“Chegou a turma do funil
Todo mundo bebe mas ninguém dorme no ponto
Há, há, há, há… mas ninguém dorme no ponto
Nós é que bebemos e eles que ficam tontos!”
Uma confraria, como se sabe, é aquela justificativa que enófilos e eventuais bebedores de vinho dão para desmarcar uma reunião importante de trabalho ou faltar ao aniversário do cunhado sem qualquer dor na consciência, pois têm um compromisso mais importante: compartilhar uma garrafa de vinho com os amigos.
Na França, o hábito de reunir amigos em torno das garrafas também é conhecido por confréries bachiques (de Baco), o que dá bem a dimensão do encontro. O diferencial que separa o porre pagão da degustação ecumênica está na escolha da bebida, da comida e da companhia: é o vinho e suas circunstâncias. É o mesmo espírito da turma do funil da marchinha, só que com uma camada de verniz.
Um pouco de história
O nome confraria tem origem na mais antiga organização do gênero que se tem notícia na França: l’Antico Confrarie de Sant-Andiu de la Galiniei, fundada em 1140, em Béziers. Não tinha o formato atual, mas aí está sua gênese. Um dos mais antigos grupos ainda em atividade também é do país de Sarkozy, que aliás não bebe: a La Confrérie des Chevalliers du Tastevin, criada em novembro de 1934. A história é curiosa, o resultado, melhor ainda.
Em um momento de crise de liquidez dos caldos da Borgonha, dois amigos, Camille Rodier e Georges Faiveley, tiveram a brilhante ideia para aquecer o mercado: “Se ninguém quer nossos vinhos”, raciocinaram, “vamos convidar nossos amigos para vir prová-los conosco.” E criaram a confraria.
O experimento deu resultado. O Chevaliers du Tastevin é, desde 1945, proprietário do Châetau Clos de Vougeot. A partir desta experiência bem-sucedida, outras regiões criaram seus próprios grupos que se espalharam pela Europa com o objetivo de divulgar seus produtos entre seus consumidores. São também famosas as confrarias portuguesas do Vinho do Porto – que tem entre seus membros figurões tão díspares como Fernando Henrique Cardoso e o ditador Fidel Castro e do Periquita, criada em 1993 para reunir os amantes do rótulo português mais consumido no Brasil. Entre seus 165 atuais membros se misturam personalidades como o especialista e historiador de vinho Carlos Cabral e a especialista em entornar a taça Hebe Camargo.
A mãe de todas as nossas confrarias
Mas as confrarias que nos interessam são aquelas formadas por grupos anônimos, sem interesse comercial. A popularização destes grupos de vinho é um fenômeno recente entre nós. Acompanhou o crescimento do mercado, o surgimento das lojas especializadas, a evolução do serviço dos fermentados nos restaurantes. Elas são, de certo modo, uma conseqüência da explosão dos cursos de iniciação de vinho e da popularização da bebida na classe média.
As confrarias brasileiras podem ser uma novidade entre os neófitos, mas é importante o registro dos desbravadores. Afinal, não cabe aqui a mesma síndrome do governo Lula: como se nunca antes neste país um grupo de conhecedores tivesse se reunido para apreciar a bebida de Baco. A Confraria do Amarante, idealizada pelo especialista José Osvaldo Albano do Amarante e pelo crítico e jornalista Saul Galvão (falecido em 2009), está na ativa há 26 anos. Desde fevereiro de 1983 doze amantes de vinho se reúnem mensalmente para degustações às cegas – aquele tipo de prova em que as garrafas são embaladas e os rótulos só revelados no final –, sempre acompanhadas de jantares em bons restaurantes de São Paulo. O grupo já provou cerca de 2.700 garrafas, todas meticulosamente registradas e comentadas em uma planilha pelo autor de uma das melhores obras de referência sobre o tema: Os Segredos do Vinho – Para Iniciantes e Iniciados. De certa maneira, a Confraria do Amarante é a mãe de todas as confrarias que surgiram de lá para cá.
Também têm história para contar a confraria dos Amigos de Babette, que se reúne para cozinhar e harmonizar pratos refinados com comida idem e a Confraria Madame Pompadour, um clube da luluzinha de Baco – uma resposta às confrarias dominadas pelos marmanjos – que se dedica a degustações de champanhes franceses.
Agora é sua vez
Uma confraria se forma para que amigos compartilhem suas melhores garrafas, experimentem as novidades, comparem o rótulo A com o rótulo B, cotizem uma garrafa que é objeto de desejo, isso tudo em clima de camaradagem e descontração. É também aquele momento em que o vinho é protagonista. Em que ninguém vai ficar olhando torto para a sequência de rótulos, reclamando do balé de taças girando sem parar e ironizando o festival aromas que cada degustador encontra nos caldos. Afinal, como conclama um dos primeiros posts deste blog: Salvem os enochatos! E se o objetivo é só beber comentando o jogo de domingo, qual o problema? A regra é não ter regra. O importante é o encontro.
