O chefe te chamou para uma conversa reservada. Sexta-feira, final da tarde. Coisa boa com certeza não é. A secretária da diretoria acompanha sua caminhada com um olhar entre o piedoso e de escárnio. Os colegas fixam os olhos na tela do computador, simulando trabalho. Você fecha a porta da saleta de reunião que não cabe mais de duas pessoas. As ferramentas de mensagens instantâneas apitam nos celulares do escritório numa sinfonia de alertas. Polegares nervosos começam a perscrutar a situação. O chefe, ao contrário do costume, nem pede café. Vai direto ao assunto. Coloca a mão em seu ombro, o semblante contrito, a voz firme anuncia: “Infelizmente não vamos mais poder contar com o seu talento nos quadros da empresa”. Traduzindo: você foi demitido. O bordão do Trump “You are fired!” colou na tua aba. Ele virou presidente dos Estados Unidos com a frase, você uma estatística de desemprego do Caged no Brasil.
Mas há razões para comemorar? Claro que sim. É um novo ciclo na sua vida! Quem sabe o empurrão que faltava para mudar de carreira! É uma ótima ocasião para brindar com um bom vinho. Um descarrego! Bom, talvez nem para todos, dependendo da situação, talvez beber seja um auxilio para superar e ultrapassar esta fase. Mas para tudo há uma solução. Estudos mostram que o brasileiro demora em torno de 14 meses para encontrar um novo emprego.
Pensando em você, meu amigo, minha amiga, meus amigxs, o Blog do Vinho – com uma carinha revigorada, um novo logotipo e melhor adaptado ao acesso pelos celulares (reparou?) -, preparou esta lista de tintos, brancos, espumantes e fortificados que podem combinar com o seu momento de vida. A lista tem aquele viés de autoajuda, uma espécie de álcool-ajuda. Veja se você se encaixa e bora lá comemorar, ou afogar as mágoas. Importante é cair de pé! E brindar!
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1. Para quem recebeu aviso prévio, multa do FGTS e todos os direitos
Vamos lá, você tem motivos para comemorar. As novas regras da CLT não te pegaram de calça curta. Em pleno ano de 2018 receber toda esta grana vai te dar fôlego e inspiração. Passa na adega ou supermercado, compra um tinto mais bacana, um bom espumante nacional e bota pra gelar.
130 Valduga Brut
Uvas: chardonnay e pinot noir
Produtor: Casa Valduga
Região: Vale dos Vinhedos, Rio Grande do Sul
Preço médio: R$ 80,00
Toda celebração no mundo dos vinhos começa com um “pow” da rolha liberando as bolhinhas do espumante. Os mais profissionais são mais discretos no espoucar, e mais espertos, não desperdiçam o importante CO2 que faz a graça da bebida! O 130 Valduga é elaborado com as uvas chardonnay e pinot noir pelo método champenoise (ou tradicional), aquele que a segunda fermentação acontece na garrafa. Espumante fino, elegante, cremoso, com volume em boca e aquele aroma de fila de espera de padaria, um tanto de frutas secas no final.
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El Enemigo Syrah Viognier
Uvas: syrah 93% e viognier 7%
Produtor: El Enemigo
Região: Mendoza, Argentina
Preço médio: R$: 160,00 na importadora Mistral
Em um momento desses, um vinho com este nome é no mínimo cheio de significado, né não? Pra brindar a demissão, deguste o El Enemigo. Você elege o personagem e ainda desfruta de um vinhaço do Alexandro Vigil que também ocupa a função de enólogo chefe da Catena Zapata. Sentiu o drama? Não contente em produzir a nata dos rótulos argentinos o sujeito, um boa praça, desenvolveu um projeto pessoal que é a tradução do seu conceito de terroir. A uva tinta syrah é condimentada com uma porcentagem de uva branca, a viognier, e o resultado é um caldo com nervo, acidez, muita fruta e a especiaria aguardada da syrah. Um vinho que sempre escolho nas cartas dos restaurantes.
