Lojas com rótulos naturais e de pequenos produtores; bares de vinho descontraídos com uma oferta variada de preços; produtores desconhecidos e rótulos diferenciados; um consumidor mais jovem, consciente e curioso. Uma onda de renovação, pequena, mas consistente, vem sacudindo o mercado de Baco. Como qualquer mercadoria (é, queridos…,apesar de toda literatura, vinho é uma mercadoria), existem públicos diversos e demandas novas. Marcelo Spolidoro, à frente da loja on-line Mapati Vinhos, sacou esta tendência e estabeleceu sua missão: “Incentivar a descoberta de novos sabores, sair do óbvio e descobrir que há um mundo inteiro a ser degustado.”
O que tem na caixa?
A Mapati Vinhos tanto vende rótulos avulsos em sua prateleira virtual como oferece caixas mensais temáticas. Pode ser um tipo de uva, uma região, uma data comemorativa. A caixa é composta de dois rótulos, uma receita para combinar com os vinhos e algum presente que converse com o tema escolhido. No Carnaval, por exemplo, foram enviados, junto com as garrafas, copos normais para mostrar que importante é beber vinho, não importa o tipo de suporte. Em outra caixa temática, a protagonistas foi a uva branca trebbiano, de pequenos produtores. Era acompanhada de fichas técnicas com uma linguagem leve e descontraída, uma receita que combinava com os vinhos, uma tábua e um queijo. Um rótulo era brasileiro, Inquilino: uma edição especial de 350 garrafas de trebbiano envelhecidos em barricas francesas, final intenso, marcante, trabalho de dois vinicultores artesanais da Serra Gaúcha, Inquilino & Cão Perdigueiro. Outro italiano, Gigi Bianco: da região da Toscana, da Fattorie Parri, que elabora um trebbiano com características daqueles feitos há 70 anos, um estilo que se perdeu com mundo moderno. Descobertas. Novos Sabores. Mundo a ser degustado.
Com um olho no gosto deste consumidor jovem, outro na divulgação de produtores artesanais e exclusivos e a cabeça centrada na viabilidade econômica do negócio, Spolidoro montou seu catálogo de vinhos. Começa com ofertas de rótulos em faixas de até 75 reais, como o brasileiro Faces, da Lidio Carraro (R$ 55,00), que compõe o mix de maior volume e menor preço, passando pelas faixas de até 120 reais (Gammay Noveau Capoani, R$ 89,00), até 200 reais (Isso Não é um Traminer, Outro Vinho, R$ 147,00) e até 300 reais (Metamorphika Macabeu Laranja, R$ 269,00). Uma classe mais exclusiva, indentificada como vinhos da mala, fruto de suas descobertas pessoas, atingem valores mais altos, como o tinto da região francesa do Loire, Julien Pineau VDF Rouge Sucettes a L’aunis 2020, R$ 350,00). Acesse aqui a lista completa do catálogo
Quem, o quê, como, quanto?
Mas quem é este novo consumidor? O que ele bebe? Por quê? Marcelo Spolidoro está aprendendo a entender seu público. E dá a ficha:
– São jovens (quer dizer, o status de jovem alargado de nosso tempo) de 30 a 45 anos que gostam de vinho, mas não entendem nem são estudiosos do assunto.
. Curtem rótulos orgânicos. Se importam com a origem do produto e do produtor. Fazem parte da turma que pratica um consumo consciente.
– Dão preferência a vinhos diferentes, de pequenas quantidades, autênticos e principalmente exclusivos.
– Não têm preconceito com o vinho brasileiro. Pelo contrário, apostam nas marcas nacionais.
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– Consumem brancos e tintos no mesmo volume, o que é uma mudança e tanto no comportamento médio do comprador de vinho brasileiro.
– Ainda existe uma onda de interesse pelos laranjas. Os rosés têm um apelo menor.
– O arte do rótulo é um fator de decisão na escolha do vinho.
– Ticket médio de consumo: 130 reais
– E, como não poderia deixar de ser, a comunicação é feita pelas redes sociais, mas especificamente o Instagram. É nesta plataforma que a conversa se dá com seu público: divulgação, venda e publicidade.
O negócio levou ao vinho
Marcelo Spolidoro, 33 anos, tem a idade e perfil de seu público. É formado em Comunicação em Multimeios pela PUC-SP e pós em Marketing em Mídias Sociais na FGV. Em 2017 criou uma marca de roupas de praia que existe até hoje. No ano passado foi convidado para entrar como sócio na Mapati e logo em seguida começou a tocar o negócio sozinho. Ele foge um pouco do estereótipo do apaixonado por vinho que resolve empreender (e geralmente se dá mal). Não foi o vinho que o levou ao negócio, mas o negócio que o levou ao vinho. Não era um expert nem grande conhecedor. Muito menos dos vinhos brasileiros. Seu conhecimento era mais por convivência. Seu namorado é apaixonado pela bebida e fez um curso de sommelier na ABS de São Paulo. “Eu já tomava vinhos nacionais sim, mas de produtores mais comerciais e talvez óbvios, com exceção de alguns de pequenos produtores como Era dos Ventos”, recorda.
Assim que assumiu a loja, resolver dar uma turbinada no negócio. Em fevereiro de 2022 saiu com seu carro para garimpar produtores artesanais brasileiros e voltou com o porta-malas cheio de novidades. “Achei que o momento dos vinhos brasileiros era esse. Ou eu surfava nessa onda ou eu perdia o timing de ter a Mapati com esse foco e nicho. Então acho que enxerguei essa lacuna e quis ocupar”. Estava fechado o modelo que colocou em prática. Só vende vinhos que escolhe pessoalmente, que prova e gosta e que compõe uma cesta de ofertas que também faça girar o negócio. Em um ano, a Mapati cresceu 100%.
Marcou sua estreia já com um rótulo exclusivo, com sua marca. Os vinhos estavam disponíveis. Comprou todo o estoque de 120 garrafas e tascou um rótulo criado pela designer Flávia Trizotto, que representam animais de roubam uvas das vinícolas. Trata-se do efervescente PetNat Mapati, elaborado pela uva isabel, que para quebrar o paradigma nem uva vinífera é. Um vinho com a cara de seu público. “Para beber gelado, sem compromisso, uma espécie de suco de uva alcoólico”, simplifica Marcelo. Para o futuro planeja outro rótulo exclusivo brasileiro, um tinto mais leve, de preferência da uva gammay.
Mapati. O que é?
Se você for fazer uma busca pelo termo mapati no Google os primeiros resultados vão te apresentar a uva amazônica que tem este nome e parece uma pequena jabuticaba. A Mapati Vinhos não aparece em destaque na página de resultado do buscador. Só depois que você pesquisou pela loja algumas vezes aparece nos primeiros links. Sabe como é, o Google sabe o que você fez no verão passado. A uva amazônica tem potencial. Um grupo de pesquisadores já desenvolveu um vinho tinto produzido a partir de extratos de mapati. O negócio de Marcelo Spolidoro ainda é pequeno. A loja atende ainda um público restrito, formado por clientes-moradores de bairros mais centrais e nobres da cidade de São Paulo (Pinheiros, Jardins, Vila Madalena, Higienópolis, Santa Cecília). Mas tem alma, propósito e já nasceu financeiramente rentável. Assim como a uva amazônica aponta caminhos possíveis.
Evoé novos empreendedores, novos produtores e a renovação do consumo e do consumidor de vinho!
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