclusivo para degustação)
Afonso Oloroso (Inovini)
El Maestro Sierra Oloroso 15 anos (Decanter)
Fernando de Castilla Antique Oloroso (Casa Flora)
Cardenal Palo Cortado Valdespiano (Zahil, exclusivo para degustação)
Solera 1847 Cream
Ótima publicação, Beto! Uma iniciação bem humorada descomplicada ao mundo do Jerez.
Creio que há um pequeno erro no texto a ser corrigido: o que distingue os estilo de Jerez na produção não é a temperatura, mas a graduação alcoólica. A flor se forma a 15º GL, isto é, 15% de álcool (mais precisamente, entre 14,5%e 16%), e morre quando o vinho é foritificado a 17º GL, isto é, 17% de alcool.
O “grau”, portanto, não é Celsius (temperatura), mas Gay Lussac (álcool por volume)
Um abraço!
Oi Bruno, obrigado pelo comentário. Você está corretíssimo. Foi um erro de redação e de construção de texto. Não é Celsius e por álcool por volume. Bom ter leitores inteligentes e melhor informados que o autor, assim corrigimos as bobagens. Obrigado e apareça sempre
abraços
Excelente comentário, Bruno! Vivi nos USA (1976/1981). Naquela ocasião, analfabeto em questão de vinhos, comprava o “sherry brandy”e, sem com quem compartilhar, o apreciava sozinho ()! Os meus amigos (de doutorado) eram bebedores de cerveja e a mãe dos meus filhos, viciada em coca-cola! Atualmente, aposentado e com tempo de sobra, tive a grata surpresa de ler seu comentário! Meu sinceros parabéns! !
Olá.
Em Noite de Reis, Sir Toby diz “vou esquentar um xerez para nós, que agora é tarde para dormir”. É correto aquecer?! Pode explicar?