Então, que tal criar a sua confraria? Reúna os amigos, e monte um grupo.
Algumas dicas para aproveitar melhor suas reuniões.
1. É importante manter uma agenda. Procure estabelecer uma data fixa para os encontros. Todas as primeiras quartas-feiras do mês, algo assim, que facilite o agendamento e continuidade do grupo. Se for esperar o melhor dia para cada participante, é capaz de a confraria nunca passar do primeiro brinde;
2. Aproveite as facilidades da tecnologia e organize as reuniões por e-mail ou então crie contas nas redes de relacionamento como Facebook, Orkut ou MySpace, onde os encontros podem ser registrados com imagens e textos, ou até mesmo em tempo real, com apreciações de no máximo 140 toques do Twitter, por exemplo;
3. Escolha um tema para o encontro. Pode ser um país (vinhos argentinos), uma região mais específica (Borgonhas), um tipo de vinho (brancos), de uva (riesling) ou mesmo safra (Baraolos de 2001);
4. A experiência pode ficar mais rica também se alguém se dispuser a pesquisar sobre os vinhos que vão ser degustados, as principais características, um pouco de sua história e algumas curiosidades sobre as uvas, as principais vinícolas, estes detalhes que fazem a alegria dos enófilos de carteirinha, mas que também atiçam a curiosidade de quem está chegando neste mundo;
5. Se for harmonizar com comida, combine de cada colega levar pelo menos um representante de cada variedade: um espumante, um branco, tintos e um de sobremesa;
6. Anote o nome, safra e produtor do vinho e registre os rótulos com fotos. Assim, você vai criando seu acervo pessoal das provas e pode repetir a garrafa que mais lhe agradar em outra oportunidade;
7. Se o encontro for na casa de um dos confrades, verifique se é preciso levar taças adicionais;
8. Se a reunião for marcada em um restaurante, é importante perguntar, no ato da reserva, se a casa cobra serviço de rolha, se tem taças de vinho adequadas, etc. Se não tiver, não se acanhe em levar suas taças, saca-rolhas, balde de gelo, o que for preciso para aproveitar ao máximo a oportunidade;
9. Se existir serviço de vinho no restaurante, reserve uma taça de um vinho ao sommelier ou proprietário e ouça a avaliação do profissional;
10. A dica mais importante, no entanto, é tornar este hábito um prazer, uma diversão daquele tipo que você espera ansiosamente pelo próximo encontro.
Você já tem, ou teve, seu grupo de vinhos? Conte aqui sua experiência. No próximo post, eu conto a minha. São dois anos da Confraria da Baixa Gastronomia, da qual orgulhosamente faço parte e que completou recentemente dois anos de brindes. Mas isso merece outro texto.
Obs.: Aos meus persistentes seguidores que reclamaram na área de comentário, e com justa razão, do meu sumiço, minhas sinceras desculpas. Outras atividades me impediram de batucar aqui. Mas prometo recuperar o tempo perdido.
Publicado originalmente em julho de 2009
Olá Gerosa!
Sou fundador da Vinho & Vida Confraria de Belo Horizonte. Comecei assim, juntei um grupo de amigos e parentes que gostam de vinhos, mas não estudavam o assunto e assumi a frente do barco temporariamente.
Como jurista, dei um toque e criei um estatuto detalhando todos os passos e como funcionaria a Confraria, hoje estamos com pouco mais de um ano e tem sido um sucesso absoluto. Muitos começaram a estudar o assunto, entraram novos confrades e fazemos nossas reuniões com estudo apresentado por um palestrante (com slide, harmonização e etc.) 1 vez a cada dois meses e além disso temos os encontros informais (conversar, jogar xadrez, experimentar um novo rótulo sem compromisso) e alguns eventos particulares. A internet ajuda muito, como você bem disse.
Por falar nisso, nos reuniremos dia 02/08 com o tema “Portugal: A Região Demarcada dos Vinhos Verdes”. As expectativas são enormes e quantidade de candidatos (fora os membros) a participar, idem. Muitos ficaram de fora por exceder nossa estrutura.
Abraço e espero que seu texto sirva de estímulo para muitos outros enófilos Brasil afora.
Parabéns, seus textos como sempre são muito bem formulados e bem leves de se ler.
Esse tema foi muito legal, acho que se todos entrassem na “moda” da confraria, seria muito bom, pois estaria aí uma ótima hora para relaxar, degustar um bom vinho, e se reunir com amigos e chegados.
Parabéns de novo pela matéria.
Obs. Te amo pai
Bom saber que as postagens serão mais frequentes.