2. Para quem foi demitido, recebeu seus direitos, e já tem uma nova oferta de emprego
O cenário ideal, não? Teus planos deram certo. Recebeu seus direitos e já vai engatar um novo desafio. O dinheiro vai para a Fundação Você Mesmo. Dá até para montar uma sequência de um bom espumante italiano, um branco português e um tinto chileno de responsa.
Ferrari Maximum Brut
Uva: 100% chardonnay
Produtor: Ferrari
Região: Trentino- Alto Édige, Itália
Preço médio: R$ 220,00 na importadora Decanter
Como iniciamos a seleção no universo dos trocadilhos, um Ferrari rende aquela selfie agarrada no rótulo, com a legenda “mudei de equipe e agora faço parte da Ferrari”. Bobo, mas e daí, você está comemorando mesmo. Toda a linha Ferrari é excepcional. E na real não tem qualquer relação com a marca Ferrari que você está pensando. São produzidos no extremo norte da Itália, na região do Trentino-Alto Édige, um lugar mais com cara e clima de Áustria. A elaboração, o cuidado, os aromas e evolução na garrafa (36 meses em contato com as leveduras), enfim, todo o arcabouço das bolhas lembram um champagne. E é só o começo.
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Ribeiro Santo Encruzado Reserva
Uva: encruzado
Produtor: Carlos Lucas
Região: Dão, Portugal
Preço médio: R$ 120,00 Importadora Winebrands
Pupilas gustativas devidamente abertas, passe para um rótulo da principal uva branca da região do Dão, o encruzado. É um vinho fresco na boca, com alguma coisa cítrica e muita mineralidade (eita, lá vem o cara lambendo pedra!). Mude o termo para um vinho de caráter mais puro, com acidez. O Carlos Lucas é um craque do encruzado, mostra o que sabe da linha mais simples aos caldos mais sofisticados. Para dar sorte no novo emprego, uma dose para o Santo do próprio Santo.
Manso de Velasco
Uva: cabernet sauvignon
Produtor: Miguel Torres
Região: Curicó, Chile
Preço médio: R$ 320,00 Importadora DeVinum
Para finalizar sua celebração, um clássico cabernet sauvignon chileno, nem sempre lembrado entre os grandes tintos deste país que domina a importação de vinhos no Brasil. Miguel Torres foi um dos primeiros investidores estrangeiros no Chile, em 1979 (Miguel Torres é sinônimo de vinho de qualidade na Espanha) e curiosamente instalou-se numa região menos cult: o Vale do Curicó. O Manso de Velasco é um bravo, alia potência da uva com elegância dos taninos; no final revela a (boa) ação da madeira (fica ali 18 meses) e mantém seus sabores por longos segundos na boca. No mundo dos vinhos com alta graduação alcoólica, trava em 12,5.
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3. Para quem tinha um contrato de retenção e vai receber dois anos de salário sem trabalhar
Negociou bem pacas! Ano sabático! Confesso, estou com inveja. Que tal uma comemoração francesa, com um intruso lusitano? O brinde merece começar com um belo champagne, seguido por um Chablis estalando de frescor, um Rhone elegante, de arrebentar a festa e, para finalizar, um Tawny de 10 anos para acompanhar o charuto ou mesmo apenas os pensamentos, os planos do futuro dourado.
Drapier Brut Nature Zero Dosage
Uva: 100% pinot noir
Produtor: Maison Drappier
Região: Champagne, França
Preço médio: R$ 430,00 Importado pela Zahil
Com o diz o ditado de um gourmet francês do século XVII, Brillar-Savarin: “Borgonha faz com que você pense em bobagens; Bordeaux faz com que você fale sobre elas, e champanhe faz com que você as cometa”. Comece a cometer bobagens com um champagne de classe, mais encorpado, com zero dosagem de açúcar. Na boca ele é mais seco, direto, imponente. As borbulhas vão rolar!
