Você é capaz de lembrar o nome do último vinho que bebeu? Ou daquela garrafa espetacular que pediu num restaurante outro dia? Se você não tem o costume de anotar ou fotografar o rótulo – e não tem uma capacidade extraordinária de memorização -, a chance de recordar a marca é muito pequena. A não ser que você seja aquele tipo de um consumidor fiel. De poucos rótulos.
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Esta conclusão, antes baseada apenas em depoimentos de consumidores que sempre relatam dificuldade em lembrar nomes de vinho, foi confirmada por um alentado estudo que mede o alcance das marcas mais importantes do mercado. Elaborado pela consultoria inglesa Wine Intelligence, o Global Wine Brand Power Index 2019 mostra que cada vez é mais difícil o consumidor reconhecer uma marca de vinho. Segundo este estudo, as pessoas se lembram menos das marcas hoje em dia do que há 10 anos. E a internet tem muito a ver com isso. O alcance a rede cresceu muito nestes últimos 10 anos e usamos a web para pesquisar tudo que queremos saber, que não lembramos direito, ou mesmo para orientação na hora da compra.
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A explicação para este esquecimento maior dar marcas está relacionado ao que os estudiosos da rede chamam de descarga cognitiva (ou cognitive off-loading, no original em inglês) O que é isso? Com a informação disponível na internet e acessível pelos smartphone o cidadão deixa de memorizar fatos e dados – no caso do vinhos esta preguiça mental é potencializada pela enorme diversidade de rótulos disponíveis, o que realmente confude. Com tanta informação consumida diariamente nosso cérebro acaba decidindo que este esforço não é mais necessário. Ou seja, terceirizamos nossa memória, literalmente ela foi para as nuvens. Está no buscadores.
“Os consumidores se lembram menos das
marcas hoje em dia do que há 10 anos”
Este fenômeno não chega afetar os blockbusters do pedaço. A pesquisa está aí exatamente para medir o valor das marcas e quem está ganhando este jogo. Realizada em 20 grandes mercados — países como Bélgica, Chile, China, Estados Unidos, Canadá, Japão, Brasil, Portugal, Holanda, França, Alemanha, Coreia do Sul, Espanha, Reino Unido, Irlanda e Suécia –, representa 350 milhões de consumidores de vinho pelo mundo. O trabalho elege as 15 marcas globais mais poderosas. Em primeiro e segundo lugares brilham o australiano Yellow Tail e o chileno Casillero del Diablo (uma marca bem lembrada aqui no mercado brasileiro, a propósito). Também aparecem com destaque no ranking a Jacob’s Creek e a JP Chenet. É emblemático que 14 das 15 marcas mais poderosas de 2018 permanecem na listagem de 2019: a memória ficou mais preguiçosa para armazenar novos dados, talvez. Ou elas são mais eficientes no seu marketing mesmo. São todas de grande volume, como não poderia deixar de ser. O problema de retenção das marcas e rótulos preocupa mais o batalhão abaixo, que luta para sobreviver e permanecer na memória do consumidor.
Qual a marca mais lembrada no Brasil?
A Wine Intelligence realizou a mesma pesquisa de marca no mercado brasileiro. Como é feita a pesquisa? É mostrada uma lista de nomes e logotipos de 35 companhias nacionais e estrangeiras. Baseado nas porcentagens de entrevistados que reconhecem a marca, que manifestam o desejo ou a efetiva compra do produto nos últimos três meses e ainda que consideram recomendar o vinho para outros consumidores é tabulado um ranking que elege a marca mais reconhecida.
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Foram entrevistados 1.000 consumidores de vinhos regulares com idade entre 18 e 64 anos nas principais capitais do país, o que representa 32 milhões de consumidores. No Brasil, a marca mais reconhecida foi a da Vinícola Salton. Esta é a primeira vez que uma empresa nacional ocupa o posto de número 1 da pesquisa brasileira do Global Wine Brand Power Index.
O vínculo emocional com a
marca ajuda a criar fidelidade
O que faz uma marca ser lembrada? Luciana Salton, diretora da vinícola, acredita que além do trabalho de divulgação o vínculo emocional ajuda a gerar fidelidade à marca: “É quando o consumidor relaciona um vinho da Salton a momentos importantes de sua vida: um jantar de comemoração, uma festa, o casamento”, argumenta.
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Mas qual a importância de uma marca para quem consome vinho?
Para o consumidor, a marca deveria ser a garantia da qualidade de um produto, a certeza de encontrar na garrafa um vinho que agrada, que traz boas recordações, a confiança de que um nome conhecido é garantia de seu investimento. Mas o consumidor é infiel. Pior, como mostra o estudo, é esquecido.
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Não basta fazer um bom vinho, é preciso comunicar
E aí, como as marcas fazem para conquistar e manter os consumidores? Mais do que nunca, é preciso comunicar.
Mas o desafio de comunicar a marca em um mundo multifacetado, digital e polarizado ficou um pouco mais complexo. Não basta a publicidade (continua importante, sim). Ou o contato pessoal. Se antes os produtores se concentravam em eventos, degustações comentadas, concursos, apresentações ao trade e aos formadores de opinião, hoje apenas esta fórmula não basta. Talvez tenham de fazer mais.
As empresas precisam ter uma estratégia digital: atuar nas redes sociais, gerar formatos diferentes para cada público (posts, stories, lives, memes, vídeos), ampliar seu público com influenciadores digitais, abrir e manter canais de comunicação direta com o consumidor, melhorar continuamente o resultado da marca nas buscas. Como mostra o estudo da Wine Intelligence, não estar na internet – onde o consumidor vai pesquisar um vinho – é a morte da marca.
