A vida não está fácil para ninguém. O novo coronavírus mudou a rotina de todos nós e, claro, afetou os negócios no vinho. A gente lê sobre aumento de vendas online, as pessoas participando de lives com produtores e mudando hábitos de consumo. Mas qual é o real impacto destas mudanças no negócio do vinho, em especial do vinho nacional? Para tentar responder esta questão, o Blog do Vinho foi ouvir alguns produtores brasileiros para saber como eles estão enfrentando o problema, qual o legado desta crise e o que esperar da safra de 2020. Falaram ao blog tradicionais vinícolas do Sul do país como a Aurora, Miolo e a Salton e pequenas empresas, como a Dunamis, e a Casa Verrone (esta da Serra da Mantiqueira, São Paulo).
“O vinhedo não pode parar”
No campo, na adega e na logística do negócio o novo coronavírus exigiu medidas imediatas de contenção de risco mas mantendo a continuidade do negócio. “O vinhedo não pode parar. Trabalhamos com medidas restritivas ao máximo possível mas a uva precisava ser colhida, o vinho precisava ser elaborado”, relata o enólogo da Dunamis, Vinicius Cercato. Luciana Salton diretora executiva da Vinícola Salton, comenta a estratégia da empresa. “Não podíamos correr o risco de entrar em colapso. Não interrompemos o funcionamento da fábrica, sob risco de perder 100% da safra recém-colhida. Adotamos uma série de medidas de prevenção sanitária, isolamento social etc., seguindo rigorosamente as recomendações da OMS e ministério da Saúde.” Na Miolo a safra 2020 terminou dias antes das medidas de distanciamento social serem adotadas. Na área de produção também foram adotadas todas as medidas cabíveis para a prevenção.
Problemas de transporte, logística e insumos foram relatados pela Dunamis, Aurora e Casa Verrone. A oferta de transporte ficou comprometida o que impactou no prazo de entregas. Matérias-primas importadas também ficaram mais escassas e para completar a alta do dólar também impactou no custo e preço de venda.
A Casa Verrone ficou parada duas semanas na sua operação de distribuição. “Nesse momento, no entanto, estamos iniciando os trabalhos a fim de repor o que foi vendido”, diz Márcio Verrone, proprietário da Casa que leva seu nome.
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A Aurora paralisou a produção industrial por cerca de 20 dias e optou por liberar seus funcionários da administração e da força de vendas para trabalho em home office, já que grande parte dos clientes só atende por meio digital. “Outra dificuldade foi o fato de que muitos clientes passaram a trabalhar com estoque zero, o que trouxe uma redução significativa na comercialização”, reconhece o diretor superintendente da Aurora Hermínio Ficagna.
“Nos restaurantes a queda foi total”
Para as empresas que dependem mais das vendas em bares, restaurantes, hotéis e lojas a queda foi mais abrupta. “No canal restaurantes a queda foi total”, contabiliza Vinícius Cercato. “Muitos varejistas, no entanto, sustentaram vendas positivas, porém, sem acréscimos substanciais”, avalia Luciana Salton.
A Aurora registrou em um primeiro momento, em março, um aumento no consumo quando aconteceu uma corrida dos consumidores para as redes de supermercados para a compra de alimentos e bebidas. Mas… “Em abril percebeu-se o efeito contrário, uma diminuição considerável em consumo de vinhos por conta dos decretos estaduais e municipais que fecharam o comércio, restaurantes, bares”, informa Hermínio Ficagna.
O enoturismo, outra fonte de renda para as vinícolas, obviamente foi interrompido em todas as empresas e não tem data de retorno. A Enoteca da Salton, que funciona no bairro do Pacaembu, em São Pulo, adotou uma estratégia de delivery e drive thru (o cliente faz o pedido por telefone e pega as garrafas em frente à loja loja sem sair do carro).
“O e-commerce nunca foi tão essencial”
Se a venda presencial foi interrompida pelo isolamento social a alternativa online possibilitou uma série de ações que, se não recuperaram o total de vendas, pelo menos mitigaram um pouco as perdas e consolidaram a experiência digital das empresas. O que antes era uma tendência se transformou num braço importante do negócio. “O e-commerce nunca foi tão essencial como neste momento”, define Hermínio Ficagna, diretor superintende da Aurora. Porém, faz uma ressalva: “Não podemos ignorar que a manutenção do relacionamento e a afinidade construída ao longo da história com os clientes será o grande diferencial para as empresas.”