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Chablis “Les Chanoines” 2015
Uva: Chardonnay
Região: Chablis, Borgonha, França
Produtor: Domaine Laroche
Preço médio: R$ 220,00, importado pela World Wine
A região de Chablis, na Borgonha, é onde a uva chardonnay expressa com mais intensidade seu caráter de elegância, versus a opulência que a uva carrega em outras regiões do mundo. “Nós não fazemos chardonnay, nós fazemos Chablis”, define Christophe Cardona, diretor de exportação da La Chablisienne, a cooperativa que representa cerca de 25% dos produtores da apelação de Chablis. Este La Roche Les Chanoines não passa por madeira, mas os seis meses de contato com as leveduras dão mais volume ao chardonnay. O que conta mesmo num Chablis é a mineralidade, que muitos julgam ser resultado do solo de calcário-argiloso, e aquela acidez de final de boca que provoca um ahhh meio de anúncio de pasta de dente no final. Aqui tem tudo isso.
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Delas Frères Saint-Joseph – Sainte-Épine
Uva: 100% syrah
Produtor: Delas Frères
Região: Rhone Nord, França
Preço médio: R$: 300,00 (na promoção) importado pela Grand Cru
O passeio pela França continua pela região do Rhone Nord, onde a syrah reina absoluta. O Rhone é menos conhecido que Bordeaux e Borgonha, o Fla X Flu do vinho francês, mas tem um tempero próprio que merece estar numa lista de celebração. Este Delas Sainte-Épine é um tinto classudo, com muitas especiarias, final longo, delicioso e gastronômico.
Tawny 10 anos Vallado
Uvas: tinta amarela, touriga franca, touriga nacional e outras
Produtor: Quinta do Vallado
Região: Douro, Portugal
Preço médio: R$: 240,00 importado pela PPS vinhos
Para fechar a celebração, um Tawny de 10 anos com jeitão de mais velho e todos aqueles aromas etéreos de doce de laranja, frutas secas, mel, que o nariz fica namorando no final da taça. Tawny é o tipo de vinho do Porto para fruir o momento, bebericar ao poucos e pensar em projetos, mais um gole, e repensar o futuro, mais gole, pensar na vida, noite adentro.
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4. Para quem foi demitido, recebeu seus direitos, e sua especialidade está desaparecendo do mercado de trabalho
Vamos lá, keep walking (é jargão de uísque, mas tá valendo). Quem sabe você não descobre um novo caminho profissional? Tempo de arriscar novas experiências, regiões desconhecidas, uvas inusitadas.
Clous des Fous Cauquenina
Uvas: touriga nacional, carignan, país, syrah, carmenère, malbec
Produtor: Clos des Fous
Região: Valle del Itata e Valle del Maule, Chile
Preço médio: R$ 250,00, importado pela World Wine
É tempo de mudar de rumo? Dar uma pirada? Nada melhor que saborear um vinho de loucos, significado de Clos des Fous, uma iniciativa de quatro sócios que queriam romper com o padrão de vinhos comerciais chilenos e apresentar misturas (blends) inusitadas de terroirs de zonas extremas do país, pouco utilizadas, e que revelassem a essência de cada lugar. São vinhos cheio de personalidade, que surpreendem no sabor, como esta salada de uva que junta cepas típicas do chile: a nativa pais, a porta-estandarte carmenère, às deliciosas e marcantes carignam e syrah, uma pitada da portuguesa touriga nacional e doses da malbec que não é exclusiva da Argentina e tem um perfil menos potente por aqui. Em algumas safras, adiciona-se ainda a pinot noir. Verdadeira alquimia, tem corpo médio na boca, frescor, aquelas frutas vermelhas de sempre, cheio de nuances. Arrisque-se, é a hora.