Abraços
Caro Gerosa,
Excelente artigo, leve, alegre, engraçado e sempre mutio elucidadtivo. Já participei de algumas Confrarias e são exatamente do jeito que você comentou. Nestas tomei os melhores vinhos ( Barolos, Almavivas, Caros, Catenas, Lafites etc. e Champagnes e espumantes de 1a linha…) Boas recordações. Depois deste seu artigo me deu vontade de montar uma outra e o farei. Só que mais enogastronômica.
A Propósito, ontem tomei um Almaviva 2001 com um filé ao Funghi com um risoto aos 4 queijos que ficou excelente. O Almaviva estava redondo, aromas de frutas vermelhas ainda bastante presentes, aromas complexos ( couro suave, caça e um “sous-bois” ) apareceram, muito saboroso e prazeiroso. Mostrava que ainda podia envelhecer um pouco mais. Talves mais uns 3 a 4 anos…
Seu site ficou muito bem reformulado. Somente alguns links na lateral direita não funcionaram e tive dificuldades. (Mapa do Vinho…)
Parabéns e Abraços, Ricardo Coutinho ( Sommelier – SJCampos)
Oi, Gerosa!
Vc me inspirou: postei sobre a nossa confraria feminina no meu blog! O nome: as Descorchadas! 8 mulheres, quase todas jornalistas. Parabéns pelo texto!
Olá Gerosa, o título dessa post é a coisa mais certa na vida de um amante de vinhos.
Bem.. eu comecei com um esboço de confraria. a primeira reunião foi na minha casa e nos organizamos para harmonizar os vinhos com os pratos. temos até uma chef na lista!
Vou seguir teus conselhos e propor uma data fixa pra gente se encontrar. Realmente, rnão tem desculpa melhor pra não ir a compromissos chatos do que O encontro da confraria. Santé!
beijos, que Baco te abençoe
Estamos nos preparando para dar início a nossa confraria no pequeno município de Teutônia/RS, cidade esta não produtora de uva, pois o produto vem da região vitivinícola gaúcha, diga-se, serra gaúcha, Garibaldi, Caxias do sul., Bento Gonçalves, Coronel Pilar entre outras mais.
A diferença que pretendemos mostar nessa confraria, é degustar o vinho produzido por NÓS, aqui na região do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, pois somos produtores artesanais, que produzimos em torno de 700 litros por família, para nosso consumo, também de nossos familiares e amigos que nos visitam. Aceito sugestões no meu end. virtual, [email protected]
Sou participante de uma confraria na minha cidade. Há 10 anos nos reunimos mensalmente.
A cada reunião, um confrade é responsável pela escolha e apresentação do vinho a ser degustado. Muito interessantes as dicas que você deu para tornar mais agradáveis e proveitosas as reuniões.
Temos eleições a cada 2 anos. Atualmente sou vice presidente, devendo, naturalmente ser a próxima presidente. Minha cidade é Itaúna-MG.
Vou ficar sonhando com a possibilidade de receber um comentário-dica diretamente para a nossa confraria.
CAVI Confraria dos Amigos do Vinho de Itaúna
obrigada
Dagmar Barbosa
Olá,
Que bela surpresa encontrar seu blog durante a busca, no oráculo Google, sobre como formar uma confraria. Você escreve muito bem, tem estilo.
Agradeço as dicas e aceito orientação, sua e de seus leitores, quanto a modelo de estatuto, número ideal de membros, duração aproximada dos encontros, quantidade de garrafas proporcional ao número de membros, formato das reuniões, etc ….
Sou grato pela possibilidade por vocês disponibilizarem suas experiências.
Fraternalmente,
Hiram Leal
Olá Hiram Leal
Bacana você formar a sua confraria, será uma experiência gratificante, principalmente se o prazer de compartilhar bons vinhos com os amigos e a vontade de experimentar coisas novas estiver entre os objetivos do grupo.
Obrigado também pela sua participação e leitura
abraços
Beto Gerosa
Olá Beto!
Há algum tempo venho idealizando formar uma confraria em minha cidade, Ribeirão Pires, uma Estância Turística sem atrativos turísticos de fato, em pleno ABC Paulista.
Li suas dicas, muito proveitosas! Confesso que não era bem este o formato que eu havia idealizado. Nunca participei de uma confraria, apenas algumas reuniões com amigos para degustar rótulos inéditos para nós. Sequer sou enófilo. Apenas um curioso e apreciador de bons vinhos.
Sou publicitário e editor de uma revista em minha cidade. Assim como eu, diversas outras pessoas aqui de Ribeirão apreciam bons vinhos, mas não temos sequer um único restaurante que ofereça bons rótulos. Então por que não nos reunirmos periodicamente para isso?
Gostaria de participar de uma reunião em alguma Confraria para observar detalhes do seu funcionamento, por isso lhe pergunto se vc conhece e pode me indicar alguma Confraria em São Paulo ou ABC que aceite a presença de visitantes.
Desde já grato e parabéns pelo Blog.
Um abraço!