Na Miolo houve aumento de 52% das vendas online em relação ao mesmo período do ano passado. Hoje, as vendas online não chegam a 2% do faturamento da marca. Em cinco anos, o objetivo é chegar a 10% “Acreditamos que o momento está levando as pessoas a adotarem novas medidas e esta experiência de compra e consumo tende a aumentar”, acredita o enólogo Adriano Miolo, diretor superintendente da Miolo. “Nossa estratégia foi oferecer a todas as vendas acima de R$ 299 frete grátis para qualquer lugar do Brasil”, complementa.
Na Dunamis o foco foi o atendimento via WhatsApp (a ferramenta queridinha dos brasileiros) com descontos maiores e frete grátis a partir de determinado volume. Outra alternativa foi o uso de canais online de parceiros. “Um bom exemplo são as lives e outras ativações digitais que realizamos com a Brindisi Vinhos, de São Paulo”, comenta Vinicius Cercato. A Aurora também experimenta o uso de lives em seu canal de Instagram @vinicolaaurora para se aproximar do consumidor, dar dicas de hamonização e apresentar seu produtos.
“Segundo semestre positivo”
Em linhas gerais a expectativa é otimista. Uma visão estruturada de futuro mostra o amadurecimento do setor. “Acreditamos em um segundo semestre positivo, pela possível retração nas importações (devido a alta do dólar) e maior valorização do produto brasileiro”, aposta Luciana Salton. “Estamos esperando que, após a quarentena, o desejo de compra represado seja atendido o mais rápido possível. Temos condições de fazer isso, estoques, logística, equipe de venda”, prevê Marcio Verrone.
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Para Ficagana, passado o período mais agudo dessa crise, as empresas devem repensar suas estratégias de marketing, criando uma nova realidade na estrutura de distribuição, seja por conta própria ou em parceria com seus clientes, além de consolidar a marca e desenvolver novos produtos, dada a mudança de comportamento, hábito e perfil do consumidor. “Não podemos perder de vista a necessidade de rever o portfólio dos produtos”, complementa.
Navegando um pouco contra esta corrente poliana, Vinicius Cercato coloca uma cunha na porta da esperança: “Não existe nenhuma perspectiva ainda sobre retorno 100%. O consumo vai ser afetado de maneira irreversível pelo menos no ano de 2020. Acredito que o cenário deva voltar a ser mais animador a partir do final do ano ou ainda em meados de 2021.”
“Precisamos ser criativos e estratégicos”
Não é a primeira crise que passa o setor do vinho. Se o mundo ou a forma de relacionamento entre as pessoas e os negócios vão mudar muito ou pouco ainda é uma incógnita. Para Luciana Salton tudo está sempre em movimento, ou seja, crises como essa deixam cicatrizes, mas também ensinamentos. “O que for legítimo e tiver conteúdo pode ficar, o resto deve ser repensado. Empresas e pessoas vão dar mais valor ao dinheiro e ao tempo que investem”.
Para a Aurora o mundo não será mais o mesmo. Os hábitos irão mudar. Hoje, com o isolamento social as lives tomaram conta e com certeza deverão se manter no pós crise. “Crescerá o processo de reconfiguração dos hábitos durante e pós coronavírus, seja pela aceleração de uso da conveniência como pela facilidade e intimidade do e-commerce, em especial”, avalia Ficagna.
“Esta experiência nos mostra o quanto precisamos ser criativos e estratégicos. Temos um novo cenário que está mudando o comportamento do consumidor e precisamos nos adequar a esta realidade”, racionaliza Adriano Miolo. “O mercado nunca vai parar. Mas a melhor experiência, acreditamos, ainda é conhecer o produto em sua origem, abrir cada garrafa e degustar cada vinho vivendo uma experiência. Vinho é um produto cultural, vai muito além da taça.”
Para Marcio Verrone “o maior legado deixado é que as pessoas tiveram que ficar mais tempo juntas, se conhecer melhor, viver mais intensamente as coisas simples. Espero que isso fique em nossa memória por muito tempo.”