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5. Para quem foi demitido e não tem muito a receber de indenização
A média de permanência no ultimo emprego da massa de desempregados no país foi de 2 anos e 9 meses (ops, me identifiquei!), se você alcançou este tempo, garantiu um pé de meia. Se ficou menos tempo, terá de controlar mais os gastos. Vamos enfrentar esta situação então gerando emprego no país. Os tintos nacionais há muito tempo mostram qualidade e evolução. A indicação abaixo é quase um kinder ovo do vinho nacional, sua localização é sempre uma surpresinha para quem não acompanha as novas fronteiras vinícolas brasileiras
Vale da Pedra
Uva: syrah
Produtor: Vinícola Guaspari
Região: Espírito Santo do Pinhal, São Paulo
Preço médio: R$ 80,00
O estado de São Paulo e as regiões de Minas Gerais e Espírito Santo produzem já há alguns anos tintos e brancos surpreendentes. Fruto de uma inovação no método de cultivo conhecido como dupla poda, onde o corte das parreiras dá um drible no ciclo das vinhas, resulta em colheitas nos meses de julho a agosto, com menos chuvas e maior diferença térmica entre o dia e a noite (isso é bom para o desenvolvimento saudável da uva). A Guaspari começou lá em cima com rótulos de alto nível (Vista do Chá e Vista da Serra), e conquistou críticos, apreciadores e céticos. Lançou depois este Vinha da Pedra, uma linha logo abaixo, nem por isso menos saboroso, com fruta integrada ao álcool, um aroma que persiste e bastante fácil para acompanhar a comida. Veja se consegue sacar um estilo “chocolate com pimenta” no nariz e na boca. Cai bem também numa entrevista de emprego mostrar que conhece novas fronteiras do vinho nacional e que é aberto a novidades.
6. Para quem foi demitido, está cheio de dívidas e o(a) companheiro(a) pediu separação e pensão
Raios e trovões! Tempestade perfeita! Você precisa de um carinho alcoólico, mas sem exageros. Para enfrentar esta barra e ainda por cima não gastar muito temos uma sugestão que é um blockbuster de qualidade (já pensou o(a) companheiro(a) encontrar uma garrafa vazia de um rótulo caro nesta situação? A pensão vai subir). Mas tudo vale a pena quando a alma não é pequena, ensina o poeta Fernando Pessoa. E vale a pena aqui também desarolhar um tinto de altíssimo volume de produção e qualidade garantida.
Cassilero del Diablo
Uva: cabernet sauvignon
Produtor: Concha y Toro
Região: Maipo, Chile
R$ 49,00
Na casa do senhor, não existe Satanás, mas na morada do desempregado pode conviver o coisa ruim. O Casillero del Diablo, que estampa o belzebu, é outro vinho repleto de significado para este momento. Mais do que isso, é um tinto que apresenta uma continuidade e padrão de qualidade difícil de encontrar em rótulos de grandes volumes (3 milhões de caixas vendidas pelo planeta!). O chamado vinho sem erro do dia a dia, de preço acessível, fácil de encontrar (o que menos você precisa neste momento é complicar sua vida, né?), prazeroso de beber, com o DNA do cabernet sauvignon chileno. Um fruta gostosa (groselha), com um toque doce e madeira: quase uma groselha vitaminada Milani com álcool, quem é da minha geração vai reconhecer…
7. Para quem foi demitido, está endividado e a sogra foi morar em casa
Rapaz… Quem sabe até você é alérgico a gatos e a megera trouxe o satã na mala… Não é politicamente correto isso, mas acho que você precisa beber para esquecer. Quem sabe você acorda no outro dia e o gato teve um treco bebendo o resto do vinho que sobrou no copo? É um começo de virada… Há um rótulo produzido na França que, acho, expressa beeem este momento.: o Le Vin de Merde! Autoexplicativo, não?
Le Vin de Merde
Uvas (não declaradas)
Região: Languedoc, França
Preço médio: algo em torno de 25 reais na França
Viticultores da região do Languedoc – que têm a (injusta) fama de produzir vinhos ruins – fizeram da troça uma jogada de marketing e lançaram uma linha de tinto, branco, rosé e espumante com um nome no mínimo curioso: Le Vin de Merde. Foi um sucesso. Para caprichar, uma vistosa mosca é exibida no canto do rótulo. Na Europa é baratinho: 7 euros. Importadores, acho que é um vinho ideal para este momento do país,. #Ficaadica.
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