Formadores de opinião, redes sociais, influenciadores
Onde o consumidor busca informação de vinho (ou de qualquer outra coisa)? O ecossistema da informação se multiplicou (faz tempo!). Há o chamado grupo de formadores de opinião, representado por especialistas e jornalistas de serviço; há o coletivo dos consumidores com suas redes sociais e, no meio do caminho, surgiu este híbrido chamado influenciador digital.
A mídia especializada tem a missão de trazer informação apurada sobre o tema (este blog tenta fazer isso). Os profissionais frequentam encontros com enólogos, feiras, avaliações, entrevistam produtores, especialistas, avaliam vinhos, visitam vinícolas. E escrevem sobre o que viram, provaram e fazem reportagens, entrevistas e relatos que enriquecem o conhecimento da bebida. A plataforma pouco importa: digital ou impresso. Revistas, Blogs, Sites, Guias, Livros convivem e são acessados em vários suportes. A publicidade e a circulação (ou acesso pago) sustentam o negócio. A opinião, em tese, deveria ser independente. O esforço do produtor de conteúdo é conquistar a atenção da audiência com informação relevante e útil. São chamados de formadores de opinião.
Os formadores de opinião, os amigos na rede
social e os influenciadores: várias visões
Para a parcela mais digitalizada dos apreciadores de vinho, o formador de opinião mudou. É plural, resultado do volume de avaliações compartilhadas entre os amigos, entre outros consumidores, sem intermediação de especialistas, sem uma contrapartida comercial. Atuam em redes sociais de nicho, nas redes sociais abertas e são atentos comentaristas das publicações oficiais. Até aqui, o conceito é uma conquista da democratização da informação que as plataformas digitais promoveram.
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Para parte destes ativistas de baco o termo “formador de opinião” é altamente discutível. A era da influência dos Robert Parkers da vida- e seus similares nacionais – está acabando. O formador de opinião, para o público mais xiita das redes sociais, seria apenas um gaiato que bebe de graça para falar bem de um produto. Esta desconfiança generalizada do profissional, do especialista, das instituições, e tudo que não tem como origem a rede social, é um subproduto nefasto do populismo digital, ampliando seus tentáculos a todas as áreas.
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O influenciador digital é outro bicho. É cria direta da plataforma digital. Ele necessariamente não é um conhecedor do assunto, mas um personagem capaz de aglutinar seguidores e fazer uma mensagem ser compartilhada e comentada pela rede de forma exponencial. Pode ser uma celebridade que usa sua imagem para divulgar um produto ou um nativo digital que acumulou seguidores usando os algoritmos de atenção da rede a seu favor. O que diferencia o influenciador digital é que ele compreendeu melhor a dinâmica da sociedade de atenção e sabe tirar proveito (e muita grana) deste ecossistema. Quanto à qualidade do conteúdo é muito discutível. No geral a mensagem é curta, direta, sem profundidade. Ela chega através de stories, vídeos curtos, posts patrocinados. Na maioria das vezes é uma publicidade com roupagem de experiência pessoal. O resultado é imediato. O que importa é o volume de interações. Mas tem muito gente que se informa assim. E nada impede, vamos combinar, que um especialista alcance um nível de seguidores que consumam conteúdo mais inteligente e relevante em um formato diferente.
Uma taça meio cheia e meio vazia
Há quem lamente a informação rasa dos influenciadores, a ira desmedida da rede social. Outros enxergam neste formato uma oportunidade de alcançar um público que não era impactado pelas mídias especializadas. De todos os desafios que o mundo atual da comunicação nos apresenta, a única certeza que temos é que as informações chegam de todos os lados, em todos os formatos.
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O consumidor tem à disposição a informação e curadoria dos especialistas, a indicação dos amigos e as mensagens efêmeras dos influenciadores. Ele tem o poder de escolher onde se informar. E de avaliar se esta informação foi útil ou relevante. O filtro é o cidadão.
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Internet das coisas, Inteligência Artificial
E com tanta informação como ficam as marcas de vinho? Como os consumidores vão se lembrar delas no futuro, daqui dez anos?
Ouso arriscar que a internet das coisas e a inteligência artificial, com a coleta e análise de dados do consumidor, vão ser determinantes. Exemplos possíveis:
- sua adega vai te lembrar que precisa repor garrafas de vinho (e recomendar as marcas mais consumidas por você);
- o livro de receitas virtual vai sugerir harmonizações para o prato que irá executar;
- as lojas usarão sensores para reconhecer os clientes e oferecer um vinho quando este estiver passando em frente às prateleiras
- e-commerces vão ser mais assertivos em ofertas individuais
- a TV interativa vai permitir comprar um vinho que aparece num filme
- consultores on-line poderão responder dúvidas por vídeo.
Mesmo assim, marcas continuarão disputando espaços e os consumidores buscarão a melhor informação para completar sua adega e conhecer mais sobre vinho em todas as plataformas.
E se mesmo assim você não lembrar daquele rótulo… Bom, sempre tem o Google (ou o que vier no seu lugar).
Parabéns Beto. Excelente artigo.
Grazie, Didu. Receber um elogio do Didu, um dos influenciadores mais ativos do mundo do vinho, é o tipo de coisa que me faz não desistir de escrever aqui de vez em quando. Quem estiver atrás de boa informação com bom humor e acima de tudo sincera sobre vinho acesse http://www.didu.com.br.
Beto Gerosa