Vinicius Cercato lembra que o vinho já passou por pandemias, guerras, ditaduras, crises econômicas e sua elaboração continua a mesma e que o consumidor vai continuar consumindo da mesma forma, mas que haverá uma diminuição da relação analógica e uma troca pela digital.
As safras que estão aí
Bom, estamos compartilhando opiniões de produtores de vinho, correto? E o que eles têm a oferecer para curar nossas chagas, reanimar nosso ânimo e nos ajudar a enfrentar este período é o vinho. Pedi uma análise das safras atuais que estão à venda e a perspectiva para a safra de 2020. A boa notícia. Os anos 2018 e 2020, de ciclos secos, prometem bons goles.
Safra 2018, 2019
Para a Casa Verrone, 2018 foi a melhor safra de todos os tempos. “A qualidade foi atingida devido a um ano onde as chuvas, temperaturas e o terroir se uniram para um único só objetivo, o de melhor produção. Os consumidores podem esperar por um produto, com certeza, superior.”
- Site oficial dos vinhos da Casa Verrone
Para a Dunamis, a safra de 2018 foi tão grandiosa quanto a de 2020. “Vinhos encorpados e com personalidade forte. Alto potencial de guarda. É uma safra espetacular e histórica, o consumidor pode esperar vinhos de excelente qualidade e de padrão internacional.”
- Site oficial dos vinhos da Dunamis
Na Aurora com rótulos que atendem a todos os tipos de consumidor, como as linhas Reserva (eu adoro Pequenas Partilhas) e Varietal como as Marcus James e Saint Germain, a maior parte dos vinhos brancos comercializados neste momento são os da safra 2019. “Quanto à safra de 2018 podemos afirmar que foi muito boa em termos de qualidade, com vinhos de boa expressão varietal e qualidade geral. A colheita de 2019 também foi boa, o que possibilitou a manutenção da qualidade de nossos vinhos e derivados.”
- Site oficial dos vinhos da Aurora
A Miolo já havia consagrado a safra de 2018 como de excelente qualidade e reuniu seus rótulos ícones em torno de uma série de nome marqueteiro: The 2018’s Seven Legendaries of Miolo. São eles Miolo Terroir (Miolo – Vale dos Vinhedos); Testardi Syrah (Terranova – Vale do São Francisco); Quinta do Seilval Cabernet Sauvignon (Seival – Campanha Meridional); Miolo Lote 43 (Miolo – Vale dos Vinhedos); Quinta do Seival Castas Portuguesas (Seival – Campanha Meridional); Sesmarias (Seival – Campanha Meridional); Vinhas Velhas Tannat (Almadén – Campanha Central). “Nossos grandes vinhos que estão chegando ao mercado agora são da Safra 2018. São vinhos nobres, de guarda, que carregam particularidades de cada terroir. São únicos”, comenta Adriano Miolo.
A supersafra de 2020, a safra coronavírus
2020 apresentou um clima perfeito para a viticultura em todas as regiões do Rio Grande do Sul. A maturação e a sanidade da uva vão favorecer muito a qualidade dos produtos. Esta avaliação é unanimidade entre os produtores entrevistados, que listaram os fatores de sucesso da vindima:
- baixa umidade que favoreceu a sanidade dos vinhedos;
- baixa precipitação no período de maturação, o que propiciou a colheita no estágio perfeito para se elaborar produtos excepcionais;
- maturação em clima seco com precipitações controladas;
- retenção menor de água vegetal na fruta devido à seca aumentando o teor de açúcar natural da uva.
Isso tudo junto e misturado gera todas as condições necessárias para amadurecimento total da uva em termos de açúcar e polifenóis.
Salton 2020, por Luciana Salton
“Podemos dizer que o Tannat e o Marselan superaram as melhores expectativas. Algumas variedades para base espumante também impressionaram.”
“Acreditamos que alguns poucos produtos de elaboração mais jovem, como a linha Intenso, possam ser provadas no segundo semestre deste ano.”
- Site oficial dos vinhos Salton
Dunamis 2020, por Vinícius Cercato
“Dentro de no máximo dois anos, a safra 2020 estará a plena taça para o consumidor. Na Dunamis, trabalhamos tanto no vinhedo que ‘domamos’ o clima e podemos afirmar que as safras de 2018, 2019, 2020, foram espetaculares a níveis muito parecidos, que gera também conforto para dizer que a campanha gaúcha tem se destacado cada vez mais como referência na elaboração de vinhos premium.”
Aurora 2020, por Hermínio Ficagna
“A safra 2020 está “entre as melhores das últimas décadas. O consumidor pode esperar por produtos excelentes, em especial por ótimos vinhos de guarda e espumantes ainda mais elegantes.”
“A expectativa de comercialização para os vinhos desta safra é para brancos em 2020 e 2021. Já para os tintos das linhas intermediárias Marcus James e Saint Germain em 2020, 2021 e 2022 e, para os tintos das linhas Reserva e Varietal em 2021 e 2022.”
Miolo 2020
“A Safra 2020, realizada de janeiro a março nas três unidades da Miolo instaladas no Rio Grande do Sul, foi vibrante e intensa, repetindo a qualidade de 2018. O Vale dos Vinhedos superou a performance consagrando a safra deste ano como a melhor da história.”
“A qualidade foi tão boa que já confirmamos o lançamento da 2ª edição dos Sete Lendários, conforme estamos fazendo em relação a Safra 2018. “
“O primeiro vinho da Safra 2020 já pode ser provado. Lançamos para a Páscoa dentro de um novo conceito – Miolo Wild Gamay – sem SO2, com leveduras selvagens e 100% vegano.”
“Os grandes vinhos da safra de 2020 chegarão em 2022.”
- Site Oficial da Miolo
Verrone 2020, por Márcio Verrone
“Nosso sistema de produção aqui na Casa Verrone só acontece no inverno. Sendo assim, ainda não podemos dizer como será. Atrasamos a poda de janeiro para evitar problemas com as chuvas, o que foi uma decisão muito acertada. Fevereiro foi um mês de muitas chuvas e torrenciais, poderiam ter prejudicado na produção. Como atrasamos, até o momento, estamos muito felizes com o resultado. O florescimento e as primeiras bagas estão bem sadias. Promete um bom ano também.”
Uma proposta: fique em casa e beba vinho nacional
Uma das campanhas que surgiram como forma de mitigar os efeitos do distanciamento social na economia foi a da compra local. Privilegiar a loja do bairro, a quitanda, a farmácia na esquina é uma forma de garantir a renda dos pequenos negócios. Uma campanha incentivando o consumo do vinho brasileiro pode ser mais um empurrão para os produtores locais superar este momento. Ou como diz Luciana Salton, “as pessoas estão com mais tempo para investigar sobre o que gostam e procurar entender mais sobre o assunto. Ou seja, é uma boa oportunidade para provar ótimos vinhos brasileiros” Para Marcio Verrone “O vinho nacional melhorou bastante de qualidade. Como consequência, hoje temos mais pessoas apoiando o vinho brasileiro”.
Este blog tem uma proposta. Em tempos de novo coronavírus fique em casa e prestigie o produto local, beba vinho nacional. Pode ser de uma vinícola conhecida ou de produtores artesanais. Escolha um rótulo brasileiro para comprar, conhecer e beber. Longe de ser uma proposta nacionalista ou ufanista (o nacionalismo e o ufanismo são parceiros da mediocridade, veja o exemplo do governo atual), trata-se de uma oportunidade de ajudar o mercado interno a girar a roda e de experimentar novos sabores, explorar regiões desconhecidas, checar as safras atuais. Mas do que isso, é uma prazerosa maneira de quebrar velhos preconceitos.
#Fiqueemcasa #BebaVinhoNacional
Temos bons vinhos nacionais mas são MUITO caros quando se compara com vinhos da mesma qualidade e superior importados. As vinícolas brasileiras precisam trabalhar na redução do preço os vinhos nacionais chegam ao consumidor.
Infelizmente os impostos sobre o vinho não ajudam em nada, principalmente se tratando de vinho nacional.
Tendo em conta a queda dos restaurantes fase à pandemia, acha que o setor vinícola pode ser dos mais afetados também?
Cumprimentos,
Douro wines